O código petista

Antonio Palocci tornou-se a figura mais execrável para militantes, dirigentes e intelectuais do PT, desde seu depoimento bomba sobre o pacto de sangue entre Lula e a Odebrecht.

A ex-presidente Dilma Rousseff o comparou aos “cachorros” da ditadura – militantes da esquerda que se bandearam para o lado da repressão e entregaram muitos dos seus companheiros assassinados.

Já Frei Beto quer queimá-lo na fogueira da inquisição e prega sua expulsão por ter maculado sua “imagem de fundador do partido”.

O expurgo pode acontecer numa questão de dias.

Há consenso entre os petistas de que Palocci não teve a mesma estatura de José Dirceu e João Vaccari, os verdadeiros heróis da “causa proletária”.

O próprio José Dirceu encarrega-se de alimentar a lenda do seu martírio, ao dizer que prefere “morrer a rastejar e perder a dignidade“. Ou seja, ele é o herói, Palocci, a figura abjeta do traidor.

O velho guerrilheiro stalinista deu a senha para o PT traçar a linha divisória entre o herói e o traidor, ao afirmar: “Só luta por uma causa quem tem valor. Os que brigam por interesse têm preço”.

Aos poucos o PT vai construindo uma narrativa de redução de danos para que uma eventual delação de Antonio Palocci não faça uma razia em suas fileiras semelhante à do Relatório Kruschev nos partidos comunistas.

O código de conduta do PT não difere muito do código stalinista, que também tinha sua Omertà. Ramón Mercader cometeu um assassinato vil, o de Leon Trotsky. Mas, como manteve o silêncio sobre sua identidade e sua ligação com os serviços secretos de Stalin, foi condecorado com a medalha herói da União Soviética após cumprir pena de 21 anos de prisão no México.

Terminou seus dias cuidando de seus cachorros – sem nenhum trocadilho com os “cachorros” da ditadura e os do PT – em Cuba, a mesma Cuba na qual Dirceu se refugiou nos anos 70.

A régua petista não viu traição de Palocci quando o então Ministro da Fazenda frequentava em Brasília a mansão da “República de Ribeirão Preto”- a casa de cômodos onde se intermediavam interesses em meio de garotas de programa.

Tampouco viram o menor desvio ético no fato de seu modesto patrimônio do início dos anos 2000 ter saltado para a casa de milhões de reais, a ponto de movimentar, na conta pessoal e na de sua empresa R$ 216 milhões entre 2010 a 2015. Até aí ele era o companheiro Palocci, pai da Carta ao Povo Brasileiro, o brilhante estrategista, o “consiglieri” de Lula mesmo depois de deixar a vida pública.

O Palocci que humilhou Francenildo Costa – e usou a mão pesada do Estado para quebrar o sigilo do caseiro – contou com a solidariedade e respaldo da cúpula petista, incluindo aí a de Lula. Nisso, não viram nada demais. Tanto que ele voltou como manda-chuva na campanha e depois chefe da Casa Civil do governo Dilma.

Só foi rebaixado ao status de traidor quando revelou os pecados de Lula ao juiz Sérgio Moro. Aí o PT, bem ao gosto da cultura stalinista, começa a reescrever a história.

Enquanto endeusam a “firmeza proletária” de José Dirceu e Vaccari por terem suportado tudo em nome da causa, acusam Palocci de “jamais” (!!!) ter tido qualquer compromisso com ela.

Seu arrivismo, portanto, viria desde os seus tempos da corrente trotskista Libelu, da época em que vendia estrelinhas e camisetas do PT.

É sem pé e cabeça a história de que um é arrivista e os outros são dedicados servidores da causa. Os fatos estão aí a mostrar quão tênue é a fronteira entre quem roubou para o partido e quem roubou para benefícios pessoais.

José Dirceu está condenado por enriquecimento ilícito, por intermediação de interesses para obter vantagens pessoais. E o que há de ideológico na venda de medidas provisórias, nas palestras de Lula pagas pela Odebrecht, no sítio de Atibaia, no tríplex do Guarujá ou nos vários milhões de reais recebidos para compra de terreno e construção de seu museu/instituto?

A ideologia não tem o poder de mudar a natureza das coisas. A morte de Trotsky não deixou de ser um crime ignóbil só porque assassino teve como motor a defesa da “Mãe Pátria do Socialismo”, que Stalin julgava ameaçada enquanto seu arquirrival estivesse vivo.

Da mesma maneira, o assalto aos cofres públicos sob o patrocínio do PT não deixa de ser crime execrável só porque foi feito em nome dos supostos “interesses do povo”.

O verniz ideológico não elude o fato de terem cometido um crime muito mais grave:  atentar contra a República, enganar e fraudar milhões e milhões de brasileiros.

O código de conduta petista é uma visão deformada da realidade, produto da ideologia do partido-fim. Mais precisamente na sua transformação em uma seita. Na vida real e para além da ideologia, nem José Dirceu é herói, nem Antônio Palocci é traidor. Os dois são bandidos e foram condenados como tais. Assim como a seita petista agiu como uma organização criminosa.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 13/9/2017. 

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