Mudar o ensino médio é urgente, urgentíssimo

A educação é essencial para a dignidade do ser humano e para a cidadania. Estes são fundamentos da nossa República. E a concretização desse direito propicia o desenvolvimento de potencialidades, confere autonomia, qualifica para o trabalho, dissemina valores. Permite, em suma, uma pessoa mais completa, consciente e realizada.

O ensino básico brasileiro está longe de superar seus desafios, como mostram as taxas de evasão escolar, os índices de reprovação e os níveis de aproveitamento medidos por mecanismos nacionais e internacionais de avaliação.

As maiores dificuldades estão no ensino médio, que permanece com um currículo excessivamente acadêmico e inteiramente desconectado da realidade do mercado de trabalho. Por isso, é pouquíssimo atraente para os jovens. Prova disso são a elevadíssimas taxas de evasão, de 9,5% na primeira série, 7,1% na segunda e 5,2% na última. Pior: o Brasil possui 1,7 milhão de adolescentes entre 15 e 17 anos, idade em que deveriam estar cursando o ensino médio, fora da escola.

O último Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, divulgado no início do mês, deu a dimensão do desastre do ensino médio nacional, estagnado desde 2011. Segundo o Sistema da Avaliação do Ensino Básico, um dos braços de cálculo do IDEB, o desempenho dos alunos foi o pior desde 2005. A tragédia se traduz em outros dados divulgados no Jornal Hoje (TV Globo): por ano, 1,2 milhão de alunos abandonam as salas de aula e apenas um em cada dez alunos do grau médio está satisfeito com o ensino que recebem.

O país está inteiramente em descompasso com o mundo.

A educação vive hoje um momento de transição, em escala planetária. Nossas salas de aulas, a separação rígida entre as matérias e o modo de ensinar deveriam estar acompanhando os novos tempos. É inexorável que as escolas estejam muito diferentes em poucos anos. O próprio papel do professor, atualmente um transmissor do conhecimento, não será o mesmo com tantas fontes de aprendizado, tão diversificadas e à disposição de todos.

É essencial que se marche para um ensino cada vez mais multidisciplinar e transversal, onde as aulas expositivas se combinem com o estudo por projetos, a exemplo do que já acontece em outros países e em algumas escolas de ponta de nossa rede de ensino.

A educação no Brasil chegou onde está não por falta de indicadores ou levantamentos. Há hoje uma série de estudos esmiuçando como caminha a área, onde se localizam os principais desafios e a forma de ultrapassá-los.

Há 18 anos discute-se a necessidade de parâmetros curriculares ou de uma base curricular comum. Esse debate vem desde os tempos do ministro Paulo Renato de Souza. Em 2015, um grupo de educadores apresentou cinco propostas para a educação, entre as quais a reforma do ensino médio, com base em uma grade curricular mais enxuta e flexível, na adoção do ensino integral e na formação dos professores.

Não por acaso, os Estados com os maiores saltos no IDEB foram Pernambuco e Rio de Janeiro, onde o ensino integral mais avançou.

O caminho das pedras é conhecido. O que falta é uma política pública adequada para reverter esses indicadores com mais eficiência e rapidez.

Por isso é extremamente bem vinda a iniciativa do governo Michel Temer de apresentar uma grande reformulação no ensino médio.

A proposta tem por diretriz a diversificação da oferta, possibilitando aos jovens diferentes percursos acadêmicos e profissionalizantes. A carga horária passa de 800 para 1.400 horas anuais, o que corresponde a 7 horas diárias em 200 dias letivos. O currículo, que hoje abarca 13 disciplinas obrigatórias, também sofrerá modificações.

Durante todo o primeiro ano e metade do segundo, o estudante seguirá aprendendo o básico de cada matéria, dentro dos pilares que já norteiam o Exame Nacional de Ensino Médio (Enem): Linguagens, Ciências da Natureza, Ciências Humanas e Matemática. No ano e meio seguinte ele poderá priorizar assuntos que sejam de seu interesse para um futuro ensino técnico ou superior. Os objetivos são flexibilizar os currículos escolares, com a combinação de matérias obrigatórias e outras mais ligadas a interesses específicos dos alunos, ampliar a jornada escolar e reforçar o ensino profissionalizante.

