Más notícias do país de Dilma (146)

Bem-aventurada a imprensa. Bem-aventura a grande imprensa, os jornais, revistas e emissoras de rádio e TV pertencentes a empresas fortes, ricas, que portanto não dependem da publicidade dos governos, e por isso têm condições de ir atrás dos podres, dos desmandos, das tenebrosas transações.

Bem-aventurados os bons repórteres.

Em março, Andreza Matais e Fábio Fabrini publicaram no Estadão uma reportagem que merece ser chamada de histórica. Nela se demonstrava, por escrito, preto no branco, a falácia da gerentona competente que o ex-presidente Lula enfiou goela abaixo de boa parte dos brasileiros: “Documentos até agora inéditos revelam que a presidente Dilma Rousseff votou em 2006 favoravelmente à compra de 50% da polêmica refinaria de Pasadena, no Texas (EUA). A petista era ministra da Casa Civil e comandava o Conselho de Administração da Petrobrás. Ontem (18/3), ao justificar a decisão ao Estado, ela disse que só apoiou a medida porque recebeu ‘informações incompletas’ de um parecer ‘técnica e juridicamente falho’. Foi sua primeira manifestação pública sobre o tema.”

Não era novidade que a Petrobrás havia enfiado R$ 2,1 bilhão de dólares numa refinaria sucateada em Pasadena, no Texas – mas a revelação feita pelos repórteres Andreza Matais e Fábio Fabrini jogou luz sobre o assunto, que passou a atrair as atenções de toda a imprensa.

Nos últimos sete dias, os repórteres José Casado, Danielle Nogueira e Vinicius Sassine publicaram uma série de três matérias em O Globo sobre a refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, que também já pode ser considerada histórica.

Como no escândalo de Pasadena, não é propriamente novidade que a construção da refinaria de Abreu e Lima, em Pernambuco, é um dos maiores absurdos já cometidos por um governo na História deste país.  Porém, a série de reportagens foi fundo ao destrinchar toda a longa cadeia de crimes cometidos ali.

Como escreveu em editorial o jornal O Globo:

“Os gritantes desmandos na execução do projeto da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, continuam a se impor por si mesmos. São tamanhos os desvios que, recorrendo à imagem desgastada do lixo jogado para baixo do tapete, conclui-se que a capacidade de toda a indústria de tecelagem não parece capaz de encobrir tudo que tem sido descoberto nessa história exemplar de como não se pode subordinar a ação do Estado a interesses de partidos, ideologias e pessoas. Houve a conjugação desses três fatores no escândalo de Abreu e Lima.

“Não é sempre, mesmo na indústria do petróleo, onde as cifras são contabilizadas em bilhões de dólares, que um projeto orçado há 11 anos em US$ 2,3 bilhões chega a US$ 18,5 bilhões, dado de abril, e pode ter um custo final de US$ 20,1 bilhões.

“Reportagens publicadas pelo Globo domingo e ontem (22 e 23/6) traçam o roteiro de como o projeto, uma decisão conjunta dos amigos e aliados político-ideológicos Lula e Hugo Chávez, atropelou a sensatez e relatórios técnicos, para fazer surgir uma refinaria cujo preço do barril refinado será de US$ 87 mil, mais que o dobro da média mundial. E pior para o Brasil, pois Chávez morreu, e os venezuelanos, que já não colocavam dinheiro no projeto, deixaram de vez a pesada fatura com a Petrobrás. Por tabela, para o Tesouro, sustentado pelo contribuinte.”

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Pobre Petrobrás, tomada de assalto pelo lulo-petismo, privatizada para o grupo político que governo o país há quase 12 anos.

Na quarta-feira, 25 de junho, as ações da empresa caíram 3,3% na Bolsa, e o valor de mercado da estatal caiu R$ 13 bilhões, em reação à decisão do Palácio do Planalto de conceder à Petrobrás – sem licitação – novas áreas para a exploração de petróleo.

“Para a Petrobrás, é um mau negócio porque ela terá que desembolsar recursos antes de embolsar”, escreveu Míriam Leitão em O Globo. “Vai ter despesas antes de ter receitas com os quatro blocos de pré-sal. Terá que pagar o bônus de assinatura de R$ 2 bilhões este ano e continuar antecipando dinheiro à União nos próximos, antes que os blocos estejam produzindo petróleo em 2021. Ao todo, gastará cerca de R$ 15 bi antes dessa data. (…) O governo, no entanto, com dificuldade de cumprir a meta já reduzida de superávit primário, fez mais uma manobra para receber de imediato da empresa R$ 2 bilhões.”

O eventual caríssimo leitor que faça a conta: para obter de imediato da Petrobrás R$ 2 bilhões, o governo provocou um prejuízo de R$ 13 bilhões à empresa!

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Alguns outros destaques das notícias dos últimos sete dias:

* A criação de emprego formal teve o pior resultado para um mês de maio em 22 anos;

* Analistas de mais de 100 instituições consultadas pelo Banco Central reduziram mais uma vez a previsão de crescimento do PIB, para 1,16%, ante uma previsão anterior de 1,24%;

* O Brasil registrou déficit em transações correntes de 6,635 bilhões de dólares em maio, recorde para esse mês:

* O volume de investimento estrangeiro no Brasil caiu 1,9% em 2013, segundo relatório divulgado agora;

* A inadimplência voltou a subir e chegou a 6,7%.

Aí vai a 146ª compilação semanal de notícias e análises que comprovam os malefícios e a incompetência do lulo-petismo como um todo e do governo Dilma Rousseff em especial. Foram publicadas entre os dias 20 e 26 de junho.

Os escândalos da Petrobrás

* Aditivos a contratos da refinaria de Abreu e Lima somam investimentos de US$ 3 bilhões; o valor equivale a reconstrução de um Maracanã a cada 11 meses

“Aconteceu 11 anos atrás, na tarde de segunda-feira, 28 de abril, no Recife, quando os então presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Hugo Chávez anunciaram que a Petrobrás e a Petroleos de Venezuela S.A. (PDVSA) construiriam uma refinaria em Pernambuco, ao custo de US$ 2,3 bilhões.

“Lula escolhera o estado onde nasceu para lançar um empreendimento industrial simbólico do seu programa de crescimento econômico. Elegera-se presidente cinco meses antes, com 57% dos votos locais. Seria reeleito três anos depois, com 78,4% dos votos pernambucanos. Chávez, ao seu lado, estava no segundo mandato, vencera um golpe de Estado e acabara de consolidar o poder sobre a companhia estatal de petróleo de seu país, provedora de dois terços dos dólares que circulam na economia venezuelana.

“Os presidentes estavam no Palácio do Campo das Princesas, erguido sobre as fundações do Erário Régio do Recife, pedaço da burocracia portuguesa encarregada do controle das contas públicas. Chávez encarou os jornalistas curiosos sobre como a PDVSA, em crise e sem caixa, poderia financiar sua parte nesse projeto binacional:

“— Não temos dinheiro — confessou, e acrescentou sorrindo: — Mas temos vontade política.

“Passaram-se 11 anos. Chávez morreu, a PDVSA nunca aportou um centavo na sociedade, e, talvez, a presidente Dilma Rousseff consiga inaugurá-la em novembro, penúltimo mês do seu mandato, depois de três anos de atraso no cronograma.

“Abreu e Lima já é considerado um dos mais caros empreendimentos da indústria mundial de petróleo: cada um dos 230 mil barris de óleo refinados vai custar no mínimo US$ 87 mil, acima do dobro da média internacional.

“— Um erro que não deve ser repetido — comentou a presidente da Petrobrás, Graça Foster, em recente audiência no Congresso Nacional.

“As despesas com a construção da refinaria dispararam. Previa-se gastar US$ 2,3 bilhões. Logo o valor multiplicou-se, o que teria levado a Venezuela a se retirar pouco depois — sem formalizar a saída. A conta chegou a US$ 18,5 bilhões no último abril. E pode avançar para US$ 20,1 bilhões até novembro, segundo projeções da Petrobrás. Esse valor equivale ao dobro do lucro líquido obtido pela empresa estatal brasileira no ano passado. Em outro tipo de comparação, é quantia seis vezes maior que todo o dinheiro gasto pelo país na construção e na reforma de 12 estádios para a Copa do Mundo.

“As razões da escalada de custos (mais de 770%, em dólares) se misturam num enredo onde predominam suspeitas de má gerência, erros de projeto, contratos superfaturados, sobre os quais foram aplicados aumentos extraordinários, além de corrupção, com lavagem de dinheiro no Brasil e no exterior.

“Mudanças durante a execução de projetos industriais são comuns, porém, na construção da refinaria de Pernambuco o excesso de aditivos contratuais refletiu escassez de planejamento.

“Foram US$ 3 bilhões em custos adicionais, em aditivos realizados a partir de março de 2008 — aumento equivalente à despesa com a reconstrução de um Maracanã a cada 11 meses. Até dezembro do ano passado, foram 141 alterações contratuais com acréscimos de custos. Durante 2013, a média foi de três aditivos por quinzena, segundo dados em análise na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investiga irregularidades na Petrobrás.

