Está melhorando (14)

“A julgar pela Bolsa, os investidores deram as costas para a política”, teria dito William Waack no Jornal da Globo da sexta-feira, 15/6, segundo foi transcrito no Facebook. Se de fato disse isso, com todo o respeito que o grande jornalista merece, nessa ele se equivocou.

O mercado ficou de olho na política, sim. E compreendeu que a segunda denúncia apresentada contra o presidente Michel Temer pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, a poucas horas de entregar o cargo, é inepta, incompetente, frágil. Exatamente como a primeira, ou mais ainda que a primeira.

Com isso, o mercado ficou aliviado, e a Bolsa subiu ainda mais.

A B3, atual nome da antiga Bovespa, Bolsa de Valores de São Paulo, fechou na sexta-feira o primeiro pregão pós segunda denúncia de Rodrigo Janot em uma alta recorde, acima dos 75 mil pontos pela primeira vez na História.

Mais: foi a oitava semana seguida de alta – apesar de Rodrigo Janot. Foi a maior sequência de altas semanais em mais de um ano – apesar de Rodrigo Janot.

O índice de referência Ibovespa avançou 1,47%, chegando ao patamar histórico, nunca antes alcançado, de 75.756 pontos.

O mercado é esperto, ágil, rápido. Não demorou nada a perceber que a segunda denúncia é fraca – conforme analisou, ainda na sexta-feira, o site do jornal Folha de S. Paulo. “Denúncia de Janot sofre de gigantismo e falta de investigação”, dizia o título da análise assinada por Rubens Valente.
Não precisou esperar pelo editorial do Estadão do sábado, 16/9, “Mais uma denúncia inepta”, que abre com este parágrafo matador:

“Se a luta contra a corrupção no Brasil dependesse de denúncias como a apresentada na quinta-feira pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra o presidente Michel Temer e outros políticos, o esforço para pôr os corruptos na cadeia seria desmoralizado. A exemplo do que aconteceu na primeira denúncia de Janot contra Temer, feita em junho passado, a nova peça elaborada pelo procurador-geral para acusar o presidente de corrupção não se sustenta em nada além de declarações de delatores – tratadas, textualmente, como ‘provas’.”

(A íntegra do editorial segue mais abaixo.)

Esperto, ágil, rápido, o mercado reagiu bem à fraqueza da nova denúncia contra o presidente já na sexta-feira, e manteve os inéditos números de alta.

Repito, insisto: os investidores não estão dando as costas à política. Estão observando de perto a crise política. Perceberam que boa parte da crise é resultado muito mais de correria, de afobação de Rodrigo Janot, de sua vontade de deixar uma marca positiva para a gestão à frente do Procuradoria-Geral da República do que propriamente provas concretas contra Temer.

A lógica dos investidores é extremamente simples: governo Temer é sinônimo de equipe econômica de Henrique Meirelles; equipe de Meirelles é confiável, está fazendo o que tem que ser feito; menos ameaças à continuidade do governo Temer até dezembro de 2018, melhor para a economia, para o país.

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Análises mais pessimistas, ou, vá lá, mais realistas da situação do país – não apenas das questões políticas, mas também da gravíssima crise fiscal deixada de herança por Dilma Rousseff – questionam essa confiança toda do mercado financeiro. Dizem que é um otimismo sem lastro.

Bem, mercado tem mesmo um lado de animal selvagem, e um lado de jogador, de especulador. Alan Greenspan, que presidiu o Federal Reserve, o banco central americano, no longo período entre 1987 e 2006 (dois anos antes, portanto, do estouro da bolha do mercado imobiliário e das subprimes, que levou à gigantesca crise de 2008), alertava para a “euforia irracional dos mercados”.

A questão é que a euforia do mercado no atual momento brasileiro não pode ser classificada exatamente de irracional.

