A malcasada

zzzzzzbancroft

Na Amé­rica pode haver quem diga: “Estou a pen­sar em Mel Bro­oks.” Do Atlân­tico para cá, a nin­guém passa pela cabeça pen­sar em Mel Bro­oks. Escla­reço os mais novos: é um pro­du­tor e rea­li­za­dor medi­ano. Os seus fil­mes mais céle­bres são as comé­dias The Pro­du­cers, Young Fran­kens­tein e Silent Movie.

Se pen­sei em Mel Bro­oks foi por causa da mulher dele. Este judeu, que disse as mais esca­bro­sas pia­das sobre judeus e criou o ine­nar­rá­vel número musi­cal cha­mado “A Spring­time for Hitler”, era casado com Anne Ban­croft. A Anne não foi só a len­dá­ria Mrs. Robin­son dos sonhos húmi­dos de várias gera­ções e do aca­nhado Dus­tin Hoff­man. Tinha a beleza hawk­si­ana de Angie Dic­kin­son e foi a última per­so­na­gem a falar no der­ra­deiro filme de Ford, Seven Women, ele­gíaca e esque­cida obra de arte.

Ora, se Mel era e é um judeu retinto, Anne tinha den­tro do seu belo corpo ame­ri­cano uma cana­li­za­ção – res­pi­ra­tó­ria, cir­cu­la­tó­ria, sexual e ner­vosa – com­ple­ta­mente ita­li­ana e cató­lica. Chamava-se, aliás, Anna Maria Louisa Ita­li­ano, nome que Hollywood pôs, é claro, no índex. Quando o pão ázimo de Mel viu pela pri­meira vez o spaghetti aglio e olio de Anne, deu-se logo ali uma fusão católico-judaica que nenhum Papa Fran­cisco ou rabino fun­dirá tão bem, sejam quais forem os dias das suas vidas. “Gos­tei dele, logo que o vi – disse Anne –, pare­cia o meu pai e portava-se como a minha mãe.”

Mas a outra mãe, a de Mel Bro­oks, ainda era mais judia do que ele e era uma ter­rí­vel mulher peque­nina. Mel dizia que ela podia cami­nhar direita, e de cha­péu posto, por baixo de uma mesa de res­tau­rante. O filho disse-lhe que viria no sab­bath apresentar-lhe a mulher da sua vida, ita­li­ana e cató­lica, e ela não foi de modas: “Deixo a porta de casa no trinco, entrem e venham para a cozi­nha. Lá esta­rei, com a cabeça den­tro do forno do fogão a gás.”

Foram 45 anos feli­zes, até à morte de Anne. E logo ela que, por causa de The Gra­du­ate, ficará para sem­pre como a mal­ca­sada por exce­lên­cia. Ou é suprema iro­nia, ou tal­vez Mel se tenha casado menos com essa Mrs. Robin­son e mais com a Dra. Cart­wright, mulher de muita acção e pala­vrões, des­ca­rado cigarro nos lábios, última boca a abrir-se num filme de Ford, com a requin­tada frase “So long, ya bas­tard”, que, se viram o filme como eu, tra­du­zi­rão deli­ca­da­mente por “Vai mor­rer longe, meu filho da mãe”.

Este artigo foi originalmente publicado no semanário português O Expresso.

manuel.s.phonseca@gmail.com

Manuel S. Fonseca escreve de acordo com a antiga ortografia.

No Brasil, Silent Movie é A Última Loucura de Mel Brooks. The Graduate, claro, é A Primeira Noite de um Homem. Os Produtores e Jovem Frankenstein já estão no 50 Anos de Filmes. E a anotação sobre 84 Charing Cross Road, que em Portugal se chama A Rua do Adeus e no Brasil Nunca te Vi, Sempre te Amei, conta que Mel Brooks comprou os direitos de filmagem do livro para dar o papel central para Anne Bancroft. 

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