“A característica de projeto binacional, moldado por interesses políticos, fez com que a refinaria Abreu e Lima fosse tratada como empreendimento singular no processo decisório da Petrobrás. Ela funcionou como empresa autônoma durante cinco anos, até dezembro passado, quando foi incorporada à empresa-mãe.

“Na última segunda-feira (16/6), a presidente Dilma Rousseff transferiu por decreto o controle sobre todos os gastos na fase final da obra de Abreu e Lima para a presidência da Petrobrás.

“A composição dos custos desse empreendimento é objeto de investigações em curso em duas instituições nacionais, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal, e em cinco organismos federais (Tribunal de Contas, Ministério Público, Polícia Federal, Receita e Conselho de Atividades Financeiras). Um dos ex-diretores do grupo estatal e ex-presidente do Conselho de Administração da refinaria, Paulo Roberto Costa, está na cadeia. Enfrenta processos criminais simultâneos no Brasil e na Suíça.

“Os múltiplos inquéritos focam abruptas alterações nos valores originais, as bases de reajuste anual e, sobretudo, os aumentos extraordinários aplicados em duas centenas e meia de contratos feitos pela estatal, por convite.

“Entre 2008 e 2013, a refinaria manteve um Conselho de Administração que se reunia uma vez por semana — na rotina das empresas, inclusive na Petrobrás, o normal é uma reunião por mês. Os integrantes desse conselho ficavam na sede da estatal, na Avenida Chile, Centro do Rio, pilotando o andamento da obra, a 1,9 mil quilômetros de distância do canteiro.

“As atas das reuniões informam que eles passaram 70 meses concentrados na aprovação sucessiva de aumentos de custos diretos do empreendimento. ‘Todos (aditivos) eram de responsabilidade da executiva da refinaria’, apontou o ex-presidente da Petrobrás José Sergio Gabrielli, em carta ao Senado no mês passado.

“No espaço de 32 semanas de 2013, entre março e novembro, os conselheiros homologaram 63 aditivos, acrescentando US$ 739 milhões ao valor dos contratos originais.” (José Casado, Danielle Nogueira e Vinicius Sassine, O Globo, 22/6/2014.)

* Custos da refinaria de Pernambuco dispararam com erros, mudança wm projetos e aumentos em contratos superfaturados

“O Tribunal de Contas da União (TCU) acompanha os gastos em Abreu e Lima desde o início das obras. Construiu um acervo de auditorias sobre ‘deficiências’ no projeto básico e ‘fragilidades’ no estudo de viabilidade técnica e econômica do empreendimento. Já iniciou mais de duas dezenas de processos por suspeitas de prática de sobrepreço ou superfaturamento.

“A Petrobrás nega qualquer irregularidade. Na sexta-feira, em nota, informou que ‘continua em entendimentos com o TCU, demonstrando que não há sobrepreço ou superfaturamento nas obras’. Para a empresa estatal, as críticas do tribunal sobre os contratos de Abreu e Lima têm origem em uma ‘divergência metodológica’ que ‘vem esclarecendo desde 2008’. Acrescentou: ‘O tribunal considera a tabela de custos para construção de rodovias, e a Petrobrás contabiliza itens específicos para a construção da refinaria. É importante ressaltar que ainda não há um parecer conclusivo do TCU sobre o assunto’.

“Na semana passada, quatro dos maiores contratos de obras e equipamentos estavam sob análise da Secretaria de Fiscalização de Obras de Energia do tribunal, em Brasília. Neles, já foram identificados acréscimos irregulares de custos de ao menos US$ 219 milhões. Os auditores acham que essa conta ainda pode dobrar, para US$ 478 milhões. Esses contratos são para construção de unidades-chave da refinaria (coqueamento, hidrotratamento/geração de hidrogênio, destilação atmosférica e tubovias). Auditores registraram em relatório que, se a Petrobrás tivesse insistido na renegociação, poderia ter economizado muito.

“Não aconteceu. E nos 70 meses seguintes à assinatura dos contratos foram autorizados 26 aditivos aos contratos de três unidades (hidrotratamento, geração de hidrogênio e destilação atmosférica). Isso representou mudanças relevantes nos custos desses projetos a cada dois meses e meio, acima da margem que o TCU já considerava como perda milionária para a Petrobrás.

“Aditivos foram usados de maneira intensiva. Um dos contratos de obras, com o consórcio Camargo Corrêa e WorleyParsons, recebeu 17. Somaram US$ 171 milhões em aumentos. Outro, com as empreiteiras Queiroz Galvão e Iesa, teve 16, no valor de US$ 473 milhões — dois dos quais, no total de US$ 178 milhões, foram autorizados numa mesma reunião do Conselho de Administração da refinaria, em 2012. No ano passado, houve aumento de US$ 358 milhões em um único contrato da Tomé Engenharia.

“O serviço de terraplanagem da refinaria foi contratado por US$ 186,5 milhões em julho de 2007, com as empreiteiras Camargo Corrêa, Odebrecht, Queiroz Galvão e Galvão Engenharia. Recebeu dezena e meia de aditivos até 2009, quando expirou. Ao examiná-lo, o TCU identificou superfaturamento de US$ 30,2 milhões. Provocou uma redução de US$ 21,3 milhões no valor do contrato, determinando à Petrobrás a execução das garantias oferecidas pelas empresas, para evitar o prejuízo.

“Não era o fim da história. Como a Petrobrás ‘não avaliou corretamente os riscos ao contratar a terraplanagem’, registrou-se em relatório do tribunal, as ‘estradas’ abertas para os tubos que interligam as unidades de Abreu e Lima ficaram vulneráveis a variações climáticas. Essas tubovias têm 12 linhas de dutos sobrepostas, cada uma com sete quilômetros de extensão.

“Quando vieram as chuvas, não havia sistema de drenagem no terreno. E o leito escavado para abrigar os dutos acabou se transformando num grande canal de escoamento de água. Inundadas, as fundações das tubovias foram erodidas. Custo da correção: US$ 78 milhões.

“Abreu e Lima guarda mistérios. Um deles é a dimensão do custo da mudança tecnológica realizada na refinaria. No início, era um empreendimento para refino de 200 mil barris de petróleo por dia, com foco na produção de óleo diesel. Previa-se que metade de sua capacidade seria ocupada com o petróleo pesado extraído pela PDVSA na bacia do Rio Orinoco, na Venezuela. O canteiro de obras foi aberto, e contrataram-se equipamentos, mesmo sem um projeto básico.

“Em 2009, o empreendimento anunciado por US$ 2,3 bilhões já custava US$ 13,4 bilhões nas planilhas da Petrobrás — quase o triplo do limite definido em Caracas para participação da PDVSA, estabelecido em US$ 4,6 bilhões. A estatal venezuelana desistia, mas o governo brasileiro e a Petrobrás relutavam em aceitar a negativa.

“Nas sucessivas reuniões, técnicos das duas empresas realçavam diferenças de percepção, até mesmo sobre o relacionamento entre as respectivas estatais e seus governos. Quem acompanhou as negociações notou que os venezuelanos consideravam a Petrobrás uma empresa capitalista, apesar de controlada pelo Estado. Já os brasileiros, formados na tradição monopolista, encaravam a PDVSA como rival — potencial concorrente dentro do mercado brasileiro.

“O impasse se estendeu por quatro anos desde o anúncio oficial do projeto. Em 2009, a Petrobrás viu-se diante de um sério problema: tinha construído duas unidades — ‘trens’, no jargão do setor — para processar petróleo do Orinoco e da Bacia de Campos, e ficou sem o imaginado sócio venezuelano, que deveria fornecer metade do petróleo necessário. Por causa dele, na prática, a Petrobrás erguia uma espécie de ‘combo’, ou seja, duas refinarias em uma.

“A Petrobrás resolveu, então, reformatar a refinaria. Aumentou em 25% a capacidade de processamento, para 230 mil barris por dia e redesenhou as unidades de refino — os ‘trens’, no jargão do setor. A negociação entre as estatais do Brasil e da Venezuela só teve um epílogo oficial em dezembro passado, quando refinaria foi incorporada à empresa-mãe. A Petrobrás assumiu integralmente o custo bilionário do projeto, refutando todas as suspeitas de irregularidades.

“A PDVSA se tornou o sócio que foi sem nunca ter sido. Como não teria sequer assinado um contrato de acionistas, inexiste chance de responsabilização ou cobranças, admitiu dias atrás a presidente da Petrobrás, Graça Foster.

“Não se conhecem detalhes sobre o impacto financeiro da mudança tecnológica na refinaria. É certo que o improviso é parte significativa de uma conta que pode chegar a US$ 20,1 bilhões, pelas projeções da Petrobrás. Quando inaugurada, em novembro deste ano, Abreu e Lima deverá produzir um óleo diesel de qualidade, com baixo teor de enxofre, que vai atender a demandas da nova legislação ambiental, mas com o custo acima do dobro da média mundial.” (José Casado, Danielle Nogueira e Vinicius Sassine, O Globo, 22/6/2014.)

* A Petrobrás sabia desde 2009 que o projeto da refinaria de Pernambuco era mesmo economicamente inviável

“Desde 2009, a Petrobrás sabia que o projeto da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, era economicamente inviável. A diretoria executiva da empresa recebeu um claro alerta, por escrito, na segunda quinzena de novembro daquele ano: ‘Sob a ótica empresarial, sem considerar as análises complementares, o projeto não apresenta atratividade econômica’, informaram os técnicos da estatal encarregados das análises de estratégia, desempenho empresarial, planejamento financeiro e de risco.

