Buddy Holly still goes on

Os Beatles gravaram Buddy Holly, copiando tudo, cada nota, cada toque da guitarra, cada som de cada palavra, em “Words of Love”. Os Everly Brothers começaram na mesma época de Buddy Holly, mas creio que nunca chegaram a gravar uma canção do garoto de Lubbock, Texas.

Paul Simon e Art Garfunkel aprenderam a fazer harmonias vocais com os Everly Brothers, e gravaram músicas do repertório deles – “Bye, Bye, Love” e “Wake up, Little Susie”, ambas compostas pelo casal Felice & Boudleaux Bryant. E, bem mais tarde, Paul Simon falou de Buddy Holly em uma canção maravilhosa de seu disco de 2000, You’re the one.

A canção se chama “Old”, e começa assim:

The first time I heard ‘Peggy Sue’

I was 12 years old

Russians up in rocket ships

And the war was cold

Now many wars have come and gone

Genocide still goes on

Buddy Holly still goes on

But his catalog was sold.

O que é mais ou menos assim: A primeira vez que ouvi “Peggy Sue” eu tinha 12 anos, os russos estavam no ar com suas naves e a guerra era fria. Muitas guerras chegaram e foram embora, o genocídio continua, Buddy Holly continua, mas seu catálogo foi vendido.

Se o que ele diz na canção é verdade (não dá para acreditar em tudo que esse sujeito genial fala), então ele ouviu “Peggy Sue” pela primeira vez em 1953 (1941, ano do seu nascimento, mais 12, dá 1953.) O que é estranho, porque “Peggy Sue” só aconteceu em 1957. Ficou 16 semanas entre as mais vendidas da Billboard – e não foi via Google que achei essa informação, mas em um livro, um tipo antigo de aplicativo, esse aí, especificamente, chamado US Top 40 Hits. Mas não é isso que importa.

Importa mais lembrar que depois de “Peggy Sue” Buddy Holly compôs uma continuação, “Peggy Sue Got Married”, que não chegou aos Top 40 da Billboard, mas virou filme de Francis Ford Coppola em 1986. Não tenho certeza se, em 1986, o ano de Peggy Sue Got Married de Coppola com a beleza retumbante de Kathleen Turner, Paul McCartney já havia comprado o catálogo de Buddy Holly – o fato citado na canção de Paul Simon de 2000.

Creio que sim: Paul McCartney era fã absoluto de Buddy Holly, apaixonado pelos sons adolescentes do rock’n’roll do garotinho texano, e seria a coisa mais natural do mundo ele ter comprado os direitos das canções de seu ídolo para incorporar ao acervo da MPL Communications.

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Essa coisa de catálogo vendido é muito doida. Se não estou enganado, por um tempo Michael Jackson – que fez um belo dueto com Paul McCartney em “Say Say Say” no disco Pipes of Peace, de 1982 – foi o proprietário dos direitos do catálogo dos Beatles! Não me lembro direito da história, mas sei que depois os direitos voltaram a quem de direito, embora isso também não interesse muito.

Paul Simon não disse corretamente o ano em que ouviu “Peggy Sue” pela primeira vez, e eu também não vou dizer – não porque eu tenha uma tendência a mentir, fantasiar, mas porque de fato não me lembro. Lembro que meu caminho até Buddy Holly foi um tanto tortuoso: cheguei até ele através de Don McLean.

Ou teria sido através da trilha sonora de American Graffiti?

Acho que as duas coisas juntas.

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O disco de Don McLean que tem “American Pie” é de 1971.

O filme American Grafftiti, no Brasil Loucuras de Verão, de George Lucas, é de 1973, mas não vi o filme na época. Me lembro que meu amigo Durval Braga me emprestou o LP duplo para eu gravar em fita cassete lá por… Aí é que está: não sei direito a época. Talvez, ou muito provavelmente, final dos anos 70.

