Ainda que por linhas tortas

A autorização para o início do trâmite de um dos 34 pedidos de impeachment da presidente Dilma Rousseff protocolados na Câmara dos Deputados já deveria ter sido dada há tempos. Até porque não há motivo algum para que o Legislativo fique oficialmente excluído de um debate que o país inteiro trava há mais de 10 meses. Seja para afastá-la ou mantê-la.

Mas os pedidos foram cuidadosamente empilhados por Eduardo Cunha, que, com o poder de deliberar sobre eles, fez todo tipo de negociata para tentar salvar a sua pele.

Patrocinou uma barganha coletiva: até pouco tempo, a oposição preservava Cunha para acelerar o impedimento de Dilma. Depois foi a vez do PMDB, interessado em sucedê-la. Nos últimos dias, Lula e o Planalto imploravam aos seus para que não o cutucassem com vara alguma, sob pena de que ele, ameaçado de cassação, cumprisse a ameaça de dar andamento à cassação da presidente.

E Cunha cumpriu. Mesmo tendo conseguido adiar a votação da admissibilidade do processo contra ele na Comissão de Ética da Casa, autorizou o contra Dilma. Agora, segue para o plenário, onde tem de ser aprovado por dois terços. Para evitá-lo, o governo precisa reunir 171 entre 513 votos. Se nem isso ela conseguir, melhor mesmo é se retirar de cena.

As linhas tortas podem até prejudicar a análise serena dos fatos, fazendo com que fígados falem mais alto do que a razão.

Em primeiro lugar, é mais do que razoável que o coração político do país se debruce sobre questões que, constitucionalmente, podem afastar a presidente. E há várias.

A irresponsabilidade fiscal que pauta o seu mandato é motivo mais do que suficiente para abrir o debate. Diga-se, irresponsabilidade confessa que levou a presidente a reincidir no pedido de descumprimento da meta fiscal, algo que fez em 2014 e que repetiu agora. Há ainda as pedaladas comprovadas pelo Tribunal de Contas, desvios de recursos e a suspeição, cada vez mais concreta, de que sua campanha foi custeada com dinheiro sujo. Não é pouco.

A Câmara teria também de dar andamento à cassação de Cunha. Acelerar os procedimentos na Comissão de Ética e levar o caso ao plenário. E o Senado deveria tomar providências contra o denunciado Renan Calheiros. Até o ministro Ricardo Lewandowsk, que, como presidente do Supremo, estaria impedido de ser soldado partidário ou defensor do governo, poderia ser alvo de reprimendas.

Mas o fato de haver problemas – e graves – no topo dos três Poderes não pode servir como desculpa para aliviar pecados de ninguém. Nem os de Dilma.

Ela tem o direito de espernear, de se dizer indignada e até de ler comparações infantis com Cunha, como o fez – “eu não tenho conta no exterior, eu não….”. Mas, como presidente da República, a quem a maioria do país confiou o voto, ela deve explicações mais sérias: da alegada ignorância sobre toda a roubalheira na Petrobras quando era ministra de Minas e Energia e presidente do Conselho da estatal às mentiras explícitas do Brasil dourado da campanha de 2014. E de anos de gastos irresponsáveis que levaram o país à bancarrota.

Ainda que a escrita tenha sido por linhas tortas, explicitar no Parlamento o debate sobre o impedimento de Dilma – defendido por 65% dos brasileiros – será muito útil ao país.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 3/12/2015. 

 

7 Comentários para “Ainda que por linhas tortas”

  1. A torpeza da vitória envergonha até os militante. Só será legítimo o impedimento da presidenta com 65% do povo nas ruas.
    Sem povo é golpe, não importa a forma as linhas.

  2. A torpeza da vitória envergonha até aos militantes, melhor grafando. Melhor dizendo gostaria de ver 65% dos brasileiros gritando fora Dilma. O povo não é bobo já sabe a Rede Globo!

  3. 50anosdetextos não publicou um texto, mesmo que compilado Blog do Noblat, sobre a ocupação dos estudantes nas próprias escolas.
    Há que se aplaudir a atitude política, corajosa e despojada do governador que sabiamente voltou atrás e demitiu seu secretário de educação. Saudades do enorme Darcy Ribeiro que nunca fecharia escolas, ao contrário abriu muitas.

  4. O Miltinho diz que “o povo não é bobo”.

    Frase questionável: em 2013, foram às ruas e ficaram gritando “saúde, educação!” como se fosse um mantra. Perderam a chance de agir como povo adulto: apresentando um PL de iniciativa popular que impeça abusos no transporte coletivo, por exemplo.

    Os políticos iriam desconversar – afinal, melhorias no transporte coletivo são “anti-mercado”, e, portanto, parte da estratégia comunista…

    Em 2016, temos passeatas contra o PT, que eles insistiam em chamar de passeatas “contra a corrupção e os desmandos”. Mas os tais manifestantes não gritaram “Fora Maluf”, e nem ao menos pensaram em criar uma PL de iniciativa popular em prol de uma reforma política progressista.

    No mesmo período, temos o Sérgio Moro conseguindo a prisão de líderes petistas, sem o mesmo ímpeto em relação a políticos do PMDB, PR etc.

    Pequenos detalhes: há uma versão que afirma que o Moro fez estágio/curso no Department of State, em Washington. E, quando a NSA (ACW – Agência da Canalhice de Washington) espionou a Petrobrás, o Sérgio Moro conseguiu informações sobre corrupção que normalmente não conseguiria – a não ser que dispusesse de informações privilegiadas.

    Sem comentários.

  5. É maravilhoso ver marginais de “alta” classe com a mão pra trás, em Curitiba, Goiânia, Piraporinha do Sul etc.

    Mas, porque a impunidade só acaba quando interessa ao Departamento de Estado estadunidense destruir um partido e roubar petróleo? Em 2005, os mesmos marginais que estão presos estavam acima da lei!

  6. A propósito, Zaidan: talvez o Sibá Machado tenha ideias inadequadas e fale besteiras, mas a guerra pelo petróleo existe, assim como o BRICS – que parece pouco poderoso mas gera cãibras em Washington -, foi minado em dois setores, Brasil e Rússia, pelo mesmo Barack Obama.

    O Sibá Machado pode falar besteiras ou não. Dai crédito a ele. Tenho direito a ser patriota.

  7. Fico imaginando um diálogo entre o Nestor Cerveró e o Vaccari:

    “Porra, brother, a gente tava numa boa, aí vem o tal de Estados Unidos encher o saco. Eles querem o Pré-Sal e nóis e que SYF. PQP”

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