“Conforme essa avaliação, a Petrobrás não perderia dinheiro, mas também não lucraria, caso limitasse o investimento em Abreu e Lima em US$ 10,4 bilhões. Naquele ano, porém, a previsão de gastos com obras e equipamentos já estava em US$ 13,4 bilhões.

“Na rotina de procedimentos da Petrobrás, esse aviso técnico representaria obstáculo para a diretoria executiva avançar no empreendimento, mas as regras da ‘Sistemática de Aprovação de Projetos’ da estatal vinham sendo contornadas desde 2007, quando foram realizadas contratações por convite sem um projeto básico aprovado.

“Sob o comando de José Sergio Gabrielli, a diretoria da estatal precisava formalizar a execução do plano de obras — a ‘fase quatro’, na nomenclatura interna. Por isso, ao alerta foram anexadas ‘análises complementares’. Nelas, recorria-se a uma série de artifícios para montagem de um cenário de sinal invertido, no qual Abreu e Lima emergia como um projeto economicamente viável.

“O problema estava no indicador de viabilidade, o ‘Valor Presente Líquido’ (VPL). Ele mostra se um projeto é viável: VPL negativo sinaliza perda; positivo é lucro; e nulo significa que o investimento não vai dar prejuízo, mas também não será rentável. No caso de Abreu e Lima, concluíram os técnicos, ‘o valor de investimento que torna o VPL nulo é de US$ 10,4 bilhões’. Como os gastos já estavam 30% acima desse teto, restava mudar o resultado da equação.

“Imaginou-se ajuda extra do governo federal, com incentivos de US$ 1,2 bilhão por ano — além de US$ 4,2 bilhões em empréstimos baratos do BNDES.

“Em seguida, considerou-se no cálculo o valor da ‘perda potencial’ de mercado. Ou seja, quanto a Petrobrás poderia vir a perder em receita, caso um concorrente qualquer decidisse refinar petróleo no Nordeste. O dano potencial foi estimado em US$ 722 milhões.

“Por fim, incluiu-se na tabulação o conceito contábil de perpetuidade. O documento levado à diretoria explica: ‘Significa, em outras palavras, dizer que o negócio não terá fim, ou, ainda, operará até o ‘infinito’. Em termos práticos, significa estender indefinidamente o fluxo de caixa do projeto além dos 25 anos considerado tradicionalmente nas avaliações do refino’.

“No papel, Abreu e Lima começava a virar uma refinaria em funcionamento pela eternidade, imutável na tecnologia e inesgotável como fonte de receita.

“Só assim o bilionário investimento em Pernambuco poderia vir a ser considerado economicamente viável. A conta ficou positiva em US$ 76 milhões de ‘Valor Presente Líquido’. Isso representaria 0,4% de lucro em um empreendimento que há 11 anos foi orçado em US$ 2,3 bilhões, consumiu US$ 18,5 bilhões até abril passado e pode chegar a US$ 20,1 bilhões na inauguração, segundo projeções da estatal.

“Embora irreal, o cenário positivo era o que a diretoria precisava para formalizar a execução do plano de construir a refinaria — a ‘fase quatro’, no jargão interno. A aprovação aconteceu numa quarta-feira, 25 de novembro de 2009.

“‘A construção da refinaria estava prevista no Plano de Negócios 2007-2011’, argumentou a Petrobrás em nota, na última sexta-feira. Acrescentou: ‘Em 2009, na aprovação da Fase 3 (etapa Projeto Básico), e consequente autorização para construção da refinaria Abreu e Lima, foram realizadas análises de sensibilidade e avaliação empresarial que apontaram para atratividade econômica positiva. A refinaria Abreu e Lima incrementa o resultado operacional da Petrobrás através da ampliação da capacidade de refino para atender o crescimento da demanda de derivados e da redução da importação de derivados. Com seu sistema flexível de processamento, baseado em dois trens de refino, a refinaria pode receber tanto cargas de petróleo pesado nacional de menor valor, quanto cargas de petróleo mais leve, liberando as demais unidades do parque de refino para processar outros tipos de petróleo mais convenientes e atrativos’.

“Abreu e Lima se tornou um dos mais caros projetos da indústria mundial de petróleo: vai gastar US$ 87 mil por cada barril de petróleo que refinar, mais que o dobro da média internacional. A escalada de aumento de custos (mais de 770%, em dólares) motiva múltiplas investigações, dentro e fora do país.

“Semana passada, o gerente de Engenharia de Custos da Petrobrás, Alexandre Rabello, prestou depoimento em uma das comissões parlamentares de inquérito. Pediram-lhe para explicar as razões de o custo ter aumentado nove vezes a partir de uma ‘conta de padeiro’, como definiu o ex-diretor de Abastecimento da estatal Paulo Roberto Costa, preso sob suspeita de corrupção e lavagem de dinheiro.

“O chefe de Engenharia de Custos foi lacônico: ‘Não participamos de todas as fases do projeto. A única coisa que eu sei é que foi um processo que levou cerca de nove meses, se não me engano, pelo que tenho visto aí nos outros depoimentos”. (José Casado, Danielle Nogueira e Vinicius Sassine, O Globo, 23/6/2014.)

* Petrobrás manteve em sigilo os custos da refinaria de Abreu e Lima

“A Petrobrás trabalhou com um orçamento sigiloso de contratação de serviços e equipamentos para a Refinaria de Abreu e Lima, em Pernambuco. Várias vezes o Tribunal de Contas da União (TCU) pediu as estimativas de custos, mas só começou a receber a documentação anos depois do início das obras.

“A empresa ocultou, também, os estudos de viabilidade econômica, técnica e ambiental do empreendimento, cujos gastos foram multiplicados por nove nos últimos onze anos: o orçamento inicial de US$ 2,3 bilhões passou a US$ 18,5 bilhões e poderá chegar a US$ 20,1 bilhões até a inauguração, marcada para novembro, conforme projeções da estatal.

“O tribunal começou a fazer auditorias rotineiras em Abreu e Lima em 2008. Quando localizava indícios de erros ou sobrepreços, solicitava à Petrobrás documentação complementar, sobretudo as estimativas de custos (‘referências de precificação’) nas quais ela teria se baseado para realizar as contrações.

“‘Sigilo’ foi a alegação mais frequente da estatal para não entregar documentos, principalmente quando o TCU passou a cobrar os estudos de viabilidade. Eles contêm os cálculos de custos e projeções de receita do empreendimento. No caso de Abreu e Lima, isso inclui previsões de despesas com a construção e montagem dos dutos que ligam a refinaria ao Porto de Suape, por onde vai escoar a produção de derivados do petróleo.

“A Petrobrás evitou repassar até análises de impacto ambiental da refinaria, localizada a 35 quilômetros de Recife, em área próxima do litoral e recortada por cinco rios. As negativas não se limitaram à obra em Pernambuco. Estenderam-se a empreendimentos no Rio de Janeiro (Comperj), no Ceará e no Maranhão.

“Em 2011, houve uma crise nas relações da estatal com seus fiscais. Auditores entenderam que havia uma deliberada obstrução ao trabalho do tribunal.

“Listaram indícios de sobrepreços, relataram a existência de ‘metodologias inadequadas para definição de viabilidade’, alinharam deficiências no projeto básico e citaram ‘contratações diretas e antieconômicas’. Sugeriram que o então presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli, fosse autuado por ‘sonegação de documento’.

“A situação foi contornada com diplomacia pelo TCU. Gabrielli aceitou acordo para entrega dos documentos ocultados por anos. Não cumpriu, segundo o tribunal. Na época, o ministro Ubiratan Aguiar escreveu: ‘Não há evidência de que orçamento sigiloso aumenta a competitividade’. Acrescentou: ‘A opção da Petrobrás em manter o absoluto sigilo de suas estimativas de custo (referências de precificação), antes do lançamento das licitações e após o seu encerramento, não tem amparo no ordenamento jurídico vigente.’

“Um ano depois, em 2012, quando Graça Foster já estava no comando da empresa, fez-se novo acordo. Gabrielli se livrou das sanções, e a documentação chegou ao tribunal.

“Em nota, a Petrobrás explicou que até 2012 ‘havia uma divergência de entendimento’ com o TCU ‘sobre o que exatamente deveria ser entregue e como deveriam ser entregues as estimativas de custos e os estudos de viabilidade técnica e econômica, bem como uma divergência sobre os aspectos de confidencialidade’. As divergências acabaram, completou, ‘e foi definido, por consenso, um termo de confidencialidade e um procedimento (o que e como) de encaminhamento destas informações. A partir daí, sempre que solicitado pelo TCU, a Petrobrás passou a entregar os documentos dentro dos prazos requeridos por aquele órgão de controle’.

“No tribunal, os ministros fizeram questão de deixar registrado em ata: ‘Apesar do decurso de pouco mais de dois anos entre a primeira requisição dos EVTEs (estudos de viabilidade) das obras da refinaria e a efetiva entrega da documentação, em 14 de junho de 2012, há que se constatar o cumprimento do determinado. A estatal considerava que não deveria submeter a esta Corte documentos, sob a alegação de sigilo’.

