As muralhas

Por mais que eu quebre a cabeça, não consigo atinar com a decisão de José Dirceu em não se valer do instituto da Colaboração com a Justiça, alcunhado de Delação Premiada.

Ao contrário do que diz a “mulher sapiens”, que por acaso foi quem assinou essa lei, quem faz uso desse direito não está sendo um delator no sentido clássico da palavra.

Calado, também não está sendo um herói, pois o heroísmo não é medido pelo mal que se faz a um país e sim pelo bem que se faz a todo um povo.

O que é que Dirceu tem guardado em sua cabeça que agora, em sua segunda e muito bem documentada prisão, não pode ser dito a um Juiz de Direito?

Essa sua decisão, sem lógica alguma, dá margem a que imaginemos trilhões de motivos, cada um mais cabeludo que o outro.

Pululam hipóteses, das mais sórdidas às mais cômicas. Li até que Cuba enviaria um matador para acabar com o Dirceu caso ele abrisse o bico! Essa é fantástica, não é não?

Mas tem melhores: há quem imagine que Dirceu sonhe em copiar o roteiro de um filme que foi um grande sucesso, com Tim Robbins e Morgan Freeman. Aqui no Brasil o filme foi intitulado Um Sonho de Liberdade. O personagem de Tim Robbins, condenado à pena perpétua, ex-bancário com mais tutano que os outros detentos, planeja tudo muito bem e escapa para a liberdade que era tida como impossível.

Sabem como é, filme, quando é bom, faz a gente sonhar…

Também se diz que Dirceu estaria protegendo os seus. Mas que seus? Os filhos, não, que se tivessem o pai em casa, com tornozeleira eletrônica e tudo, e a saúde bem tratada, estariam com certeza melhor.

Sua mãe, então, nem se fala! Uma senhora muito idosa, com dois filhos presos, o que é que vocês imaginam que ela iria preferir?

Lealdade para com os companheiros da jornada que iniciou com a fundação do PT?

Isso seria de uma burrice infinita e desse mal José Dirceu não sofre. Depois da nota do PT, assinada pelo inacreditável Rui Falcão, Dirceu não deve mais nada ao Partido dos Trabalhadores.

Deve, sim, ao Brasil. E muito. Pode pagar essa dívida colaborando com as investigações da Lava-Jato para sanear o Brasil, lavar as cavalariças e deixar para sua filha menor um nome e um país dos quais ela ainda possa vir a não se envergonhar.

A tentativa de se perpetuar no poder com dinheiro roubado da Nação foi um crime hediondo. A corrupção nos levou ao estado falimentar em que estamos. Atrasou o Brasil em décadas e deu margem a que estejamos nas mãos de figuras que só na literatura de horror conhecíamos.

Há ainda outra hipótese. Muito estranha, mas, como aprendemos com Shakespeare, há mais coisas entre o céu e a terra do que supõe nossa vã filosofia.

Quem sabe Dirceu, com o vasto conhecimento que tem dos personagens que transitam entre os Três Poderes, não esteja calculando com precisão o que vem por aí? Quem sabe a vida regrada, protegida, e calada, dentro das muralhas de uma prisão não lhe seja mais favorável?

Melhor não julgar o homem. Ele lá é quem sabe o que mais lhe convém.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em  7/8/2015.

Um comentário para “As muralhas”

  1. O país se aprofunda, querem transformar militantes políticos em delatores, em troca da delação oferecem um papel de herói da nação. Dirceu merece a masmorra, como o poeta da inconfidência, que sua Marília não seja a desonrada delação, melhor morrer como ladrão.

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