O povo em festa no Itaquerão

Teve um problema chato de falta de organização, mas, essa questão superada, a Olimpíada Rio 2016 começou em São Paulo com uma bela festa. O Itaquerão não lotou para os dois primeiros jogos de futebol feminino na cidade, é claro, mas estava bastante cheio, com famílias inteiras se divertindo muito, alegres, bem humoradas, bem dispostas, num clima absolutamente gostoso. 

Clima de festa. Um maravilhoso clima de festa.

Vamos logo ao problema, para ficar logo livre dele: poucos minutos depois que o primeiro dos dois jogos começou (Canadá x Austrália), às 15 horas,  houve um entupimento na entrada para a área Leste do Itaquerão, devido à revista cuidadosa feita pela Polícia Militar.

Entupiu.

zzzzfutebolmary - 450Chegamos bem perto do estádio às 15h10 – sabíamos que perderíamos o início do jogo, nos atrasamos um pouco, mas não contávamos – ninguém contava – com aquela loucura. Entupiu, embolou. Formou-se um bololô insano de centenas e centenas de pessoas, comprimidas, espremidas entre aquelas grades de contenção de multidões, que nos obrigavam a ficar dando voltas e mais voltas em longos esses, ou us.

Parecia que só eu estava indignado, chocado – algumas pessoas reclamavam um pouco, mas para a maioria parecia que aquilo era algo normal.

Mas como? Era um jogo de futebol feminino entre Austrália e Canadá! Não era um jogo de futebol masculino tipo Espanha e Itália, para não dizer Brasil e qualquer outra seleção! E se fosse, como teria sido?

Não deu para entender o que houve, como e por que a entrada tornou-se tão absolutamente caótica. É possível que a PM tenha calculado que viria muito pouca gente, uns poucos gatos pingados, e tenha se surpreendido com a quantidade de gente.

Nós mesmos nos surpreendemos – e muito. Com toda certeza, as moças da Canadá e Austrália também se surpreenderam.

Mary, fanática por esportes, tinha tido a idéia de irmos para a) sentirmos um gostinho de Olimpíada; b) ver o futebol das moças e , at last but not at least, c) conhecermos o Itaquerão. Vai estar vazio de tudo, é uma oportunidade perfeita, ela pensou.

Alguns muitos milhares de paulistanos devem ter pensado igualinho à Mary.

Calculo que pelo menos uns 15 mil. A lotação completa da Arena Corinthians é de 47.605 pessoas. Imagino que pelo menos um terço dos lugares estava ocupado. Ah, vejo agora um texto do Lance! que fala em 20 mil pessoas. Nada mau para um Austrália x Canadá seguido de um Alemanha x Zimbábue.

***

Passada, após cerca de meia hora, a barreira da revista da PM, aí ficou tudo maravilhoso.

Desde a Estação Itaquera do Metrô, até toda a área do Itaquerão passada a barreira da Polícia Militar, havia dezenas e dezenas e dezenas de voluntários, uniformizados, se oferecendo para ajudar, a indicar os locais de entrada, perguntando se podiam ajudar. Todo mundo extremamente simpático. Parecem ter sido muito bem treinados.

zzzzfutebol IMG_2577 - 450E o Itaquerão nos pareceu uma maravilha.

Sinalização ótima, fácil, auto-explicativa.

Estrutura imponente, com jeito sólido, firme.

Excelente visão do gramado. Boas cadeiras. Numeração clara.

Sistema de irrigação de grama entre o primeiro e o segundo tempos com jeito de Primeiro Mundo, de Dubai.

Banheiros a dar com o pau – e com instalações à altura de teatro fino de ópera.

Espaço de acesso às cadeiras amplo, muito amplo, com abundante oferta de cerveja e refrigerante – tanto que nem parecia haver filas.

Constatamos dois únicos problemas: o sistema de som não é bom. A rigor, as vozes ficam ininteligíveis. E faz falta, nos telões – excelentes –, um placar com números maiores, para que todos acompanhem sem dificuldade o placar e o tempo de jogo.

***

Não vou aqui entrar na discussão ah, mas o Itaquerão não deveria ter sido feito, o Itaquerão é parte do esquema de roubalheira Lula-PT-grandes empreiteiras. Não é mais o caso: o Itaquerão está aí. Já houve lá jogos da Copa do Mundo, hoje foi um dos estádios que abriram a Olimpíada Rio 2016.

Eu, pessoalmente, sempre fui contra a construção do Itaquerão. Por mim, o Corinthians teria feito um acordo com a Prefeitura e assumido a administração do Pacaembu, e pronto.

E, sim, deve ter havido sacanagem, roubalheira.

Mas acho que de fato agora não cabe mais esse tipo de discussão. Prescreveu. Já era.

***

E o estádio, perdão, a Arena é bonita pra cacete.

E foi uma grande festa este início de Rio 2016 em São Paulo.

As pessoas estavam com astral maravilhoso.

No meio daquele ajuntamento, antes da barreira da revista da PM, um rapaz, que estava com a namorada, falou ao celular:

– “Olha, eu não vou poder falar com você agora porque estou entrando numa reunião!”

Ele falou alto, e foi saudado com uma gargalhada deliciosa de dezenas de pessoas.

