Sem fuso e confuso

O mês de janeiro eu guardo para ficar quieto na cidade, gozar do trânsito livre das ruas e, de preferência, não fazer nem programar nada. É o tempo da preguiça. Mesmo aquelas coisas prazerosas que costumo desfrutar – arte, amizade e um pouco de bebida – reservo para horas tardias do dia.

Isento-me de compromissos e fico de olho na rede de balançar. Agora que o sol voltou aos céus mineiros, retomo o hábito de caminhar na piscina ouvindo a música que escolhi. Andar dentro d’água é um dos meus esportes favoritos, que o trabalho e as viagens afastaram de meu cotidiano. Fiquei desacostumado, mas essa é uma intenção para o ano que se inicia que pretendo seguir fielmente. Sei o quanto é bom, para a mente e o físico.

Estou lá, andando n’água, e me vejo observado, diria que guardado, por um belíssimo bem-te-vi. Evito movimentos bruscos para não assustá-lo e ele se posta diante de mim durante alguns minutos. Como chegou, vai-se, mas, antes, bica de leve o líquido da piscina.. Seu imponente peitoral amarelo me faz crer que a vitória será nossa na Copa.

Não tendo hora para dormir, não há hora para acordar. Nem para tomar o café da manhã, almoçar. O calendário eu olho às vezes por causa dos impostos a pagar em todo início do ano. Mas o relógio da casa, pois de pulso eu nunca tive na vida, fica lá no canto, inobservado. A casa está em ordem, em pleno 2014, mas os habitantes não querem ser regulados. Deu fome, come. Deu sono, dorme.

Acontece que, por ter descansado muito, procuro na madrugada algo para fazer antes que Morfeu me chame. A televisão não ajuda muito,pois o controle passeia pelos canais e geralmente não encontro programa interessante. Existem as exceções. O canal de arte, mas que se repete muito.

Os canais jornalísticas, também sempre girando sobre o mesmo. Na última noite, uma surpresa, um bom programa sobre filmes publicitários. Conversa de gente inteligente, mas cheia de si. Um mar de egos. Mas pude rever trabalhos que marcaram época no desenvolvimento da criação publicitária do país. No meio da seleção, a curiosidade de ver um filme antigo de Fernando Meireles, para uma marca de sapatos, copiado quase integralmente por uma campanha de banco que vem sendo exibida atualmente.

Foi divertido assistir ao elenco de gente de talento, todos no fundo se considerando gênios. Valeu por eles e suas criações de alta qualidade. O que me fez lembrar, na confusão das horas, do tempo remoto em que, por necessidade, trabalhei em agência de publicidade. Nunca gostei de vender sabonete e nem máquina de lavar. Ficava incomodado em ter de criar frases belas para vender objetos e ações em que não acreditava. Pulei fora rapidamente. Desde então tenho certa desconfiança da profissão. Principalmente dos marqueteiros da política, pois mesmo que, individualmente, não compremos o seu produto, se muitos o fizerem vamos todos para o brejo.

Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas, em janeiro de 2014.

Um comentário para “Sem fuso e confuso”

  1. Que sorte a nossa, perdeu-se um publicitário e ganhamos um compositor e bom cronista do cotidiano. Perdemos um vendedor de ilusões e ganhamos um criador de sonhos.

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