O poder e a sedução do monólogo

A presidente Dilma disse que é hora de desmontar os palanques e de “saber ganhar ou perder”.

O candidato derrotado, Aécio Neves, num retorno apoteótico ao Senado, fez um discurso prometendo “a mais vigorosa oposição que o país já assistiu”.

As duas declarações abriram um cenário inédito e até então desconhecido no jogo político do País. O governo petista jamais saiu do palanque e a oposição não conseguiu afirmar-se como “vigorosa” em nenhum momento que não fossem os três ou quatro meses que precederam a eleição.

O sistemático trabalho desenvolvido pelo populismo petista para dividir o país entre nós, os bons, e eles, os maus, está dando seus frutos – para o bem (três vitórias eleitorais seguidas) e para o mal (talvez a última e mais apertada delas traga os sinais que podem significar o fim de uma era).

Nem os petistas, acostumados ao domínio das ruas e ao manejo dos chamados “movimentos sociais” em proveito próprio, nem os tucanos, acostumados à condução “intelectual” do oposicionismo, conseguiram entender a verdadeira alma das manifestações de rua que se seguiram ao veredito das urnas.

Esses movimentos espontâneos mostraram que há mais mistérios entre PT e PSDB do que sonha nossa vã filosofia.

Há uma massa de 51 milhões de descontentes francamente cansados da maneira como o País vem sendo governado e de como essa mistificação cada vez mais institucionalizada é capaz de atrasar o crescimento e a modernização da sociedade.

Para tentar desmoralizar esse movimento inorgânico e suprapartidário que contamina o ar que se respira, esse anti-petismo difuso (do qual o PSDB está longe de ter o controle, como imagina, quando põe alguns de seus cardeais a condená-lo com suas frases de efeito e suas luvas de pelica), o partido que conclamou seus militantes “às armas”, pôs a sua máquina de difamação a serviço da falácia retórica ao rotulá-lo de “golpista”.

Contando com a ajuda de uma imprensa imatura, colegial e despreparada, foi fácil pescar dentro de uma manifestação de milhares de pessoas convictamente democráticas meia dúzia (se tanto) de lunáticos carregando cartolinas pedindo “intervenção militar”.

Como a ideologia, lembrando de novo Jean-François Revel, suspende a percepção da realidade e o senso moral, o tio Sukita (na definição do jornalista Guilherme Macalossi) que carregava a cartolina foi transformado no artífice do golpismo.Aquilo que deveria ser caricatura de si mesmo se transformou em “fantasma do passado”.

A resolução do Diretório Nacional do PT, depois de aplicar o velho golpe semântico do sentido reverso, e atribuir ao candidato da oposição todas as baixarias que o próprio partido cometeu na campanha, diz que “é urgente construir hegemonia na sociedade” e “lutar pela democratização da mídia”. Iniciados no jargão partidário conhecem o perigoso significado disso.

Se a presidente reeleita chama o país ao “diálogo”, seu partido deixa claro que pretende ampliar e institucionalizar o seu monólogo autoritário.

Mais do que nunca a democracia precisa de “freios e contrapesos” para sobreviver.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 7/11/2014. 

 

2 Comentários para “O poder e a sedução do monólogo”

  1. Muito boa a análise da atual conjuntura política. Está claro o fim do PT no poder. Resta como diz o Vaia canalizar a voz dos descontes que são na verdade 51 milhões de votantes mais 30 milhões de abstenções.
    Nossa república requer ser tão participativa quanto representativa.

  2. Os que carregam cartolinas e pedem intervenção dos milicos não são lunáticos; apenas seguem a tradição semi-fascista do País, a antropologia e formação histórica vigentes.

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