“Abreu e Lima se tornou um dos mais caros projetos da indústria mundial de petróleo: vai gastar US$ 87 mil por cada barril de petróleo que refinar, mais que o dobro da média internacional. A escalada de aumento nos seus custos (mais de 770% em dólares) motiva múltiplas investigações. Um delas se desenvolve no Congresso, onde se prevê para amanhã um depoimento de Gabrielli, ex-presidente da empresa. Outras duas ocorrem em Pernambuco e no Paraná. Foram iniciadas por procuradores federais, que se reuniram na última quarta-feira, em Brasília, com auditores do TCU numa tentativa de união de esforços.

“O inquérito pernambucano se concentra em contratos feitos pela Petrobrás para obras e equipamentos da refinaria, sobre os quais paira a suspeita de superfaturamento de até US$ 478 milhões. No Paraná, o foco é a lavagem do dinheiro supostamente obtido na cobrança de ‘comissões’, sob intermediação político-partidária, entre a estatal e fornecedores. Não se conhecem detalhes sobre a nova etapa dessa investigação. Na denúncia aceita pela Justiça em abril, que motivou a prisão do ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás e ex-presidente do Conselho de Administração da Refinaria Abreu e Lima, Paulo Roberto Costa, procuradores escreveram: ‘eventual participação de outros funcionários do escalão superior dessa empresa estatal será investigada oportunamente’,” (José Casado, Danielle Nogueira e Vinicius Sassine, O Globo, 24/6/2014.)

* Sob controle do lulo-petismo sindicalista e aparelhada por indicações políticas, a Petrobrás se subordinou à vontade política do Planalto e do partido no poder. Deu no que deu

“A Petrobrás oficialmente insiste que tudo transcorre dentro da normalidade, enquanto o governo atua no front político para evitar qualquer possibilidade de investigação séria no Congresso, onde há uma CPI chapa-branca instalada no Senado e outra, mista, de deputados e senadores, em que existe algum risco para o Planalto.

“Mas, apesar de todas as manobras, os gritantes desmandos na execução do projeto da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, continuam a se impor por si mesmos. São tamanhos os desvios que, recorrendo à imagem desgastada do lixo jogado para baixo do tapete, conclui-se que a capacidade de toda a indústria de tecelagem não parece capaz de encobrir tudo que tem sido descoberto nessa história exemplar de como não se pode subordinar a ação do Estado a interesses de partidos, ideologias e pessoas. Houve a conjugação desses três fatores no escândalo de Abreu e Lima.

“Não é sempre, mesmo na indústria do petróleo, onde as cifras são contabilizadas em bilhões de dólares, que um projeto orçado há 11 anos em US$ 2,3 bilhões chega a US$ 18,5 bilhões, dado de abril, e pode ter um custo final de US$ 20,1 bilhões.

“Reportagens publicadas pelo Globo domingo e ontem (22 e 23/6) traçam o roteiro de como o projeto, uma decisão conjunta dos amigos e aliados político-ideológicos Lula e Hugo Chávez, atropelou a sensatez e relatórios técnicos, para fazer surgir uma refinaria cujo preço do barril refinado será de US$ 87 mil, mais que o dobro da média mundial. E pior para o Brasil, pois Chávez morreu, e os venezuelanos, que já não colocavam dinheiro no projeto, deixaram de vez a pesada fatura com a Petrobrás. Por tabela, para o Tesouro, sustentado pelo contribuinte.

“Cada vez mais se entende o sentido da afirmação do ex-diretor da estatal Paulo Roberto Costa à Folha de S.Paulo, entre uma prisão preventiva e outra, de que Abreu e Lima foi aprovada a partir de uma ‘conta de padeiro’. Quer dizer, a Petrobrás, à época sob controle do lulo-petismo sindicalista e aparelhada por indicações políticas, mesmo de técnicos da casa, se subordinou à vontade política do Planalto e do partido no poder.

“Paulo Roberto Costa, diretor de Abastecimento, ele próprio apadrinhado (PP, PT e PMDB), conhece a história por dentro, porque presidiu o conselho de administração da refinaria. E nessa condição atuou na aprovação de inúmeros aditivos em contratos com empreiteiras e fornecedores de bens e serviços em geral, causa da explosão dos custos do projeto — em dólares, quase 800% acima do orçado.

“Paulo Roberto está preso, de forma preventiva, a pedido da Polícia Federal, enquanto transcorre a Operação Lava-Jato, sobre bilionário esquema de lavagem de dinheiro administrado pelo doleiro Alberto Youssef, antigo conhecido do submundo da política. Impossível não relacionar uma coisa com a outra.” (Editorial, O Globo, 24/6/2014.)

* Muita coisa mal explicada na saga da refinaria símbolo das aliança do lulo-petismo com o chavismo

“O ex-presidente da Petrobrás José Sérgio Gabrielli deve comparecer hoje (25/6) à CPI mista, do Senado e da Câmara, instituída para investigar estranhos e bilionários negócios fechados pela estatal em sua gestão. E sempre com vultosos prejuízos para a estatal. Por decorrência, para o Erário, pois, em última instância, as perdas prejudicam proporcionalmente mais o maior acionista da empresa, o Tesouro, destino dos pesados impostos cobrados no país.

“Se a CPI chapa-branca, instalada no Senado, por suposto nada investiga, afinal foi criada para isso, espera-se que ao menos um ou outro parlamentar da comissão mista, sobre a qual o controle do Planalto parece ser menor, exponha Gabrielli a algumas questões mal explicadas. Assuntos não faltam. Se sobre a aquisição da refinaria em Pasadena, Texas, a que Dilma Rousseff não aprovaria, foi montado o script do mau negócio que se transforma em bom com o passar do tempo — embora a presidente Graça Foster tenha confirmado um prejuízo de meio bilhão de dólares já assumido pela empresa —, para a explosão do orçamento da refinaria Abreu e Lima ainda não há um enredo oficial concatenado.

“Não será fácil. Em resposta a reportagens do Globo, a Petrobrás insiste que pareceres do Tribunal de Contas das União (TCU) atestando superfaturamento em vários contratos se devem a diferenças ‘metodológicas’ na mensuração de gastos em projetos de refinaria. Além disso, nega que a primeira estimativa dos investimentos em Abreu e Lima tenha sido de US$ 2,3 bilhões, mas de US$ 13,4 bilhões. Mesmo assim, o orçamento do projeto terá estourado quase 40% em relação aos US$ 18,5 bilhões gastos até abril. E chegará a 50% quando os investimentos atingirem os previstos US$ 20,1 bilhões na conclusão da refinaria.

“Há sempre fatos esquisitos nesses projetos de aumentos bilionários de custo. No caso Pasadena, existe o ‘resumo executivo’ de que não constavam cláusulas do negócio os quais, confessou a própria presidente Dilma, a fariam rejeitar a compra, quando estava à frente do conselho administrativo da estatal. Na refinaria Abreu e Lima, estranha-se que mesmo segura da correção do projeto, a diretoria de Gabrielli tenha tentado, durante algum tempo, sonegar informações ao TCU.

“Revelou o jornal ontem (24/6) que o tribunal passou a auditar a obra a partir de 2008, e, quando encontrava algum erro ou indício de superfaturamento, não era atendido quando pedia esclarecimentos à estatal. ‘Sigilo’, justifica-se quase sempre a empresa. Os estudos de viabilidade, esses eram ainda mais sigilosos.

“Abreu e Lima, símbolo das aliança do lulo-petismo com o chavismo, é um enorme ponto de interrogação em forma de refinaria. Mesmo abstraindo-se o fato de o responsável pela execução do projeto durante um um razoável período ter sido o ex-diretor Paulo Roberto Costa, preso em Curitiba a pedido da Polícia Federal, por participar de um grande esquema de lavagem de dinheiro.” (Editorial, O Globo, 25/6/2014.)

O governo afundando a Petrobrás

* Governo dá áreas sem licitação à Petrobrás e engorda o caixa com R$ 2 bilhões

“O Palácio do Planalto decidiu eliminar a licitação de quatro campos do pré-sal para concedê-los diretamente à Petrobrás. Com a operação, a estatal ganhará reservas adicionais entre 10 bilhões e 15 bilhões de barris e terá de desembolsar R$ 15 bilhões em bônus e antecipações. Neste ano, a medida colocará R$ 2 bilhões no caixa do governo. A decisão ajudará o Tesouro Nacional a fechar as contas de 2014 e a elevar a economia para pagar os juros da dívida, o chamado superávit primário.

“Oficialmente, o modelo, diferente do adotado na concessão do Campo de Libra, em 2013, foi anunciado sem objetivo fiscal. Mas até o secretário de Petróleo do Ministério de Minas e Energia, Marco Antônio Almeida, reconheceu o efeito da concessão nas contas públicas. ‘A antecipação (do bônus de R$ 2 bilhões) não tem finalidade fiscal, mas é bom para o fiscal’, admitiu.

“No Rio, a presidente da Petrobrás, Maria das Graças Foster, desconversou: ‘Não sei o impacto dos R$ 2 bilhões no superávit fiscal’.

