Obra em andamento

É claro que um país nunca está absolutamente pronto, posto que as sociedades não são estáticas e alteram seus modos e meios de viver e conviver. Cada era que atravessamos trouxe muitas novidades, mas esta Era da Tecnologia é imbatível em mudanças quase que diárias.

É de se esperar, pois, que os países estejam preparados para aceitar e conviver com as novidades. Sempre a serviço do Homem e para seu benefício, naturalmente.

Mas é imprescindível que o país primeiro se civilize por igual, em toda a sua extensão. Civilizado, organizado, as novidades que forem sendo aprovadas por seu povo serão estendidas a todos.

Agora, estar sempre na foto como a work in progress, essa característica é nossa. O Brasil é o mais perfeito exemplo de país sob infindável obra em andamento de que se tem notícia.

Nunca estaremos prontos? Será possível?

Nossa democracia é apresentada, por muitos, como planta tenra. Desculpa rota. Democracia não quer dizer, como pensam alguns, anarquia. Como disse o poeta francês Saint-John Perse (1887-1975), antinazista ferrenho, “A democracia, mais do que qualquer outro regime, exige o exercício da autoridade”.

Um de nossos maiores problemas é a segurança pública. Veja bem, leitor, eu disse um de nossos maiores problemas! Temos uma enorme quantidade de graves problemas, mas a segurança pública e tudo que dela decorre, é dos maiores.

O Globo de hoje mostra a explosão carcerária que estamos sofrendo. O aumento, de 2005 a 2013, foi de 87%! E o déficit de vagas é de 139%…

A reportagem não assusta apenas pelos números que expõe, mas muito mais pelo que nos conta a jornalista Renata Mariz a propósito do pacote de medidas que o Governo Federal pretende apresentar para a área de Segurança Pública: redução ou não da maioridade penal, maior tempo de internação para menores infratores, propostas para um Pacto pela Redução de Homicídios.

São temas cujo debate é urgente, que aguardam uma solução de bom senso para ontem! Mas o Governo Federal esbarra num muro que me deixou indignada: os militantes do movimento social que defende o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) declaram que não aceitam qualquer alteração no Estatuto.

Não é a severidade da pena que assusta o menor e o afasta do crime, mas a certeza da punição. Ou seja, a chave de tudo é a derrota total da Impunidade, o mal que nos distancia dos países inteiramente civilizados.

Os defensores do ECA, que vêem todas as crianças como anjos de candura que lutam contra o adulto malvado, precisam deixar de assistir ao Mágico de Oz e se ligar no noticiário.

A luta desses militantes deve mudar de objetivo: eles que se batam por prisões humanas, como as que existem na Noruega, por exemplo. Lá o preso vive em condições dignas, tem aulas, se desejar; trabalho remunerado; instalações adequadas para um ser humano viver e aprender a conviver. O governo norueguês concluiu que a reabilitação do preso é o que mais interessa para não caírem no ciclo vicioso de prisão, crimes, mais prisão, mais crimes, e mortes, muitas mortes mais.

É imprescindível que o Brasil compreenda que a privação de liberdade como vingança pelo crime cometido não vai servir nem ao infrator, nem à sociedade. É o momento exato onde a autoridade de um Governo Federal sensato é fundamental.

Em verdade, o que não é mais possível é querer que o Brasil, como está, seja considerado um país civilizado. Não é. Somos é uns novos-ricos sem categoria. Isso somos.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 5/6/2015.

3 Comentários para “Obra em andamento”

  1. Somos colonos, macacos sem categoria a espera de novos colonizadores. Macaquitos como nos chamam os uruguaios.
    A desigualdade leva à inevitável violencia, infelizmente combatida a faca.
    Crianças na prisào nem na Noruega.

  2. “Os ascensoristas foram substituídos por botões automáticos. Operários, nas fábricas, foram substituídos por robôs. Os caixas bancários foram substituídos por caixas eletrônicos.

    A empresa digital Amazon acabou com as livrarias e as lojas de música. O próximo será o jornalismo porque existem no mundo três bilhões de pessoas com smartphones que são ‘plataformas extraordinariamente poderosas para o jornalismo’. Neles, as pessoas podem escrever textos, bater fotos, gravar vídeos e, em seguida, transportá-los gratuitamente para a internet.”

  3. Alguns comentários:

    Sobre a frase “Democracia não quer dizer, como pensam alguns, anarquia”, é preciso ressaltar que nenhum país pode ter democracia plena se os habitantes são educados, em casa e nas aulas, para o “fascismo do dia-a-dia”: pendências do cotidiano resolvidas na porrada, na baixaria.

    O que nos distancia da Noruega e de outros países corretos é que, lá, têm sindicatos que procuraram, depois do Hitler e de duas guerras, colocar uma camisa-de-força no capitalismo, tornando-o minimamente digestível.

    A partir deste gatilho fundamental – reformas sociais – veio todo o restante, inclusive as cadeias e punições escandinavas.
    No entanto, a Maria Helena RR insiste no discurso moralista: “Impunidade, o mal que nos distancia dos países inteiramente civilizados”.

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