Quem não chora não mama

O mundo sindical está em pé de guerra. Sindicalistas movem os céus e a terra, mas não em defesa dos salários ou de melhores condições de trabalho, bandeiras que no passado arrastavam multidões de trabalhadores para greves. A gritaria dos pelegos se dá por motivo torpe: a manutenção do imposto sindical – uma tunga no bolso dos trabalhadores instituída em 1940 pelo Estado Novo varguista.

Uma das espertezas da ditadura de Getúlio Vargas foi atrelar os sindicatos ao aparato estatal para tê-lo domesticado. De um lado, eles passaram a ser subordinados a um Ministério com poder de intervenção no mundo do trabalho, e, de outro, impôs a unicidade compulsória – uma só representação por categoria em uma mesma base territorial – e o imposto sindical.

De entidades autônomas dos trabalhadores, os sindicatos passaram a ser um apêndice do Estado. E abriram-se ao peleguismo, essa figura resiliente que sobrevive à todas mudanças ocorridas no Brasil, do Estado Novo para cá.

A Constituição de 1988 afastou a interferência e a intervenção estatal nos sindicatos, mas manteve incólume os dois pilares getulistas: a unicidade e o imposto sindical obrigatório.

Foi o melhor dos mundos para o peleguismo. Ficou livre das amarras do Estado e, por ser único, manteve a reserva de mercado. Tampouco precisou ir à luta para garantir sua sobrevivência, pois passou a contar com a verba arrecadada pelo Estado e não submetida aos órgãos de controle.

Em palavras claras: o pelego gasta a dinheiro pago pelo trabalhador ao seu bel prazer, prestando contas apenas ao “conselho fiscal” da entidade, eleito, diga-se de passagem, na mesma chapa que o elegeu.

Nos anos dourados do chamado sindicalismo combativo, as lideranças emergentes, das quais se destacava o ex-presidente Lula, propugnavam o fim do imposto sindical e da unicidade. A outra vertente, o sindicalismo de resultados, também propugnava o fim do imposto compulsório.

Nada disso aconteceu. Nos anos do lulo-petismo essas duas chagas continuaram intactas.

Foram mais além. Estendeu-se às centrais sindicais a participação no butim do imposto sindical, escancarando todas as portas aos sindicatos por meio do cooptação, do acesso a projetos e verbas públicas ou pelo puro e simples amancebamento de muitos sindicalistas outrora combativos. A elite sindical foi ao paraíso e se aboletou em diretorias de estatais e em órgãos públicos.

Diante da pressão para o fim do imposto sindical, os sindicalistas articularam uma nova malandragem: a instituição de uma nova taxa obrigatória – a contribuição assistencial – que substituiria o imposto criado por Getúlio Vargas. Claro que isso não aconteceu. O velho imposto sindical continuou em vigor, ao lado da nova tributação.

A nova tungada é uma taxa descontada da folha salarial de todos os trabalhadores, sindicalizados ou não.  Essa contribuição tem de ser aprovada em assembleia quando das convenções coletivas. Mas aqui, mais pilantragem. Aprova-se a contribuição em assembleias esvaziadas e estende-se sua cobrança para o conjunto da categoria.

Em março desse ano, o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional a cobrança da contribuição assistencial a trabalhadores não sindicalizados. Deu-se uma gritaria igual a que assistimos agora, com o fim do imposto sindical embutido no projeto da Reforma Trabalhista.

A toada foi a mesma: “com essa decisão, nem precisa fazer reforma trabalhista. Vai fechar sindicato adoidado pelo país. O Supremo vai conseguir fazer isso numa canetada, em favor dos patrões”.

O argumento da quebradeira dos sindicatos é usado para justificar a continuidade do imposto sindical. Ora, essa quebradeira não é um mal em si mesmo, sobretudo se for considerada a proliferação de sindicatos – atualmente são onze mil –, fundados unicamente para usufruir do imposto.

A reforma trabalhista terá, no longo prazo, efeito benéfico para a oxigenação do sindicalismo brasileiro. O fim do imposto levará seus dirigentes a romper com o comodismo e a se vincular às suas bases. Quem tiver representatividade e mostrar serviço sobreviverá. Quem não representar nada desparecerá. Simples assim.

No país das corporações, não se pode subestimar a gritaria do peleguismo. Há o risco de a reforma trabalhista ser desfigurada na sua face mais modernizante, com o imposto sindical virando moeda de troca com o governo. Para facilitar a aprovação de uma reforma para o presidente Michel Temer chamar de sua, o imposto seria mantido, com nova roupagem. E como uma mão lava a outra, parlamentares sobre a esfera de influência de uma das centrais daria uma mãozinha na votação da denúncia contra o presidente.

O peleguismo pode ser tudo, menos bobo. Como sabe que quem não chora não mama, estão aprontando o maior berreiro.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 12/7/2017. 

 

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