“O mercado reagiu mal à concessão dos campos à Petrobrás, com a cobrança imediata de R$ 2 bilhões ainda neste ano. As ações preferenciais da estatal subiam até 15h45, quando inverteram a tendência e fecharam em baixa de 3,49%. O Ibovespa acompanhou o movimento e reduziu os ganhos para 0,13% no dia.

“A estatal terá de desembolsar uma ‘entrada’ de R$ 2 bilhões de seu caixa que não estavam previstos. A Petrobrás repassará os outros R$ 13 bilhões até 2018, em ‘parcelas’ que serão pagas à União em petróleo. É justamente essa fatia de R$ 13 bilhões que vai compor o Fundo Social, mecanismo criado para repassar parte dos royalties do pré-sal para o orçamento da saúde e da educação.

“A falta de dinheiro em caixa na Petrobrás levou o governo a cobrar de forma parcelada o total de R$ 15 bilhões estimados para conceder o direito de exploração dos campos – Búzios, entorno de Iara, Florim e Nordeste de Tupi, todos na região do pré-sal da Bacia de Santos. ‘Se a Petrobrás tivesse capacidade financeira, nós iríamos cobrar os R$ 15 bilhões à vista’, afirmou o secretário. ‘Empresa nenhuma no mundo tem essa capacidade. O negócio é bom para Petrobrás.’

“O economista da Tendências Consultoria, Felipe Salto, avalia que o impacto será insuficiente para garantir o cumprimento da meta de superávit primário nas contas públicas. ‘Na conjuntura frágil das contas públicas, qualquer bilhão faz diferença, mas não é isso que vai fazer a meta’, afirmou Salto.

“O diretor do Centro Brasileiro de Infra-estrutura (CBIE), Adriano Pires, classificou como ‘estranha’ a decisão do governo. ‘Muito estranho que a decisão tenha sido tomada no apagar das luzes da corrida eleitoral’, afirmou. Graça Foster disse que a decisão não tem caráter eleitoral.

“O Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) decidiu ontem (24/6) que a Petrobrás explorará as reservas em regime de partilha com a União. A estatal estima a existência de 9,8 bilhões a 15,2 bilhões de barris de petróleo nesses campos. A decisão do CNPE foi tomada no Palácio do Planalto, a pedido da presidente Dilma Rousseff, que participou pela primeira vez da reunião desde que assumiu o cargo em 2011.

“A Petrobrás já iniciou a campanha exploratória no campo de Búzios (antiga área de Franco), que fez parte da cessão onerosa – operação pela qual a União capitalizou a Petrobrás, em 2010, concedendo à companhia o direito de produzir 5 bilhões de barris em determinadas áreas do pré-sal.

“Agora, o excedente da cessão onerosa que for produzido nesses quatro campos (os 15,2 bilhões de barris) será colocado sob regime de partilha, na qual a União terá 76,2% de participação final nesses campos na forma de bônus, royalties, excedentes em óleo e Imposto de Renda.

“A estatal deverá fazer a antecipação de parte do excedente em óleo como forma de pagamento à concessão, sendo os valores estimados na conta do governo de R$ 2 bilhões no ano de 2015, R$ 3 bilhões em 2016, R$ 4 bilhões em 2017 e R$ 4 bilhões no ano de 2018.

“Esses recursos irão para o fundo social, cuja metade de tudo o que entra vai para saúde e educação. No final desse ciclo, o volume de óleo a ser pago pela Petrobrás é de 61,038 milhões de barris entre 2015 a 2018. A produção deve começar em 2020.” (Nivaldo Souza e Eduardo Rodrigues, com Tânia Monteiro, Bernardo Caram, Fátima Laranjeira, Vinicius Neder e Mônica Ciarelli, Estadão, 25/6/2014.)

* Após nova intervenção do governo, Petrobrás perde R$ 13 bilhões na Bolsa

“Os R$ 15 bilhões em bônus e antecipações, a serem pagos pela Petrobrás à União por quatro áreas do pré-sal da Bacia de Santos, são pouco perto dos investimentos para explorar o petróleo. A petroleira deverá gastar de US$ 245 bilhões a US$ 380 bilhões na instalação de plataformas e infra-estrutura de escoamento da produção, segundo cálculo do Centro Brasileiro de Infra-estrutura (CBIE).

“O CBIE utilizou como base a estimativa de gasto de US$ 200 bilhões para o campo de Libra, também no pré-sal, licitado em 2013. A avaliação do mercado um dia após o anúncio da contratação direta é de que o projeto exigirá muito mais do caixa da empresa, o que contribuiu para desvalorizá-la.

“A perspectiva de que os gastos da estatal vão crescer nos próximos anos e de que faltam fontes de recursos continuou incomodando o mercado nesta quarta-feira, 25, com quedas nas cotações. As ações ordinárias (com direito a voto) caíram 3,34% e as preferenciais, 1,98%. Em dois dias, o valor de mercado (multiplicação do total das ações pela cotação final do pregão) da Petrobrás recuou R$ 13,25 bilhões, para R$ 217,65 bilhões.

“Confirmado, o investimento em plataformas e infra-estrutura corresponderá a US$ 35 bilhões em cinco anos, no mínimo, ou a um adicional na área de Exploração e Produção da Petrobrás de 22%, considerando os US$ 153,9 bilhões previstos para a área no Plano de Negócios da companhia, relativo ao período de 2014 a 2018.

“As condições geológicas e técnicas das áreas são parecidas, o que permite comparar as áreas envolvidas na contratação direta – Búzios, Entorno de Iara, Florim e Nordeste de Tupi – e Libra, disse Adriano Pires, diretor do CBIE. A diferença está na dimensão das reservas. Em Libra, são 8 bilhões de barris de óleo equivalente (boe, que inclui gás natural) e nas quatro áreas variam de 9,8 bilhões a 15,2 bilhões.

“‘É claro que se trata de um número aproximado, porque pode ser que a Petrobrás realmente consiga reduzir de alguma forma o custo por aproveitar infra-estruturas já existentes, como mencionou a presidente da estatal, Graça Foster. Mas o investimento por barril não fugirá muito daquele de Libra’, disse Pires. Na área licitada ano passado, cada 1 bilhão de boe deve custar US$ 25 bilhões à Petrobrás e aos seus sócios.

“Além de avaliações negativas pela maioria dos analistas de bancos e corretoras que acompanham a empresa, o anúncio gerou dois rebaixamentos de recomendação a investidores. O UBS mudou a recomendação de compra para neutra, diante do aumento da percepção de risco relacionado à governança corporativa. Já o Bradesco, segundo operadores de mercado, alterou a avaliação de ‘desempenho acima da média do mercado’ (outperform, no jargão da Bolsa) para ‘em linha com o mercado’ (market perform), diante da percepção de que o contrato é ruim para a companhia.

“O BTG Pactual alertou para o aumento do risco de que a empresa recorra a novo aumento de capital em 2015. Os analistas Gustavo Gattass e Andres Cardona avaliaram, em relatório, que o mercado não deve gostar do novo acordo, mesmo que possa ser economicamente bom, porque vai pressionar ainda mais o balanço da estatal.

“Entre tantos questionamentos sobre as condições da contratação direta da Petrobrás pela União está também o quanto esse investimento irá prejudicar os demais projetos do pré-sal, segundo um analista de banco que preferiu não se identificar.” (Fernanda Nunes e Karin Sato, com Vincius Neder, Estadão, 26/6/2014.)

* O governo continua a utilizar a maior estatal do país com fins políticos. Agora, usa a Petrobrás na contabilidade criativa

“É difícil acreditar que tenha sido absolutamente técnica a decisão do governo de estender as áreas hoje exploradas pela Petrobrás, sob a forma de cessão onerosa, na camada do pré-sal da Bacia de Santos. Considerando-se os precedentes de uso de técnicas de contabilidade criativa para que as contas públicas atinjam os parâmetros que o próprio governo se compromete a alcançar nas diretrizes orçamentárias, é provável que tal recurso esteja sendo novamente utilizado pelas autoridades, para que no exercício de 2014 — um ano de eleições gerais — os números apareçam bem na fotografia. Afinal, a ampliação das áreas implica a transferência de recursos da estatal para o Tesouro a título de bônus de assinatura — R$ 2 bilhões, para oxigenar combalidas contas públicas.

“A Petrobrás alega que faz bom negócio. E, de fato, a potencialidade dos campos que vêm sendo explorados na camada do pré-sal da Bacia de Santos indica que a empresa poderá ampliar significativamente suas reservas — seria um acréscimo de 10 bilhões a 14 bilhões de barris. A justificativa técnica para a decisão do governo é que os campos da cessão onerosa estão entrando na fase de desenvolvimento, e os reservatórios contêm volumes de óleo e gás muito superiores aos previstos inicialmente.

“Faria, então, sentido que a Petrobrás já planejasse a instalação de equipamentos e infra-estrutura prevendo aumento futuro da produção. Para que a União seja remunerada por esses volumes que deverão ser extraídos no futuro, o governo se baseou nas condições do leilão do campo de Libra (arrematado pelo único consórcio que ofereceu lance na licitação).