Há motivos racionais para otimismo. Depois de 13 anos, 5 meses e 12 dias de governo lulo-petista, o Brasil deu uma guinada de 180 graus na condução da economia. E os efeitos dessa guinada já estão aparecendo claramente. Após menos de um ano e meio, o país saiu da maior recessão da História, em que foi enfiado pela mistura tóxica de incompetência administrativa, todos os tipos de escolhas erradas na micro e na macroeconomia, soberba e corrupção deslavada.

Ao longo da semana que passou, de 11 a 15/9, as boas notícias não vieram apenas do mercado financeiro. A economia real lançou bons sinais, a exemplo do que já vem lançando há várias semanas, conforme esta série de textos e compilações tem tentado historiar.

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O Índice de Atividade calculado pelo Banco Central (IBC-Br), tido como a prévia do PIB, avançou 0,41% em julho, já descontados os efeitos sazonais, e alcançou o maior nível desde dezembro de 2015, anunciou-se na quinta, 14/9.

O indicador subiu de 135,06 para 135,62 pontos de junho para julho, no segundo avanço mensal consecutivo. No acumulado do ano, até julho, a atividade cresceu 0,14%, na série sem ajustes sazonais.

Os números indicam que a economia brasileira manteve-se em trajetória de crescimento no segundo semestre. Crescimento pequeno, é claro – mas crescimento, depois de uma recessão que começou em 2014.

A recessão começa a ficar para trás. A tendência inverteu. A economia parou de encolher, voltou a crescer – ainda que bem pouco.

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A indústria automobilística confirma a retomada. Desde janeiro, a venda diária de veículos cresce 6,7%, e as montadoras voltam a contratar, mostrou reportagem de O Globo neste sábado, 16/9, assinada por Ana Paula Machado e Ana Paula Ribeiro.

Outro indicador positivo na indústria automobilística: enquanto até março os licenciamentos cresciam somente em três estados da federação (Minas Gerais, Alagoas e Roraima) em relação a 2016, em agosto as vendas avançaram em 22 Estados na comparação com o ano passado.

A íntegra da reportagem vai abaixo.

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Motor da recuperação

Por Ana Paula Machado e Ana Paula Ribeiro, O Globo, 16/9/2017.

Depois de ser puxado por encomendas de frotistas e pelo aumento das exportações, os consumidores começam a voltar às concessionárias, sustentando a recuperação das vendas da indústria automobilística, que estão em trajetória ascendente desde maio. Somente nos primeiros 14 dias de setembro, a média diária de veículos (automóveis e comerciais leves) vendidos no país chegou a 8.842 unidades, número 25,2% maior que o do mesmo período de 2016. Desde janeiro, as vendas diárias crescem 6,7%, na média.

Um dos termômetros do nível de atividade na economia, pela extensão de sua cadeia produtiva, o setor automotivo já trabalha com a perspectiva de um aumento de 25,2% na produção este ano e, aos poucos, volta a contratar pessoal para reforçar as linhas de produção. Só nos primeiros 15 dias deste mês, duas montadoras, GM e MAN Caminhões, anunciaram a contratação de mil trabalhadores.

No caso da GM, o reforço de 700 novos funcionários para o terceiro turno, que será retomado em dezembro na fábrica de Gravataí (RS), deve acarretar a contratação de outros mil nas fornecedoras de peças instaladas no mesmo complexo industrial. Na fábrica da Volvo, em Curitiba, cem trabalhadores que tinham sido desligados no ano passado foram recontratados.

— Os empregos vêm retomando, ainda com crescimento baixo mas com tendência de recuperação. Diminuiu o número de pessoas em layoff (com contrato suspenso) e PSE (Programa de Seguro Emprego). Em julho, havia 12.198 pessoas nesses programas, e, em agosto, esse número caiu para 6.320. Além do retorno dessas pessoas ao trabalho, algumas empresas já estão aumentando a jornada de trabalho em suas unidades — comentou Antonio Megale, presidente da Anfavea, associação que reúne as montadoras no país, na apresentação dos números do setor.

