Marisa Letícia, a fábula

Protagonista de absurdos — dos canteiros em formato de estrela que mandou plantar nos jardins do Palácio da Alvorada e da Granja do Torto à requisição e obtenção de cidadania italiana para ela e a prole no segundo ano do primeiro mandato presidencial de seu marido –, Marisa Letícia Lula da Silva volta à cena. E em grande estilo.

Seria dela a opção de compra do tríplex frente ao mar no Guarujá, alvo de investigações do Ministério Público de São Paulo e da Lava-Jato. O mesmo imóvel que já foi, era e nunca foi de Lula.

Idealizado pela Bancoop, cooperativa criada em 1996 pelos petistas ilustres Ricardo Berzoini, hoje ministro-chefe da Secretaria de Governo da Presidência da República, e João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT, condenado a 15 anos e quatro meses pelo juiz Sérgio Moro, o tríplex apareceu na declaração do candidato Lula, em 2006, com um valor irrisório de R$ 47,6 mil. Referia-se a uma parcela do financiamento do Edifício Solaris, então na planta, em que outros petistas, incluindo Vaccari, tinham comprado apartamentos.

Até aí, o anormal era apenas o fato de a Bancoop lançar um empreendimento de alto luxo depois de já ter dado cano na praça, usurpando a poupança e os sonhos de mais de três mil cooperados. Algo que Lula, como sempre, alegará que não sabia.

A estapafúrdia história do tríplex não pára aí.

Em 2010, a assessoria de Lula garantiu que o apartamento pertencia ao ex. Quatro anos depois, o jornal O Globo publicou reportagem sobre o Solaris apontando que o prédio tinha sido concluído enquanto os mutuários da Bancoop continuavam a chupar dedos. E que a unidade de Lula e sua mulher tinha recebido tratamento de alto luxo da OAS, empreiteira que assumiu o empreendimento: elevador interno, substituição de pisos e da piscina. Tudo supervisionado e aprovado por Marisa Letícia.

De repente, com as investigações esquentando, o frente ao mar do casal (ou de Lula, conforme declaração anterior) virou um negócio exclusivo de Marisa Letícia. Do qual, no papel de The good wife, ela desistiu.

Sabe-se hoje que as idas da ex-primeira-dama ao Solaris causavam frisson. Flores eram colocadas nas áreas comuns, todos ficavam sabendo quando ela chegava. Sabe-se ainda que o presidente da OAS, Léo Pinheiro, condenado pela Lava-Jato a 15 anos de reclusão, esteve lá com ela em pelo menos uma das visitas.

E aqui vale a questão: o que faria o dono de uma das maiores empreiteiras do país acompanhar Marisa Letícia na vistoria de uma simples reforma de um apartamento se o imóvel não fosse do ex-primeiro-casal?

Mas há muitas outras perguntas sem respostas. Em um artigo didático, o jornalista Josias de Souza mostra a ausência absoluta de nexo nas explicações de Lula. Argumentos que não explicam, confundem.

Confundir. Talvez seja essa a idéia ou a única saída imaginada por Lula.

Sem conseguir dizer quanto pagou além dos R$ 47,6 mil declarados em 2006 ou apresentar recibos da desistência, com data e valores de reembolso exigidos, tudo que o Instituto Lula fala beira papo para engambelar otário. Nem mesmo a cota nominal para demonstrar que a opção de compra do apartamento foi mesmo de Marisa veio a público. São documentos simples, claros, objetivos. Mostrá-los livraria o Instituto Lula e o próprio ex de torturar os fatos.

Sem isso, resta a Lula, ao PT e aos militantes mais aguerridos atribuir tudo à perseguição histórica ao ex. Tudo – tríplex reformado pela OAS, sítio recauchutado pela Odebrecht, filho que recebe R$ 2,5 milhões por consultoria via Google, os “não sabia” do Mensalão, do escândalo da Petrobras e tantos outros – não passa de uma conspiração para “derreter Lula” e “destruir o PT”, como clama o presidente da sigla, Rui Falcão, no Facebook.