“Mas há outras questões que devem ser observadas. A Petrobrás não tem sobra de caixa. Ao contrário, a empresa já reconheceu que este ano precisará aumentar o já elevado endividamento para levar adiante seu plano de negócios. Somente a partir do próximo exercício, com o esperado aumento de produção, é que os investimentos serão financiados pela geração de caixa, sem necessidade de recorrer a mais endividamento. É o que se diz oficialmente.

“Depois do leilão de Libra, a avaliação dos analistas é que a Petrobrás ficou sem condições financeiras de assumir novos grandes riscos. Porém, a arquitetura financeira da transação anunciada na terça atende mais as necessidades de curto prazo do Tesouro (daí as ações da estatal terem caído com o anúncio da operação). É sintomático que Graça Foster, presidente da empresa, ao comentar a medida, tenha deixado claro que mais do que nunca a companhia precisa que os preços internos dos combustíveis sejam alinhados aos externos. Em suma, a Petrobrás está transferindo para o Tesouro recursos que hoje não tem, e não há previsão, ou promessa, de que os terá.

“Fica óbvio que a decisão foi muito mais política do que técnica. Ainda com outra decorrência negativa, a de representar um aprofundamento da ingerência do Estado no setor.” (Editorial, O Globo, 26/6/2014.)

* “Sem coragem para controlar os gastos e para podar benefícios fiscais ineficazes para o conjunto da economia, o governo continuará recorrendo a expedientes como esse da Petrobrás para ajeitar suas contas

“Incapaz de cuidar direito das próprias contas, o governo continua usando as estatais para abastecer o Tesouro e disfarçar suas más condições financeiras. Essa manobra foi usada nos últimos dois anos e continua em pauta em 2014. A melhor explicação para o novo lance, desta vez com a Petrobrás, é a evidente piora do balanço do setor público. Algo parecido ocorreu na década de 1980, quando a administração central, sem crédito na praça, usou as empresas federais como canal de financiamento. O resultado foi desastroso. Quase todas estavam em péssimo estado quando foram privatizadas. O quadro fiscal é hoje bem melhor do que naquela época, apesar da gastança e do mau uso do dinheiro público. Mas o governo, sem disposição para resolver seus problemas da maneira correta, prefere lançar mão de expedientes de baixa qualidade. Uma das saídas é recorrer às estatais para abastecer seu caixa, assim como tem recorrido à política de controle de preços e tarifas para disfarçar a inflação.

“Desta vez, o sinal de alerta soou quando foi divulgado o novo arranjo com a Petrobrás – uma concessão de quatro áreas do pré-sal, sem licitação, em troca de pagamentos de R$ 2 bilhões neste ano e mais R$ 13 bilhões entre 2015 e 2018. A reação no mercado financeiro foi imediata e mais uma vez despencou o preço das ações da empresa. Em Brasília, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, negou qualquer motivação de ordem fiscal para a iniciativa do governo. Esqueceu-se, no entanto, de apresentar qualquer explicação mais convincente.

“A presidente da estatal, Graça Foster, classificou como ‘ótima oportunidade’ o contrato direto, sem disputa com outros possíveis interessados, e mencionou a redução do risco exploratório como uma das vantagens. Também se dispensou de informar por que o acordo foi proposto neste momento, de forma aparentemente improvisada, e de contar se algo semelhante estava previsto nos planos financeiros e operacionais da companhia.

“A explicação mais simples e mais evidente se impõe. A curto prazo, o contrato com a Petrobrás garante ao Tesouro uma receita adicional de R$ 2 bilhões. A maior parte do dinheiro, reservada para o período até 2018, representa um pequeno seguro para o próximo governo, talvez ainda sob a chefia – esta é a aposta mais importante no Planalto – da presidente Dilma Rousseff. Os R$ 2 bilhões previstos para este ano podem parecer uma soma pequena, mas, considerando-se o tenebroso quadro das finanças públicas, serão muito bem-vindos.

“Adiantar esse dinheiro será mais um sacrifício para a Petrobrás, mas atender aos interesses fiscais e político-partidários do governo já é uma rotina para a empresa. De passagem, a presidente da companhia, Graça Foster, mencionou o reajuste de preços como uma das condições para a empresa enfrentar as novas tarefas e, obviamente, os novos desembolsos.

“A manobra do governo mantém a política de improvisações fiscais dos últimos anos. Em 2013, receitas extraordinárias garantiram a maior parte do superávit primário de R$ 77,07 bilhões contabilizado pelo governo central. Só as receitas de concessões e as prestações iniciais do novo Refis, o programa de parcelamento de dívidas tributárias, proporcionaram 56,9% daquele resultado. Com os dividendos, R$ 17,14 bilhões, a soma dos três itens equivaleria a 79,16% do superávit primário, o dinheiro separado para o pagamento de juros.

“Neste ano, até abril, concessões e dividendos garantiram R$ 9,22 bilhões, 31% do resultado primário do período. Os bônus de concessões foram 297,4% maiores que os de um ano antes, enquanto a soma proporcionada pelos dividendos foi 716,4% superior à de janeiro a abril de 2013. Seria escárnio classificar como normal esse aumento de dividendos.

“Com a economia em passo de tartaruga, a arrecadação de impostos deverá continuar fraca. Sem coragem para controlar os gastos e para podar benefícios fiscais ineficazes para o conjunto da economia, mas vantajosos para alguns setores, o governo continuará recorrendo a expedientes para ajeitar suas contas. O acordo com a Petrobrás é só mais um lance desse jogo.” (Editorial, Estadão, 26/6/2014.)

* Operação com a Petrobrás é mais uma manobra dos alquimistas da contabilidade criativa do governo, que resulta em descrença e distorções

“Já vai terminando o mandato concedido pela presidente Dilma na eleição de 2010 e, até nos últimos meses do período regulamentar, ela continua com a mesma tática de jogo: para fechar as contas, recorre à contabilidade criativa. Nos últimos dois dias, duas novas jogadas. A primeira foi a operação com a Petrobrás, que derrubou a ação da empresa, a outra, mais um cheque para o BNDES.

“Para a Petrobrás, é um mau negócio porque ela terá que desembolsar recursos antes de embolsar. Vai ter despesas antes de ter receitas com os quatro blocos de pré-sal. Terá que pagar o bônus de assinatura de R$ 2 bilhões este ano e continuar antecipando dinheiro à União nos próximos, antes que os blocos estejam produzindo petróleo em 2021. Ao todo, gastará cerca de R$ 15 bi antes dessa data. As ações da companhia, que vinham subindo com os últimos resultados das pesquisas de intenção de voto, caíram 3% na terça-feira (24/6) e mais 3%, ontem (25/6).

“Tudo o que a empresa não precisa agora é ter mais despesas antes das receitas e redução do seu valor de mercado na bolsa. A Petrobrás está com alto endividamento em relação à sua capacidade de geração de caixa. Enfrenta o desequilíbrio provocado pelo controle dos preços da gasolina, precisa de recursos para os investimentos programados e tem que continuar tocando projetos de retorno duvidoso, como a refinaria Abreu e Lima.

“O governo, no entanto, com dificuldade de cumprir a meta já reduzida de superávit primário, fez mais uma manobra para receber de imediato da empresa R$ 2 bilhões. Além disso, o fato de entregar os blocos sem licitação aumenta a incerteza sobre as regras do mercado brasileiro de exploração de petróleo. A longo prazo, pode ser um bom negócio para a estatal, mas, neste momento, tirar recursos do caixa não é o mais recomendável.

“Outra manobra que o governo está fazendo é mais um daqueles cheques ao BNDES, desta vez, de R$ 30 bilhões. São, como se sabe, chamados de ‘empréstimos’ para não aparecerem na contabilidade da dívida líquida. Na dívida bruta, no entanto, aparecem, e isso é que é levado em conta por quem sabe acompanhar a política fiscal.

“O ex-presidente Lula, que vinha pedindo mais gastos, agora disse que ‘não cabe’ levantar dúvidas sobre a seriedade fiscal do governo. Cabe sim, porque a atual equipe econômica fez uma sucessão de alterações na contabilidade pública nos últimos anos que foram tornando os dados cada vez menos confiáveis. O Brasil seguiu um longo processo de pôr em ordem as contas públicas desde o fim do governo militar até a Lei de Responsabilidade Fiscal. Continuou assim no primeiro mandato do ex-presidente Lula. Depois da crise de 2008, no entanto, o país entrou na fase da contabilidade criativa que estamos até agora.

“Uma das técnicas do transformismo foi usado na energia, quando o governo determinou que um ente privado, a CCEE, pegasse um empréstimo no mercado financeiro para cobrir os rombos das distribuidoras tendo como garantia o aval da Aneel de que elas pagarão com aumento futuro de tarifa.

“Tudo isso será necessário corrigir no próximo governo, mesmo que a eleita seja a própria presidente Dilma. O malabarismo fiscal está reduzindo a confiança do empresariado para investir e aumentando as dúvidas dos classificadores de risco soberano. Uma das agências já rebaixou o Brasil e outras dão alertas com frequência. O país vem retrocedendo na solidez das suas contas exatamente porque a cada dia o governo cria uma novidade para levar recursos para o Tesouro. Tem conseguido apenas acumular cada vez mais distorções.” (Míriam Leitão, O Globo, 26/6/2014.)