A verdade é que demorei a descobrir Buddy Holly. Acho que foi isso: só quase uma década depois de American Pie e American Graffiti foi que juntei as informações.

“That’ll be the day” está na trilha do filme. E a referência direta à canção de Buddy Holly está na músicas longa, imensa, cheia de simbologias, de imagens fellinianas, quase dylanianas sobre a cultura pop americana dos anos 50-60 enfrentando a Invasão Britânica – hoje ela mesma uma das mais preciosas pérolas da Americana. Santo Don McLean! (Aqui há um texto sobre o clipe de música mais emocionante que já foi feito, em que uma cidade inteira canta e dança “American Pie”.)

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Antes de 1959, antes, portanto, da Invasão Britânica, que aconteceu a partir de 9 de fevereiro de 1964, quando os Beatles tocaram no programa de Ed Sullivan, transmitido para todos os Estados Unidos, Buddy Holly cantava:

Well, that’ll be the day when you say goodbye

Yes, that’ll be the day when you make me cry

You say you gonna leave, you know it’s a lie

‘Cause that’ll be the day when I die.”

“That will be the day” é uma expressão idiomática. An idiom. (Adoro idioms, inclusive a palavra escolhida para designá-los.) Vi John Wayne usar, em algum de seus westerns, essa mesma expressão que Buddy Holly usou em sua canção, e que, duas décadas depois, Don McLean usou novamente para fazer a ligação direta entre aquele monte de imagens que ele estava expondo ao respeitável público e o ídolo que ele queria homenagear.

Significa mais ou menos o seguinte: nem pensar; nem fodendo; mas nunca, seus putos; mas de jeito nenhum; só passando por cima do meu cadáver. Over my dead body.

Na imensa, quase dylaniana, quase guerraepaziana letra de “American Pie”, em que ele se lembra do dia em que ouviu a notícia de que Buddy Holly havia morrido (em 1959, num acidente aéreo, aos ridículos 22 anos de idade), Don McLean se refere ao dia em que a música morreu.

The day the music died.

Nada se cria, tudo se transforma, e então, quando, em dezembro de 1980, John Lennon morreu assassinado na calçada diante de seu prédio, junto ao Central Park, em Manhattan, a revista Time fez uma capa história, emocionante, belíssima. Tinha uma arte com o rosto de John, e o título: “When the music died”.

Numa sacada de gênio, os editores da revista juntaram a morte de John Lennon com “American Pie” e com Buddy Holly, o garoto que viveu apenas 22 anos, mas deixou uma marca permanente na música do mundo, e influenciou os Beatles e Don McLean e gerações e gerações de músicos e fãs de música.

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A Invasão Britânica não se deu apenas nos Estados Unidos, é claro: aconteceu em todo o Mundo Ocidental, até mesmo nos países mais periféricos, como o nosso, e até mesmo, para o total horror do camarada Stálin, que Lênin o tivesse, no Grande Império que rivalizava com a decadente, apodrecida civilização ocidental e judaico-cristã, como comprova o extraordinário sucesso do rock’n’roll de uma maneira geral no Paraíso dos Trabalhadores, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e seus satélites – algo que Paul gozaria na fabulosa “Back in the USSR” do Álbum Branco de 1968, o ano em que a garotada parisiense achou que estava derrubando o capitalismo para todo o sempre. (Neste clipe aqui, Paul canta “Back in the USSR” na Praça Vermelha.)

Mas pegou pesado demais na maior ex-colônia britânica, que ficou toda ferida em seus brios de ter inventado o tal do rock’n’roll e estar, ali no começo dos anos 60, importando da ex-matriz o produto criado ali mesmo na América. E foi uma invasão em diversas ondas, porque depois dos Beatles vieram diversas outras bandas, inclusive a que se provaria a mais longeva de todas, os Stones.

No início, eram próximos e trocavam figurinhas, os Beatles e os Stones, que até ganharam canção de presente da dupla Lennon-McCartney – mas, como aqui na periferia aconteceu com relação a Chico e Caetano, o populacho se dividiu ao meio, e quem era pró-Beatles era anti-Stones, e vice-versa. Bobagem imensa.