O garotão, em vez de ficar bravo com a barulheira que talvez tenha estragado a desculpa dele, morreu de rir junto com o povo que o cercava, após desligar o telefone. – “Pô, eu não podia dizer que estava entrando no Itaquerão…”

zzzzfutebolmary2 - 450Aparentemente, 99% das pessoas estavam torcendo pela Austrália. Motivo simples: a camisa da seleção australiana é amarela, os calções são verdes.

(Aliás, havia muita, mas muita gente com bandeiras do Brasil, com camisas da seleção brasileira.)

Mary e eu tínhamos chegado lá com simpatia pelo Canadá. E as canadenses estavam ganhando o jogo, quando enfim nos sentamos, faltando uns 10 minutos para terminar o primeiro tempo. Marcaram bem no inicinho do jogo, e também no inicinho uma jogadora canadense foi expulsa. Segundo um senhor atrás de nós contou, o lance nem tinha sido assim tão violento, mas o time do Canadá estava cometendo muita falta seguida, e a juíza deve ter decidido pelo cartão vermelho para dar uma acalmada na moçada.

Mas o fato é que todo mundo no estádio vibrava muito a cada ataque australiano. E todo mundo conversava com os vizinhos que até minutos antes eram completos desconhecidos.

Perto de nós havia uma família com bandeiras canadenses. Mas os pró-Canadá eram francamente minoritários.

Muita criança nas cadeiras. Grupos de família, muitos grupos de mulheres. Dava para perceber claramente que muita gente ali não é frequentador de campo – tinha vindo para participar da Olimpíada que afinal de contas é brasileira e para conhecer o Itaquerão.

No segundo tempo, o povo começou a fazer ola – e ola é o que há, é um belíssimo espetáculo. E dá-lhe uma ola, e outra, e outra. Gritei: – “Caralho, mas agora chega de ola, vâmu vê futebol!” A moça na fileira abaixo da nossa virou-se para trás, achei que ela ia dar bronca, pedi desculpas – mas ela estava era sorrindo, achando engraçado, gostoso.

Já depois da metade do segundo tempo, a Austrália veio num belo ataque, mas a finalização foi errada, e a jogadora mandou a bola para a arquibancada – o trecho Norte do estádio, o que a gente antes chamava de geral, onde não há cadeira, o ingresso é o mais barato de todo o estádio e, é claro, era o lugar mais cheio, quase absolutamente lotado.

Claro que o povo não devolveu logo a bola. Um jogava para o alto, outro pegava, mandava para outro lado.

Ficou nisso uns bons três, quatro minutos – os gandulas todos olhando não mais para o campo, mas para a geral, à espera da devolução da bola.

Achei que não iam devolver a bola – mas devolveram, e, de repente, ficou uma segunda bola em campo, dentro da grande área da goleirona canadense, uma gigante de quase 2 metros de altura e competente. Felizmente, naquele momento o Canadá estava no ataque – se as australianos estivessem atacando teríamos ali um momento complicado.

Suspense.

Aí um dos gandulas, um sujeito de barrigão avantajado, deu uma corrida pela grande área canadense e pegou a bola.

Começou um gigantesco coro: – “Gandula! Gandula! Gandula!” E logo depois outro: – “Gordinho! Gordinho! Gordinho!”

zzzzfutebol foto mary - 440O povo queria festa, o povo estava muito bem humorado – e então o povo fez a festa.

E, embora a simpatia fosse toda pela Austrália verde-amarela, o estádio aplaudiu furiosamente o segundo gol canadense, um lindo gol num contra-ataque mortal, depois que a goleirona australiana, desprotegida, sem laterais, teve que avançar muito para fora da área – e foi batida.

Não ficamos para ver Alemanha e Zimbábue. Para mim já tinha sido suficiente.

***

Fazia muito tempo que eu não ia a um estádio. Deu vontade de voltar a ir de vez em quando, ver jogos do Corinthians no Paulistão, jogos com times menores, do interior, para evitar o estádio abarrotado.

Adorei conhecer o Itaquerão. Adorei ver o povo em festa.

3/8/2016

Um rápido registro sobre jornalismo: o Estadão desta quarta-feira não trouxe uma linha sobre os dois jogos de futebol feminino que aconteceriam na cidade. Nem sequer uma linha. O carioca O Globo deu pequena matéria de cinco parágrafos, dizendo no título que “Itaquera ainda não respira Olimpíada”. Tsc, tsc…

O Estadão da quinta-feira, dia 4, informa, numa matéria com o título “Alemanha goleia o Zimbábue por 6 a 1”, que houve uma suspeita de bomba, antes do início do primeiro jogo, às 15h. “Os policiais acionaram o Gate, a tropa da PM especializada em explosivos, e isolaram a área.” Isso seguramente explica o entupimento que houve na área da revista feita pela PM. 

Ah: a segunda foto é minha. As outras três são da Mary. 

2 Comentários para “O povo em festa no Itaquerão”

  1. É um verdadeiro legado.
    Itaquerão para os corinthianos.
    Futebol para o povo.
    Circo para os coxinhas.
    2018 vem aí.

  2. Muito bom! Quaase me deu vontade de ir a um estádio; mas a bem da verdade, só vejo futebol na Copa mesmo, e no conforto do lar.

    Então a gíria “para a geral…” ou “geral está…” veio dos estádios, hein?! Vivendo, aprendendo e morrendo sem saber.

    Morri de rir aqui também com o cara que disse que estava entrando numa reunião.

    Adorei a selfie do casal! \o/

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