Os ecos da baixaria no Itaquerão e as novas baixarias

* “O que o PT mais teve nestes anos todos foi espaço nos meios de comunicação tanto para defesa quanto para ataque”

“Não parou em pé uma semana a justificativa de que os insultos dirigidos à presidente Dilma Rousseff na abertura da Copa foram obra de ação orquestrada pela ‘elite branca’ presente ao estádio.

“E quem a derrubou foi o mesmo Gilberto Carvalho, secretário-geral da Presidência da República, que em janeiro último pôs abaixo a versão oficial sobre os protestos de junho de 2013. Segundo o governo e o PT, a ebulição era produto do êxito das administrações petistas que tornaram as pessoas mais exigentes e o ‘Brasil mais forte’, na expressão da presidente.

“Na ocasião, Carvalho falava no Fórum Social, em Porto Alegre, e desabafou com franqueza sobre as manifestações: ‘Ficamos perplexos, fizemos tanto por essa gente e agora eles se levantam contra nós’. Ele se dirigia a uma plateia amiga, como anteontem, quando disse a um grupo de blogueiros e militantes governistas que no Itaquerão ‘não tinha só elite branca’.

“Nesse movimento de duas avaliações diversas para um mesmo fato, o ministro relatou que viu ‘muito moleque’ nas imediações do estádio falando palavrão. Pôde constatar, portanto, que ‘a coisa desceu’.

“Por ‘coisa’ ele entende o seguinte: ‘A história de que não combatemos a corrupção, que aparelhamos o Estado, que somos um bando de aventureiros que veio aqui para se locupletar’.

“Não é exatamente uma ‘história’, mas sim o que se ouve em toda parte, de todo tipo de gente que nos últimos 12 anos viu o PT contrariar antigas bandeiras, proteger corruptos, abafar escândalos, se aliar ao que de pior existe na política, zombar da ética, ter sua antiga cúpula condenada à prisão, tratar a Petrobrás com desmazelo, ser tolerante com a inflação, irresponsável com o gasto público e governar pela lógica eleitoral.

“Nessa mesma reunião, o ministro defendeu a tese para lá de controversa segundo a qual o governo perdeu a batalha da comunicação para a ‘mídia conservadora’ porque não soube ‘fazer o debate’ da maneira correta. Como não houve uma defesa competente, pelo raciocínio de Gilberto Carvalho abriu-se o espaço para a alteração da correlação de forças políticas que resulta agora na ‘eleição mais dura para o PT’.

“Ora, o que o PT mais teve nestes anos todos foi espaço nos meios de comunicação tanto para defesa quanto para ataque. Nos dois governos de Lula, o presidente discursava todos os dias. Quando o partido e o governo acharam desnecessário explicar suas propostas, ou apresentá-las à sociedade de qualquer maneira na base da pura enganação, como fez com os ‘pactos’ de junho de 2013, foi em decorrência da soberba sustentada na certeza da popularidade inesgotável.

“Esse mesmo governo que agora atribui suas dificuldades eleitorais à influência da ‘pancadaria’ dos meios de comunicação quando estava com altos índices de aprovação jactava-se de ‘derrotar’ sistematicamente a imprensa num combate que só existia na cabeça do partido e do Planalto.

“As agruras, a mudança na correlação de forças referida por Gilberto Carvalho tem origem nos fatos. O acúmulo de desmandos formou um passivo em que a realidade venceu o marketing. Simples assim.” (Dora Kramer, Estadão, 20/6/2014.)

* “Depois do apito final virão os duros meses da ressaca e o jogo feio e sujo do poder a todo custo”

“Fiquei triste em 50 e pensei em torcer contra o Brasil em 70. Inutilmente.

“Tenho várias Copas na bagagem. Esta é realizada no Brasil sem que os brasileiros fossem consultados. Mesmo assim nos envolve. Resistir é tão difícil como distribuir panfletos políticos nas vésperas do Natal – essa lição aprendi em dezembro de 68, protestando contra o AI-5.

“Sigo a Copa como torcedor apaixonado, mas com uma ponta de razão anoto meus limites. Força, Brasil! Porém não posso comprar tudo o que o Neymar anuncia porque estaria quebrado em pouco tempo. Tampouco posso comer os frangos e lasanhas que o Felipão nos oferece na TV porque engordaria uns dois quilos nesta Copa.

“Também sou brasileiro, mas não consigo achar, como os locutores de TV, ter sido uma indelicadeza escalar um árbitro japonês para apitar Brasil x Croácia. Afinal, ele expulsara Felipe Melo em 2010 na partida contra a Holanda, e o fez com absoluta correção. Por que despertaria más lembranças, por que deveria ser evitado? Yuichi Nishimura marcou um pênalti duvidoso a favor do Brasil. Agora consideram uma delicadeza escalá-lo para apitar nossos jogos.

“Moreno como vocês, não posso embarcar nessa. Muito menos nos insultos a Dilma.

“Sou oposição desde cedo, meio de 2003. Mas acho que as circunstâncias eram especiais. Uma abertura de Copa do Mundo revela um pouco o País. Não precisava uma festa tão mixuruca. Nem, por mais ásperos que sejam os estádios, dizer aquilo a uma senhora, em voz alta, diante de bilhões de espectadores.

“Capitão do time que trouxe a Copa ao Brasil, Lula assistiu ao jogo diante de uma televisão, possivelmente na tranquilidade do lar, ou num refúgio petista.

“Não se xinga uma senhora, mas também é preciso alguma eficácia para executar a tarefa de enfrentar um estádio num momento em que o País está enfurecido com a política. Dilma foi xingada em três estádios no início da Copa. No ano passado houve apenas o que chamamos de uma vaia básica. Ninguém notou gradação, a passagem de uma etapa para outra, que, aliás, já estava aparecendo em alguns shows musicais.

“Tenho insistido na tese da separação radical entre políticos e a sociedade. O Brasil é um carro sem as molas da mediação parlamentar, sem o lubrificante do diálogo democrático: marcha aos solavancos. Mostramos isso ao mundo, ao vivo e em cores.

“Em Brasília os políticos querem que o povo se estrepe, com um verbo começado com f. Nos estádios parcela do povo quer que os políticos tomem naquele lugar. É simples assim, apesar da vulgaridade do enunciado.

“Pelos descaminhos da nossa História recente passamos a nos detestar. E pelos labirintos da nossa cultura erotizamos nossa antipatia recíproca. Supondo que os repórteres tenham o hábito de traduzir as coisas (era assim no passado), grande parte do mundo ficará sabendo a que ponto chegamos. E lamentará, como muitos brasileiros lamentam, que para tanto futebol tão pouco avanço político.

“Quando um governante abraça a idéia da Copa do Mundo em seu país, pensa na sua própria glória. É irônico ser hostilizado na abertura do evento. Lula soube tirar o corpo da reta, deixando Dilma ouvindo frases que não se podem dizer diante das crianças. O ideal seria fingir que não houve nada, seguir com a festa. Nas minhas análises, a explosão de parte do público é o resultado de um longo processo de desgaste. Outros políticos que ali se apresentassem teriam destino semelhante ao de Dilma.

“Lula e o PT não interpretam assim. Continuam se achando populares e bem-amados. Tanto que pretendem radicalizar, a julgar pelas notícias, caso vençam as eleições de novo. Eles acham, como Lula declarou, que os palavrões contra Dilma foram estimulados pela imprensa. Num momento de sua fala menciona o PT na oposição e diz que nunca fez o que fizeram com Dilma. Ora, a imprensa jamais defendeu xingar alguém, apenas despertou a curiosidade para a roubalheira entre o governo e aliados. E os gritos no estádio não podem ser atribuídos a algo organizado pela oposição.

“Lula usou o episódio para fortalecer sua vontade de controlar a mídia e isolar a oposição. É uma reação clássica: supor que as coisas não andam bem por falta de mais repressão e controle.

“A partir dessa lógica, é possível prever dias piores. O PT escolheu os culpados pela reação a Dilma e, como sempre, vai partir para cima. Não se pode dizer que seja uma saída brilhante. Mas foi Isaac Deutscher, na sua trilogia sobre Trotsky, que lembrou bem: as pessoas parecem burras, mas não são; apenas não têm mais margem de manobra.

“Criar conselhos populares numa época informatizada, em que todos podem participar, faria Lenin mexer-se no túmulo, apesar de sua rigidez de corpo e alma. Em pleno século 21, estabelecer o controle da mídia e cair de pau na oposição vai ser muito difícil: pede quadros dispostos a matar ou morrer. Conheço apenas alguns no PT, assim mesmo sobreviventes dos anos 60. Será que a maioria deles, perdida em seus empreguinhos, seus gadgets, suas escapadas à Disneylândia, vai encarar essa tarefa, quase impossível hoje em dia?

“No futebol temos visto a derrota de alguns favoritos, algumas zebras e até a humilhação de grandes times, como o da Espanha. Na política, o ano eleitoral está só começando. Com tantas Copas na bagagem e a lembrança das revoluções do século 20, é preciso sempre cantar para os detentores do poder o verso de Jimmy Cliff: ‘Ooh, the harder they come, the harder they fall, one and all’. Quanto mais forte vierem, mais forte eles cairão, todos e cada um. O que a muitos pareceu um episódio marginal, o clima da abertura da Copa, com as pessoas cantando apaixonadamente o Hino Nacional e insultando a presidente, é um grande sintoma de mal-estar na vida cotidiana brasileira.