Outro indicador da Anfavea reforça os sinais de mudança na dinâmica do setor: enquanto até março os licenciamentos cresciam somente em três estados da federação (Minas Gerais, Alagoas e Roraima) em relação a 2016, em agosto as vendas avançaram em 22 estados na comparação com o ano passado.

Os ventos mais favoráveis no mercado de veículos fizeram a Anfavea elevar suas projeções para este ano: as expectativas de vendas no mercado doméstico, que inicialmente cresceriam 4%, devem avançar 7,4%, ao passo que a expectativa para a produção agora aponta salto de 25,2%.

Com as montadoras voltando a respirar, depois de verem a produção retroceder mais de uma década em três anos — em 2016 foram produzidos no país 2,15 milhões de veículos, pouco mais que os 2,12 milhões de 2004 —, os fabricantes de autopeças também começam a recuperar a produção perdida, reforçando gradualmente seus quadros de pessoal.

Para atender às encomendas das montadoras, o Sindipeças, sindicato das fabricantes de peças, estimava a necessidade de um aumento de 1,5% no nível de emprego nas empresas associadas, alcançando 164,6 mil postos de trabalho. E a tendência positiva deve permanecer em 2018. Para a entidade, no próximo ano, o nível de emprego no setor deve voltar ao patamar de 2015, com 173 mil trabalhadores ocupados nas indústrias de autopeças.

Raphael Galante, consultor na Oikonomia Consultoria Econômica, observa que o grosso do crescimento das vendas de veículos neste ano ainda está vinculado aos negócios feitos com grandes compradores (frotistas e locadoras de veículos), mas, aos poucos, as vendas a pessoas físicas começam a mostrar uma reação.

— O mercado vai crescer neste ano devido às compras das pessoas jurídicas, de locadoras e de frotistas, mas a queda no caso das pessoas físicas já é menor. Isso é uma tendência de melhora, e, no ano que vem, esse segmento deve apresentar algum crescimento, já que os bancos estão voltando a conceder crédito, e os prazos dos financiamentos vêm crescendo — disse.

Segundo Galante, essa demora na retomada da volta dos consumidores às concessionárias ocorre porque há uma defasagem até que a inflação menor e a queda da Taxa Selic se materialize nas contas das famílias. Além disso, observa, o desemprego ainda está em patamares elevados. Enquanto essa volta do consumo da pessoa física se dá mais lentamente, as montadoras continuam incentivando as vendas diretas para locadoras, frotistas e outras pessoas jurídicas.

— Quando se olham os dados de emplacamentos, vemos que há um grande número em Belo Horizonte, que é sede de algumas das maiores locadoras de veículos do país. A capital mineira é a cidade em que mais se compra carro zero no Brasil, embora não tenha a maior frota — explicou Galante.

Antonio Jorge Martins, coordenador de curso de cadeia automotiva da FGV, também acredita que o crescimento do mercado será sustentado pelas compras das empresas:

— Haverá uma reversão na curva, em função da venda direta. Mas não existe uma segurança de que esse crescimento vai se sustentar no próximo ano.

Segmento da indústria automobilística ainda mais afetado pela crise econômica, os fabricantes de caminhões vêm ganhando fôlego também com as encomendas de grandes empresas, além das exportações. A MAN, que voltou a contratar este mês, por exemplo, vendeu 417 veículos para a Ambev no fim de agosto, enquanto a Mercedes-Benz recebeu encomenda de outros 524 caminhões pela Raízen.

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Mais uma denúncia inepta

Editorial, Estadão, 16/9/2017

Se a luta contra a corrupção no Brasil dependesse de denúncias como a apresentada na quinta-feira pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra o presidente Michel Temer e outros políticos, o esforço para pôr os corruptos na cadeia seria desmoralizado. A exemplo do que aconteceu na primeira denúncia de Janot contra Temer, feita em junho passado, a nova peça elaborada pelo procurador-geral para acusar o presidente de corrupção não se sustenta em nada além de declarações de delatores – tratadas, textualmente, como “provas”.

