Marina e a música

Marina começou a ver o show dos Barbatuques absolutamente mesmerizada. É assim mesmo que ela fica diante de um desenho animado ou de show de música de que gosta, seja ao vivo, seja diante da TV: absolutamente mesmerizada. Marina tem uma capacidade de concentração que me impressiona desde sempre, e, quando ela está diante de algo que conhece, é de fato fantástico: ela abre aqueles olhões, fixa o que está vendo e nem sequer pisca.

Aos 4 anos e meio, é uma veterana em Barbatuques: antes desse show que vimos agora, no domingo, no Viradalata Espaço Capital, no Sumaré, já havia visto dois ou três, não tinha bem certeza. Pelo menos dois, pelo que me lembro de a mãe contar. Mary e eu conhecíamos o grupo pelo DVD, mas nunca tínhamos visto ao vivo.

É uma experiência sensacional – para pequenos e grandes.

Este show que vimos, o último da temporada naquele belo teatro da Rua Apinajés, foi de uma parte dos Barbatuques: seis dos cantores do grupo que tem 15 integrantes no total.

Os seis dessa temporada eram (salvo engano) Charles Raszl, Giba Alves, Helô Ribeiro, Lu Cestari, Renato Epstein e Taís Galieiro.

Enquanto o espetáculo não começava, a pequena empoleirou-se no colo da avó, deixando uma cadeira vazia à minha direita. Nos primeiros minutos do show, manteve-se lá, mesmerizada.

Quando um dos seis Barbatuques convidou todo mundo para acompanhar, batendo pé no chão, mão na mão, mão no peito, mão na boca, mão na bochecha, desempoleirou-se da avó, sentou-se na cadeira entre Mary e eu, e ali ficou até o final. Ficava de pé para bater os pés no chão, batia palmas, batia as mãos no peito, fazia os ruídos todos que os Barbatuques propunham. Feliz. Alegre. Divertida. Encantada.

Marina num show dos Barbatuques é igual ao avô diante de um Chico, um Caetano, um Paul, um Dylan, um Moustaki, um James Taylor, um Simon.

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Tímida, não quis saber de tirar fotos com os Barbatuques depois do show, embora os conhecesse a ponto de saber o nome de alguns deles. Mas, enquanto caminhávamos de volta até minha casa, subindo e descendo os morros de Perdizes, cantava numa língua que, segundo ela, só ela e seus filhinhos conheciam. Ia improvisando um sonzinho à la Barbatuques.

Mais tarde, quando foi se aproximando a hora de ver DVD, depois de tempo pra brincar, tomar banho e jantar, disse que queria ver o DVD dos Barbatuques. No entanto, na horinha H, disse – e me pareceu que disse com algum receio de a gente achar ruim, ou esquisito – que tinha mudado de idéia… e queria ver Palavra Cantada. Especificamente o DVD Vamos Brincar.

Mary e eu já tínhamos visto o Vamos Brincar algumas vezes – mas claro que muito menos que a pequena. Mais uma vez nos encantamos com o trabalho da Sandra Peres e do Paulo Tatit. Esse DVD, especialmente, é de uma riqueza musical fantástica, absurda – e de uma riqueza visual também agradabilíssima, com belas tomadas de montes de crianças brincando, desenhando, tocando instrumentos.

Marina lá pelas tantas disse que “Coloridos” (Sandra Peres-Paulo Tatit) era a música de que ela mais gostava, entre todas. A preferida. Mas, quando chegou “Zangão” (Paulo Tatit), disse que aquela era uma das melhores. E, quando terminou o DVD, de 14 clipes, 14 canções, perguntou se poderia ver mais uma músicas.

Claro! Qual? Ela hesitou um tempo, até acabar escolhendo “Coloridos”.

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Quando a mãe de Marina era criança (e ela era uma criança tão  apaixonantemente linda e fofa como a filha), tive boas canções para oferecer aos ouvidinhos dela. Toquinho e Vinicius lançaram A Arca de Noé quando Fernanda era pequetita, e, meu Deus, como ela ouviu aquelas canções todas, que eu repetia e repetia no toca-discos.