O fato das mudanças serem levadas à frente por meio de uma Medida Provisória, para apressar sua entrada em vigor, não inibe o debate, como alguns querem fazer crer. Ao contrário, revela o sentido de urgência e a prioridade que se deve dar à Educação.

A reforma do ensino médio é para ontem, é urgente, urgentíssima. Sem ela, o país continuará retardatário, condenando-se ao atraso. E não ingressará na agenda do século XXI.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 23/9/2016. 

4 Comentários para “Mudar o ensino médio é urgente, urgentíssimo”

  1. Não importa quem se intitulará realizador da reforma no ensino médio, ela tem que ser feita sim, é responsabilidade de quem governa. Faltam currículos, faltam professores, faltam alunos, sobram evasões, sobram índices negativos. Mais matemática, mais português, mais literatura, mais filosofia, mais sociologia, muita história, muita política sem deixar de fazer educação física para manter a moral.

  2. Por Cléo Manhas e Márcia Acioli*

    O ministro da Educação, Mendonça Filho, integrante de um governo não legitimado pelo voto popular, anunciou uma ampla reforma no ensino médio por meio de uma Medida Provisória, o que significa que ela entrará em vigor no dia de sua publicação no Diário Oficial da União (no caso, neste 22 de setembro de 2016), sem diálogo ou reflexão. Tal anúncio provoca mais perplexidade em uma sociedade profundamente abalada por inúmeras ameaças e sequestros de direitos, que evidenciam aumento de privilégios para poucos, aprofundando as desigualdades sociais no país.

    Toda política de educação ao mesmo tempo reflete e contribui para um projeto de sociedade. Cabe-nos perguntar qual é o projeto de sociedade que se fundamenta em decisões unilaterais apressadas, sem amplo debate, especialmente sem a participação dos mais interessados: os próprios estudantes e a comunidade escolar?

    As várias reportagens que noticiam mais essa medida intempestiva do governo Temer são sempre comentadas por um único movimento, que referenda a iniciativa e deixa a impressão de que a sociedade, ou ao menos os especialistas, foram ouvidos.

    Dia desses, uma grande empresa de comunicação fez uma reportagem talhada para esvaziar o debate e dar como evidente a necessidade de uma reforma nos moldes da que foi anunciada hoje. Adolescentes de uma favela de Brasília foram questionados sobre o motivo de não estarem na escola, e os dois meninos dizem apenas “porque não”, e a menina diz que saiu porque engravidou. A conclusão, segundo a reportagem: há vários (assim mesmo, genericamente) motivos para o abandono escolar, e os dos entrevistados foi “falta de estímulo”. Mas que motivos são esses? Falta de estímulo porque a escola é desinteressante? Por que não aproveitam o assunto para problematizar questões importantes que provocam muitos abandonos da escola, como o racismo, a homofobia, o sexismo, a dificuldade de letramento, e desigualdades de todas as ordens.
    A ORGANIZAÇOES da sociedade civil estão há muito tempo voltadas para a educação, promovendo inúmeros diálogos com movimentos sociais, educadores e estudantes sobre o ensino médio e as questões que permeiam esse debate. Há uma certa unanimidade quanto à necessidade de mudanças. Os estudantes promoveram dezenas de ocupações de escolas pelo país, principalmente São Paulo, Ceará e Goiás, apresentando pautas e propostas para o ensino médio e sobre a relação dos governos com as escolas públicas. Essas reflexões têm se acumulado e já se tem muitos elementos que apontam caminhos.