O conto do tríplex ainda vai longe. Mas de cara já se sabe: tem orelha de lobo, focinho de lobo, boca e dentes de lobo. Ninguém vai acreditar que é a vovozinha.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 31/1/2016. 

Um comentário para “Marisa Letícia, a fábula”

  1. Hildegard Angel: Marisa Letícia Lula da Silva, palavras que precisavam ser ditas

    publicado em 05 de janeiro de 2011 às 13:39

    por Hildegard Angel*, no R7, via Pastorador, sugestão do leitor Rios

    Foram oito anos de bombardeio intenso, tiroteio de deboches, ofensas de todo jeito, ridicularia, referências mordazes, críticas cruéis, calúnias até. E sem o conforto das contrapartidas. Jamais foi chamada de “a Cara” por ninguém, nem teve a imprensa internacional a lhe tecer elogios, muito menos admiradores políticos e partidários fizeram sua defesa. À “companheira” número 1 da República, muito osso, afagos poucos.

    Dirão os de sempre, e as mordomias? As facilidades? O vidão? E eu rebaterei: E o fim da privacidade? A imprensa sempre de olho, botando lente de aumento pra encontrar defeito? E as hostilidades públicas? E as desfeitas? E a maneira desrespeitosa com que foi constantemente tratada, sem a menor cerimônia, por grande parte da mídia? Arremedando-a, desfeiteando-a, diminuindo-a? E as frequentes provas de desconfiança, daqui e dali? E – pior de tudo – os boatos infundados e maldosos, com o fim exclusivo e único de desagregar o casal, a família?

    Ah, meus queridos, Marisa Letícia Lula da Silva precisou ter coragem e estômago para suportar esses oito anos de maledicências e ataques. E ela teve. Começaram criticando-a por estar sempre ao lado do marido nas solenidades. Como se acompanhar o parceiro não fosse o papel tradicional da mulher mãe de família em nossa sociedade.

    Depois, implicaram com o silêncio dela, a “mudez”, a maneira quieta de ser. Na verdade, uma prova mais do que evidente de sua sabedoria. Falar o quê, quando, todos sabem, primeira-dama não é cargo, não é emprego, não é profissão?
    Ah, mas tudo que “eles” queriam era ver dona Marisa Letícia se atrapalhar com as palavras para, mais uma vez, com aquela crueldade venenosa que lhes é peculiar, compará-la à antecessora, Ruth Cardoso, com seu colar pomposo de doutorados e mestrados.

    Agora, me digam, quantas mulheres neste grande e pujante país podem se vangloriar de ter um doutorado? Assim como, por outro lado, não são tantas as mulheres no Brasil que conseguem manter em harmonia uma família discreta e reservada, como tem Marisa Letícia.

    E não são também em grande número aquelas que contam, durante e depois de tantos anos de casamento, com o respeito implícito e explícito do marido, as boas ausências sempre feitas por Luís Inácio Lula da Silva a ela, o carinho frequentemente manifestado por ele. E isso não é um mérito? Não é um exemplo bom? Passemos agora às desfeitas ao que, no entanto, eu considero o mérito mais relevante de nossa ex-primeira-dama: a brasilidade.

    Foi um apedrejamento sem trégua, quando Marisa Letícia, ao lado do marido presidente, decidiu abrir a Granja do Torto para as festas juninas. A mais singela de nossas festas populares, aquela com Brasil nas veias, celebrando os santos de nossas preferências, nossa culinária, os jogos e brincadeiras. Prestigiando o povo brasileiro no que tem de melhor: a simplicidade sábia dos Jecas Tatus, a convivência fraterna, o riso solto, a ingenuidade bonita da vida rural. Fizeram chacota por Lula colar bandeirinhas com dona Marisa, como se a cumplicidade do casal lhes causasse desconforto.