Além disso, mas não menos importante, a maior parte do que vai exposto nas 245 páginas da denúncia diz respeito a fatos ocorridos antes que Michel Temer se tornasse presidente da República. Ou seja, não poderiam estar ali, pois Temer só pode ser processado por crimes supostamente cometidos no exercício de seu mandato, conforme se lê no parágrafo 4.º do artigo 86 da Constituição.

A esse propósito, basta relembrar que, graças a uma controvertida interpretação dada a esse artigo pelo Supremo Tribunal Federal, a então presidente Dilma Rousseff, quando sofreu o processo de impeachment, só pôde ser acusada por atos relativos a seu segundo mandato, descartando-se os diversos e gravíssimos crimes de responsabilidade cometidos no primeiro mandato.

Na nova denúncia, Janot não parece preocupado em diferenciar os supostos crimes cometidos antes de Temer chegar à Presidência e os delitos atribuídos ao presidente no exercício do mandato. Tudo é uma coisa só, dentro de um descomunal “aparato criminoso”, para o qual, segundo o procurador-geral, “Temer dava a necessária estabilidade e segurança, (…) figurando ao mesmo tempo como cúpula e alicerce da organização”.

E que provas Janot apresenta para sustentar tão forte acusação? Uma série de delações premiadas – que deveriam servir como ponto de partida para investigações, mas que, no entendimento do procurador-geral, bastam para comprovar a autoria do crime. Para fundamentar uma denúncia contra o presidente da República, com potencial para gerar imensa crise política e econômica, o procurador-geral tinha de ter sido bem mais cuidadoso. Mas prudência não é o forte de quem se julga com a missão de sanear a política.

É em razão dessa missão que Janot, em sua peça acusatória, transforma toda a negociação política em crime, por definição. Segundo sua lógica, cada indicação do grupo de Michel Temer no PMDB para cargos no governo de Dilma Rousseff tinha a intenção de colocar na administração bandidos dispostos a roubar para o partido. Janot qualifica de propina todas as doações eleitorais feitas ao PMDB por empresas contratadas por estatais dirigidas por indicados do grupo de Temer no partido. Janot diz que esse esquema rendeu exatos R$ 587.101.098,48 – e nem um centavo a menos.

É claro que não se pode ignorar que muitas nomeações para cargos no governo se prestaram a dar dinheiro e poder a políticos. Tampouco se pode esquecer que o petrolão fez-se também com a nomeação de representantes de PT, PMDB e PP para assaltar a Petrobrás. Mas Janot foi além. O procurador-geral partiu do princípio de que todas as nomeações efetuadas por Temer eram parte de um plano delinquente liderado pelo então vice e atual presidente da República. Ademais, segundo o raciocínio de Janot exposto na denúncia, se algum desses nomeados sob a influência de Temer foi flagrado em corrupção, o suposto criminoso só podia estar agindo a mando de seu padrinho, seja para abastecer o PMDB de dinheiro roubado, seja para beneficiar o próprio Temer.

Uma denúncia com essa qualidade não pode prosperar, a exemplo do que ocorreu com a primeira investida de Janot contra Temer, tão ordinária quanto esta. Se o Supremo Tribunal Federal decidir encaminhá-la à Câmara, espera-se que os deputados a rejeitem, não apenas porque uma denúncia contra o presidente da República não é algo trivial, que se possa fazer sem um mínimo de embasamento, mas principalmente porque o País ainda tem leis – e a denúncia ora apresentada, baseada em suposições e ilações, não as leva em conta.

16/9/2017

Da mesma série:

Está melhorando (13): Em meio ao lodo todo, ótimas notícias nos últimos dias.

Está melhorando (12): “Os dados confirmam a saída da recessão”.

Está melhorando (11): Apesar da Globo, boas notícias insistem em acontecer. 

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