    Uma das principais reivindicações de adolescentes e jovens estudantes de escolas públicas é a participação direta nas possíveis mudanças na educação. Eles sabem que a educação que querem e, especialmente, a que não querem. O Inesc, em parceria com a Unicef, desenvolve um projeto em escolas públicas em Brasília desde 2014, e em municípios da Chapada Diamantina (BA) e Belém (PA) desde 2016. O projeto Educação de Qualidade tem como principal objetivo ouvir o que os estudantes têm a dizer sobre o ensino médio e qual escola desejam. Os diálogos têm sido muito enriquecedores e o acúmulo de ideias e propostas é enorme. Mas o que adianta tudo isso se vem um governo ilegítimo, sob aplausos de uns poucos, e muda tudo por meio de medida provisória, de cima para baixo?

    Podemos dizer que nos últimos anos tivemos avanços interessantes, de forma geral, na educação. O ensino fundamental foi praticamente universalizado, houve uma significativa ampliação das vagas para o ensino superior e o acesso às universidades foi democratizado com a importante ação afirmativa das cotas raciais. No entanto, o Plano Nacional de Educação (PNE) aprovado em 2014 praticamente não saiu do papel, e não há luz no fim desse túnel. Pelo contrario: a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241, em tramitação no Congresso Nacional, propõe um draconiano corte de recursos a curto prazo, e um enorme prejuízo a médio prazo, para o financiamento de políticas sociais, principalmente as de educação – essa mesmo que o governo Temer alega estar querendo ‘salvar’ com essa medida provisória de reforma do ensino médio.

    O mais chocante disso tudo é a informação, registrada pela imprensa, de que a área de educação do governo ilegítimo vem evitando “vazar” informações sobre a proposta de reforma do ensino médio para não esvaziar o ato de seu lançamento. Ou seja: é tudo para a plateia, não há real interesse genuíno em de fato melhorar a qualidade da educação, muito menos do ensino médio, até porque não há política de ampliação do ensino superior para receber um maior número de estudantes. Aliás, ocorre justamente o contrario, um desmonte de políticas que vinham mudando a cara das universidades, em especial as públicas.

    Ironicamente, no discurso de apresentação da proposta de reforma do ensino médio, o ministro da Educação falou que o “novo ensino médio tem como pressuposto principal a autonomia do jovem. É muito comum o jovem colocar que aquela escola não é a escola que dialoga com ele”. Pois é ministro, a escola não dialoga com estudante, e o ministério que propõe mudanças também não. Ao contrário, impõe uma proposta por medida provisória!

    Pelo jeito, o que importa mesmo para o governo ilegítimo e seu ministro da Educação que tem como um de seus interlocutores centrais o pessoal do equivocado (para dizer o mínimo) movimento “escola sem partido” – é valorizar apenas o ensino técnico para quem estuda em escola pública, para termos mão de obra pronta e barata para atender os anseios do mercado. E assim afastam os jovens das periferias das universidades. Para esses, empregos técnicos, de nível médio, são mais do que suficientes para garantir suas sobrevivências.

  3. Eu até comecei a ler o longo comentário acima. Mas quando as duas moças disseram que o Ministro da Educação pertence a um governo não legitimado pelas urnas, desisti. Não estou interessado em reformas da educação em outros países. Aqui no Brasil, com certeza, participei da eleição de Temer para vice. E participei votando contra, por achar que o Presidente deveria ser outro e o vice eleito para substitui-lo em caso de morte ou afastamento também deveria ser outro. Ao contrário das duas moças, que, aposto, votaram em Temer. Ou alguém conhece algum truque ilegal para fraudar a votação elegendo Presidente sem vice? Eu também gostaria que o vice em quem votei estivesse no cargo no lugar de Temer, mas acredito que a gente não deve respeitar as regras da democracia apenas quando ganha. Por isso, nunca deixaria de reconhecer um Presidente ou um vice eleitos contra a minha vontade. Essa atitude é típica de partidos autoritários, que antes acreditavam na tomada do poder pela força e hoje usam como principal arma para isso a mentira. Agora, até participam de eleições, mas só respeitam as regras da democracia quando elas lhes favorecem.

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