Em busca do novo

A verdadeira dimensão do fosso entre o mundo formal da política e a sociedade ávida por outro padrão de se fazer política aparece com toda nitidez na pesquisa com mais de 10 mil eleitores realizada por encomenda do Agora, movimento de ativistas independentes.  Por qualquer ótica que se analise, os números são massacrantes quanto à ojeriza dos eleitores aos partidos e políticos tradicionais.

Como a pesquisa demonstra, os brasileiros sabem muito bem o que querem. E quem ignorar essa realidade corre seriíssimos riscos de ser atropelado pelas urnas em 2018.

Apenas para ilustrar esse estado de espírito: 59% dos entrevistados rejeitam a ideia de ter um presidente eleito a partir do PT, PMDB e PSDB, exatamente os mais envolvidos na Lava-Jato.

A crise de representação fica estampada no fato de que oito em cada dez dos entrevistados terem a percepção de que os partidos passam ao largo do seu cotidiano, vistos como irrelevantes. O anseio pelo novo fica ainda mais evidente quando 79% do universo pesquisado gostariam de votar em cidadãos sem mandatos.

A crise ética tem tudo a ver com a mudança do imaginário dos eleitores. Basta dizer que 57% não votariam em candidatos envolvidos na Lava-Jato. Mas existem movimentações tectônicas mais profundas que estão incidindo sobre a cabeça dos brasileiros.

Na essência, são as mesmas que impulsionaram o fenômeno Emmanuel Macron, na França, e, de certa maneira, estiveram presentes nas jornadas multitudinárias de 2013 e na campanha do impeachment de Dilma Rousseff.

A fragmentação das classes, as mudanças no modo de produzir e de pensar, as conexões em rede, tornaram obsoletas velhas polarizações como o pensamento binário esquerda-direita, patrões versus trabalhadores. As organizações formais – partidos, sindicatos e movimentos sociais estruturados verticalmente – não dão conta da nova realidade. Aliás, nem sequer percebem sua existência.

A pesquisa da Fundação Perseu Abramo sobre a percepção dos eleitores da periferia já tinha apontado esse novo imaginário dos brasileiros, mais identificado com valores como empreendedorismo, meritocracia, competitividade, eficiência, ativismo, igualdade de oportunidades.

O levantamento encomendado pelo Agora confirma a tendência: para a imensa maioria (72%) pouco importa se uma política pública é de direita ou de esquerda. Importa mesmo se ela muda sua vida para melhor.

Ainda que possa haver problemas na base de cálculo da consulta e na metodologia aplicada – o universo pesquisado foi o das grandes cidades por meio de método indutivo – ela revela o esgotamento da polarização PT-PSDB. Ou melhor, o cansaço dos eleitores com esse mundo binário. O que eles rejeitam é exatamente essa concepção confrontista ou a sua reprodução ainda que com novos polos, tipo Lula-Bolsonaro.

Temos um eleitorado mais pragmático – que cobra resultados das políticas públicas, ávido pela renovação dos governantes e do parlamento – em rota de colisão com partidos detentores do monopólio da política.

Esse anseio pelo novo choca-se com a forma ossificada de se fazer política, da qual a “reforma política” em tramitação no Congresso é a sua mais recente criação.

Em vez de se abrir para a demanda da sociedade, a representação formal quer aprofundar sua reserva de mercado com a adoção do “distritão” e com a instituição de um financiamento público inteiramente controlado pelas burocracias partidárias.

Qual será a reação, em 2018, desse eleitorado face ao maior engessamento da política? A tentativa dos parlamentares de assegurar sua reeleição via “distritão” pode gerar uma campanha acirrada de não se votar em quem tem mandato.

Não necessariamente isto redundará em boa coisa, pois antigas polarizações estariam sendo substituída por outra: o velho contra o novo, que por si só não quer dizer muito.

Nem todo parlamentar é patrimonialista e nem todo candidato novo é um probo. É preciso qualificar um e outro, embora seja forçoso reconhecer que a corporação política opera como força conservadora da história com vistas a manter intactos seus privilégios. Entre eles, o sacrossanto direito ao foro privilegiado, que passou a ser uma questão de sobrevivência.

Outra hipótese a ser devidamente levada em consideração é um crescimento exponencial do voto nulo, branco e abstenção, como resposta a impermeabilidade de um mundo político carcomido.

Neste caso, a eleição de 2018 não representaria um desfecho virtuoso da crise e ela adentraria o quatriênio seguinte, com um Parlamento eleito por menos da metade dos eleitores e um presidente da República sem o respaldo da maioria dos brasileiros.

Não está dado, porém, que a busca pelo novo se frustrará. Seus ventos podem levar oxigenação à vida política nacional e criar um padrão com bases em valores éticos e republicanos.  Como dizia Belchior, o novo sempre vem. É uma questão de tempo.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 2/8/2017. 

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