    Imprensa colonizada e tola, metida a chique. Fazem lembrar “emergentes” metidos a sebo que jamais poderiam entender a beleza de um pau de sebo “arrodeado” de fitinhas coloridas. Jornalistas mais criteriosos saberiam que a devoção de Marisa pelo Santo Antônio, levado pelo presidente em estandarte nas procissões, não é aprendida, nem inventada. É legitimidade pura. Filha de um Antônio (Antônio João Casa), de família de agricultores italianos imigrantes, lombardos lá de Bérgamo, Marisa até os cinco de idade viveu num sítio com os dez irmãos, onde o avô paterno, Giovanni Casa, devotíssimo, construiu uma capela de Santo Antônio. Até hoje ela existe, está lá pra quem quiser conferir, no bairro que leva o nome da família de Marisa, Bairro dos Casa, onde antes foi o sítio de suas raízes, na periferia de São Bernardo do Campo. Os Casa, de Marisa Letícia, meus amores, foram tão imigrantes quanto os Matarazzo e outros tantos, que ajudaram a construir o Brasil.

    Outro traço brasileiro dela, que acho lindo, é o prestígio às cores nacionais, sempre reverenciadas em suas roupas no Dia da Pátria. Obras de costureiros nossos, nomes brasileiros, sem os abstracionismos fashion de quem gosta de copiar a moda estrangeira. Eram os coletes de crochê, os bordados artesanais, as rendas nossas de cada dia. Isso sim é ser chique, o resto é conversa fiada.

    No poder, ao lado do marido, ela claramente se empenhou em fazer bonito nas viagens, nas visitas oficiais, nas cerimônias protocolares. Qualquer olhar atento percebe que, a partir do momento em que se vestir bem passou a ser uma preocupação, Marisa Letícia evoluiu a cada dia, refinou-se, depurou o gosto, dando um olé geral em sua última aparição como primeira-dama do Brasil, na cerimônia de sábado passado, no Palácio do Planalto, quando, desculpem-me as demais, era seguramente a presença feminina mais elegante. Evoluiu no corte do cabelo, no penteado, na maquiagem e, até, nos tão criticados reparos estéticos, que a fizeram mais jovem e bonita.

    Atire a primeira pedra a mulher que, em posição de grande visibilidade, não fez uma plástica, não deu uma puxadinha leve, não aplicou uma injeçãozinha básica de botox, mesmo que light, ou não recorreu aos cremes noturnos. Ora essa, façam-me o favor! Cobraram de Marisa Letícia um “trabalho social nacional”, um projeto amplo nos moldes do Comunidade Solidária de Ruth Cardoso. Pura malícia de quem queria vê-la cair na armadilha e se enrascar numa das mais difíceis, delicadas e técnicas esferas de atuação: a área social.

    Inteligente, Marisa Letícia dedicou-se ao que ela sempre melhor soube fazer: ser esteio do marido, ser seu regaço, seu sossego. Escutá-lo e, se necessário, opinar. Transmitir-lhe confiança e firmeza. E isso, segundo declarações dadas por ele, ela sempre fez. Foi quem saiu às ruas em passeata, mobilizando centenas de mulheres, quando os maridos delas, sindicalistas, estavam na prisão. Foi quem costurou a primeira bandeira do PT. E, corajosa, arriscou a pele, franqueando sua casa às reuniões dos metalúrgicos, quando a ditadura proibiu os sindicatos. Foi companheira, foi amiga e leal ao marido o tempo todo.

    Foi amável e cordial com todos que dela se aproximaram. Não há um único relato de episódio de arrogância ou desfeita feita por ela a alguém, como primeira-dama do país. A dona de casa que cuida do jardim, planta horta, se preocupa com a dieta do maridão e protege a família formou e forma, com Lula, um verdadeiro casal. Daqueles que, infelizmente, cada vez mais escasseiam. Este é o meu reconhecimento ao papel muito bem desempenhado por Marisa Letícia Lula da Silva nesses oito anos.

    Tivesse dito tudo isso antes, eu seria chamada de bajuladora. Esperei-a deixar o poder para lhe fazer a Justiça que merece.

    Hildegard Angel:publicado em 05 de janeiro de 2011 às 13:39

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