Começar de novo

Somos todos do tempo em que o futebol era uma caixinha de surpresas.

É bem verdade que a última grande surpresa foi aquela derrota do Brasil para a Alemanha por 7 a 1 na Copa do Mundo, que deixou no chinelo o chamado Maracanazo, quando o Brasil, campeão de véspera, precisando só de um empate, foi derrotado pelo Uruguai por 2 a 1 na Copa de 50.

Como dizem os comentaristas esportivos, com aquele arzinho de esperteza com que gostam de repetir as maiores platitudes com ares de quem está descobrindo o sentido da vida, “não existem mais bobos no futebol”. Os times estão cada vez mais parecidos, e a caixinha de surpresas está se nivelando: cada vez mais caixinhas, cada vez menos surpresas.

Já na política, nessa barafunda chamada Brasil, brotam todos os dias surpresas de todos os tamanhos e para todos os gostos.

Saímos das trevas do vinteno militar com o coração cheio de esperanças e de ilusões. Quando Ulysses Guimarães saudou de braços abertos a “Constituição Cidadã” de 1988, parecia que o país tinha encontrado finalmente a terra onde correm os rios de leite e mel.

Uma cornucópia de direitos saltou da Constituição como se o Brasil tivesse descoberto o reino da social-democracia perfeita: muitos direitos, alguns deveres e a felicidade, o bem estar e a imortalidade garantidas por lei.

Mas sempre haverá no mundo os desmancha-prazeres, que os detratores chamam de “cabeças de planilha”, lembrando a velha e antipática máxima de que “não existe almoço grátis”. O pior é que não existe mesmo.

Depois de 20 anos de democracia, estamos encalacrados de novo: o primeiro presidente eleito pelo povo depois da ditadura foi afastado por impeachment. Não passava de um aventureiro carreirista que pensava mais em seus jardins do que em seu País. Um malandro falsamente sofisticado, com ares de finório, vulgar como um novo rico, colecionador de Lamborghinis e uma vocação de estroina.

Vieram os anos de remendos e de reconstrução do Plano Real, onde se tentou construir uma plataforma de relançamento de um país mais responsável e com os pés no chão, assentado sobre uma moeda que tinha deixado de ser a caricatura que foi durante todos os anos em que mudou de cara, de nome e de valor, até virar uma piada de mau gosto, que em 29 anos perdeu 1.142.332.741.811.850% de seu valor. Isso mesmo: um quatrilhão e alguns quebrados.

O patrimonialismo e o populismo tão arraigados na alma brasileira tiveram um breve descanso, até que voltamos de repente aos rios de leite e mel, só que sem leite e sem mel.

A jovem democracia relançada menos de 30 anos atrás pegou o atalho errado na encruzilhada da estrada, e, já com aparência de velha e caquética, apresenta rugas de senilidade precoce, mergulha num mar de incompetência e chafurda num universo moral mais parecido com o de uma cloaca do que o de um país jovem, cheio de potencial e de um futuro brilhante pela frente.

Os sinais de fracasso estão em toda parte, no Executivo, no Parlamento, no Judiciário, nos partidos políticos, nas universidades, nas escolas, nos vários segmentos sociais atingidos pelo desalento da falta de um mísero sinal de luz no fim do túnel.

Pra onde vamos? Vamos institucionalizar mesmo um país onde é “a coisa mais natural do mundo” que empreiteiras prestem favor a governantes e ex-governantes, e onde fraudar contratos de merenda escolar e enfiar uma parte do dinheiro no bolso é uma prática aceita com um olhar complacente?

Melhor começar de novo. Isto não vai dar certo.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 5/2/2016. 

Um comentário para “Começar de novo”

  1. “Os sinais de fracasso estão em toda parte, no Executivo, no Parlamento, no Judiciário, nos partidos políticos, nas universidades, nas escolas, nos vários segmentos sociais atingidos pelo desalento da falta de um mísero sinal de luz no fim do túnel”.

    Vaia escreve muito bem sobre o óbvio, é craque no texto. Elegante, conciso, direto. Vale a pena ler e refletir, sempre.

    De 50 para cá são 66 anos, 16 copas jogadas, ganhamos 5 e perdemos 11, inclusive duas em casa. Não soubemos fazer o dever de casa como fizeram Argentina (78) e Inglaterra (66).

    “Os sinais de fracasso estão em toda parte, no Executivo, no Parlamento, no Judiciário, nos partidos políticos, nas universidades, nas escolas, nos vários segmentos sociais atingidos pelo desalento da falta de um mísero sinal de luz no fim do túnel”.

    Mas somo ainda a 7/8ª economia do planeta com 5,8 trilhões de PIB. Às favas os derrotistas, complexados vira latas, junto com eles gananciosos rentistas.

    Vamos começar de novo, vai da certo. Vamos jogar na retranca, no 4-5-1, jogar no nosso campo,não perder, e se possível ganhar, na bola sem regras protecionistas e imperialistas.

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