Fernanda tinha apenas 2 anos quando saiu o LP Os Saltimbancos – as maravilhosas canções dos italianos Luiz Enriquez Bacalov e Sergio Bardotti, vertidas para o Português – genialmente – por Chico Buarque. E, se quisesse me processar por ter feito a tenra criança ouvir tantas vezes aquele disco, teria todo o direito.

Não o fez, no entanto. Bem ao contrário: quando a filha dela, ainda bem pequetita, ali por volta dos 2 anos, começou a cantar “Nós gatos já nascemos pobres”, minha filha ficou feliz, exultante, e quis logo me mostrar que as boas canções que a gente aprende com os pais a gente passa para os filhos.

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Marina tem hoje uma pequena coleção de CDs na casa dela e também na casa da avó e do avô. As canções que a mãe dela ouviu quando criança em LPs estão todas em CDs lançados e relançados recentemente. A Arca de Noé, Os Saltimbancos, as canções para O Sítio do Picapau Amarelo da Globo, coisas esparsas tipo “Carimbador Maluco” do Raul Seixas, tudo o que foi feito nos anos 70 e 80 para as crianças está perfeitamente disponível agora – não se perdeu nada.

E, àquelas belas canções todas, somaram-se, nos últimos anos as criações de grupos tão maravilhosos como o Palavra Cantada, os Barbatuques, o Tiquequê, mais o projeto Tic Tic Tati da Fortuna e Adriana Calcanhoto como Adriana Partimpim.

Queitinho aqui no meu cantinho, acho fenomenal que o principal grupo de música brasileira para a infância dos últimos amos, o Palavra Cantada, seja herança direta do grupo Rumo, que apresentei para a Fernanda quando tinha pouco mais ou menos a idade da Marina agora. Levei a pequena Fernanda para ver o Rumo no Lira Paulistana, na Praça Benedito Calixto – a praça mais próxima da casa dela, onde a levava pra brincar sempre que podia.

As coincidências me fascinam, todas elas, as geográficas em especial, e acho o maior barato que Fernanda tenha vivido até os 14 anos na João Moura, a uma quadra do Lira Paulistana e da Praça Benedito Calixto, no mesmo prédio em que então vivia o Paulo Tatit. E que tenha passado comigo os fins de semana, dos 2 até os 13 anos, no prédio ao lado daquele em que vive hoje, pertinho da PUC, em Perdizes.

Mas isso aí último é um detalhinho pequeno, íntimo, pessoal e intransferível. O que importa é perceber que, em matéria de boa música brasileira, as crianças de hoje têm tudo o que as crianças de 40 anos atrás tinham, e mais muitas coisas novas e belas.

Marina e amigas têm tudo aquilo que as mães e os pais tiveram, e mais tanta coisa boa que veio depois.

Em situações como um show dos Barbatuques, vendo não apenas Marina, mas dezenas e dezenas de criaturinhas absolutamente embevecidas com música de qualidade, dá até aquela dúvida: será que, afinal de contas, no frigir dos ovos, a humanidade não é uma experiência que poderia dar certo?

25 e 26/9/2017

4 Comentários para “Marina e a música”

  1. Não é somente por pertencer a uma familia que aprecia realmente a boa música que a pequena se encanta com os bons shows musicais, chegando, como disse o avô, a ficar mesmerizada apreciando o espetáculo. Não, ela possui em si o bichinho da música, que a faz ser essa pessoinha tão diferente, que expressa sua admiração com aqueles olhinhos fixos no palco, como mostra a foto de hoje. Como fiquei feliz vendo a sua expressão! Nossa Marina, certamente, estará cada dia mais afinada com as belas canções!

  2. Ahá! E a sua filha linda que carrega a pequena no colo, hein, Dona Lúcia? Nenhuma palavra sobre ela?
    (Hê hê…)
    Adorei o comentário.
    Beijo nas bochechas.
    Sérgio

  3. “A humanidade não é uma experiência que poderia dar certo”? Interrogação séria para finalizar um ótimo texto, Sérgio.
    Beijo
    Vivina

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