O fascinante é ver que os Stones são herdeiros diretos de Robert Johnston, Chuck Berry, Muddy Waters, até Chubby Checker – o lado do rock que veio do blues. John Lennon também bebeu bastante dessa mesma fonte – mas a fonte de Paul McCartney foi o lado branco do rock’n’roll. As melodias ricas, elaboradas, gostosas, cheias de harmonias, que usavam até violinos, até com pizzicatos, de Buddy Holly.

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Uma vez, lá atrás, fiz uma fita chamada “Onde meus ídolos aprenderam a cantar”. E lá botei Bob Dylan depois do mestre dele, Woody Guthrie. Peter, Paul and Mary depois dos Weavers. Não me lembro se tinha Joan Baez depois de Harry Belafonte, mas poderia ter tido – é impressionante como a garota Joan canta “Island in the Sun” com exatamente as mesmas pausas, a mesma entonação de Belafonte.

Tinha Simon & Garfunkel depois de The Everly Brothers – os irmãos que, aliás, para seu disco de 1984, ganharam de presente uma canção composta para eles por Paul McCartney, “On the winds of a nightingale”. No mesmo disco, cantaram “Lay, Lady, Lay”, de Bob Dylan – que para seu disco duplo de 1970, Self Portrait, escolheu duas músicas do repertório dos Everly Brothers, “Take me as I am” e “Take a message do Mary”.

E, naturalmente, a fita “Onde meus ídolos aprenderam a cantar” tinha Beatles depois de Buddy Holly cantando “Words of love”. Qualquer semelhança não é, de jeito nenhum, mera coincidência. (Aqui, a gravação original. Aqui, a cópia.)

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Comecei este texto sem saber onde ele iria dar. Comecei quando ouvia James Taylor e Carole King cantando juntos, e depois James Taylor e a esplendorosa mãe de seus filhos Carly Simon cantando “Devoted to you”, também do casal Bryant, também gravado pelos Everly Brothers, e Emmylou Harris, e pensava em como tudo é uma drummondiana quadrilha: os Beatles que gravaram Carole King (“Chains”, de Goffin-King, no álbum Please Please Me, 1963) e depois produziram o primeiro disco de James Taylor que cantou também com Simon & Garfunkel que aprenderam as harmonias vocais com os Everly Brothers que foram contemporâneos de Buddy Holly mas não o gravaram, mas gravaram Paul McCartney, e gravaram Dylan, que por sua vez gravou George Harrison, que se apaixonou pela música indiana e levou Ravi Shankar para o grande concerto por Bangladesh no Madison Square Garden em que estava entre outros Bob Dylan que com George e outros amigos inclusive Roy Orbinson criou o conjunto Traveling Wilburys que fez algumas das canções mais gostosas, mais pra cima, do final dos anos 80, começo dos 90, os tempos em que Madonna, que gravou “American Pie” de Don McLean, foi sendo obrigada a passar o cetro para outras cantoras e belas dançarinas tipo Shakira e Beyoncé.

Fico pensando que a quadrilha drummondiana pode ir pra frente para bem onde ela quiser.

Rumo ao passado, a viagem vai dar em Buddy Holly.

Claro que ele não foi o início de tudo. A música americana tem raízes diversas, na Inglaterra, na Escócia, na Irlanda – e na África, de onde vieram os escravos, sem os quais não haveria o blues, os spirituals, e portanto também não o rhthym and blues, o rock’n’roll.

Mas nada do que existiu a partir de 1959 na música americana existiria se não fosse por ele.

Ou simplesmente não teria sido do jeito que foi – teria sido de algum outro jeito.

Fevereiro de 2017

Um comentário para “Buddy Holly still goes on”

  1. Gostei muito de ler. E achei muito engraçada a alusão a Carlos Drummond de Andrade. Muito bom!

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