“Vinicius falava da grande ilusão do carnaval: a gente trabalha o ano inteiro por um momento de sonho e tudo acaba na quarta-feira. Como no carnaval, tudo acaba com o apito encerrando a Copa. Aí virão os duros meses da ressaca e, lamento prever, o jogo feio e sujo do poder a qualquer custo. Quem seremos no final disso tudo, como revigorar a terra arrasada da nossa convivência política?

“Grandes jogos nos esperam.” (Fernando Gabeira, Estadão, 20/6/2014.)

* O encontro do ministro Gilberto Carvalho com blogueiros e jornalistas chapa-branca é mais um reforço na previsão de que a campanha eleitoral tende à radicalização

“A reunião do ministro-chefe da secretaria-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, com blogueiros e jornalistas chapas-brancas poderia ser contestada por partidos de oposição pelo fato de ter sido realizada no Palácio do Planalto. O encontro, realizado quarta-feira (18/6) e transmitido pela internet, tratou de estratégias de defesa do governo Dilma na rede mundial de computadores, com óbvias intenções eleitorais. Logo, um ato de campanha. Portanto, inadequado a um espaço cujo proprietário é o Estado e não o PT, ou qualquer outro partido.

“Mas costumam ser tantas as transgressões à legislação eleitoral, e não apenas nesta eleição, que os transgressores parecem vencer pelo cansaço. No caso desse ilustrativo encontro, o mais importante terminou sendo as próprias características da reunião e a agenda discutida.

“Talvez pela crescente preocupação com a tendência das pesquisas eleitorais, lulo-petistas começam a se descuidar. Escancaram conversas sugestivas entre uma autoridade, blogueiros e jornalistas ligados ao PT, muitos dos quais atuam apoiados financeiramente por meio de anúncios de estatais. Recebem dinheiro público.

“Essa reunião reforça a previsão de que a campanha deste ano tende à radicalização. E, como já aconteceu no passado, a internet será campo de uma guerra suja, espaço livre a calúnias e difamações. De lado a lado.

“O tom já havia sido dado por Lula, líder máximo do partido, ao acusar a ‘elite branca’ pela vaia e xingamentos a Dilma, no jogo de abertura da Copa, e responsabilizar pela clima oposicionista a ‘mídia conservadora’. Só faltava esta: o PT racializar a disputa eleitoral. No lado oposto, o candidato Eduardo Campos (PSB) conclamara os eleitores a tirar os ‘ladrões’ de Brasília. Enquanto Aécio Neves procurou razões para explicar a inaceitável ofensa pessoal à presidente da República.

“O truque de animar a militância petista atiçando-a contra a imprensa profissional e independente não é novo. E o encontro de Carvalho com parte da tropa de choque petista no mundo digital serviu para atiçar ainda mais a militância. A que age muitas vezes sob anonimato na internet. O ministro, setorista de ‘movimentos sociais’ no governo e no PT, quer apoio da tropa à criação da rede de comissões instituída por decreto-lei e sob risco no Congresso, pois ficou evidente seu objetivo de ampliar o aparelhamento da máquina pública e drenar poder do Legislativo. ‘Temos de comprar esta briga!’, conclamou Gilberto Carvalho. É o que ele chama de ‘fazer o debate na mídia’ (sic).

“Em troca, os militantes digitais petistas pediram mais dinheiro público (da verba de publicidade oficial), a ‘regulação da mídia’ (censura à imprensa profissional) e até o uso da TV Brasil como instrumento político. Se podem fazer reunião partidária no Planalto, por que não colocar a TV pública na campanha? Tem uma lógica.

“O encontro de quarta ensinou tanto quanto a mais profunda análise da conjuntura política.” (Editorial, O Globo, 21/6/2014.)

* “A pregação da luta de classes, mote desde sempre das campanhas eleitorais do PT, desvirtua um dos fundamentos da sociedade democrática, o de que para se conquistar o bem comum é preciso somar e não dividir”

“Campanha eleitoral – e não se trata de outra coisa – é assim mesmo, quando os poderosos de turno resolvem se beneficiar das fragilidades das instituições democráticas: vale o que parece, não o que é; importa a versão, danem-se os fatos. E nessa aventura marota, na qual mergulhou de cabeça para evitar um desastre para o PT em outubro, Luiz Inácio Lula da Silva é insuperável. Por isso, não se pode negar razão ao senador Aécio Neves, agora candidato oficial dos tucanos à Presidência, quando declarou, na segunda-feira à noite em São Paulo: ‘Não vamos cair nessa armadilha do debate que apequena a política, do nós contra eles, da disputa de classes’.

“A pregação da luta de classes, mote desde sempre das campanhas eleitorais do PT, desvirtua um dos fundamentos da sociedade democrática, o de que para se conquistar o bem comum é preciso somar e não dividir. Desde suas origens políticas na luta sindical, Lula notabilizou-se por ‘partir para cima’ de seus ‘inimigos’, atacá-los sem trégua, eliminá-los sob qualquer pretexto. Houve apenas uma ocasião em que mudou de tática: por recomendação de seus marqueteiros, para consolidar a tendência de vitória nas eleições de 2002 passou a encenar o ‘Lulinha paz e amor’. Tal como faria pouco depois, ao renegar, na famosa Carta aos Brasileiros, a pregação estatizante com que até então combatia a política econômica do governo FHC, Lula abandonou temporariamente – só temporariamente – sua vocação visceral para ‘guerra e ódio’.

“A mesmíssima prática marqueteira de manipular os fatos para impor a versão que mais lhe convém Lula adota agora na tentativa de transformar em limonada o intragável limão da manifestação anti-Dilma ocorrida na Arena Corinthians. Ninguém provido de um mínimo de sensatez, educação e civismo aprova o modo grosseiro, com o uso de expressões chulas, com que a presidente foi ofendida pela multidão.

“Feita a ressalva necessária, é preciso também repelir com veemência a canhestra tentativa lulo-petista de apresentar o episódio do Itaquerão como prova de que Dilma é ‘vítima das elites’. Absolutamente, não. Registre-se que o ministro Gilberto Carvalho, homem de Lula dentro do Palácio do Planalto, saiu-se na última quarta-feira com a aparentemente surpreendente versão de que o episódio do Itaquerão não deve ser debitado a uma iniciativa da ‘elite branca’ presente no evento, mas é o resultado da ‘pancadaria diária’ de que o governo e o PT são vítimas nos meios de comunicação. Trata-se de uma variante tática do jogo lulo-petista, que merece comentário à parte.

“O fato é que a contundente manifestação no estádio corintiano foi o resultado do mesmíssimo sentimento de insatisfação difusa que desde junho do ano passado tem levado diariamente às ruas brasileiros que, frustrados por mais de uma década de um ufanismo mirabolante e vazio, começam a se dar conta de que caíram num enorme conto do Lula. E mesmo que se admita, apenas para argumentar, que a manifestação anti-Dilma no Itaquerão tenha sido obra exclusiva da ‘zelite’, esta pode ser condenada por se ter comportado em relação à chefe do governo do PT exatamente da mesma forma como o PT e seu governo se comportam em relação a ela, a ‘elite’? Colhe-se o que se planta.

“De qualquer modo, é profundamente lamentável que, faltando ainda quase quatro meses para o pleito de outubro, a campanha eleitoral esteja enveredando pelo descaminho da retórica belicosa com que Lula e o PT pretendem, em desespero, aprofundar entre os brasileiros a divisão alimentada pelo ódio. E por essa perspectiva desanimadora é também responsável a oposição, que entra no jogo do lulo-petismo em vez de se concentrar numa campanha propositiva, que desmistifique, com objetividade e clareza, a empulhação populista de Lula e sua sucessora, aponte caminhos viáveis para garantir as inegáveis conquistas sociais e econômicas dos últimos 20 anos e defina uma rota segura para devolver ao Brasil a certeza de que estará rumando em direção à prosperidade econômica e à justiça social.

“É preciso tirar o ódio do caminho e estimular a cidadania, valorizar a unidade na diversidade e lutar, com genuíno espírito democrático, por um Brasil de todos.” (Editorial, Estadão, 21/6/2014.)

* É tudo culpa da mídia golpista da zelite branca de zôio azul, e o jeito é fazer o ‘controle social’ dos meios de comunicação e o Estado dar muita grana para os blogueiros progressistas

“O PT não desiste: é tudo culpa da mídia. Depois de Lula ter proclamado aos quatro ventos que o lamentável episódio das ofensas dirigidas a Dilma Rousseff no jogo de abertura da Copa do Mundo foi obra da ‘zelite’, seu homem de confiança no Palácio do Planalto, o ministro Gilberto Carvalho, manifestou opinião diversa, mas não necessariamente divergente, que na verdade ‘aprimora’ o argumento petista: a culpa é da ‘pancadaria diária’ dos meios de comunicação no lombo do PT e de seu governo.

“Ajudam a entender as intenções do ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência as circunstâncias em que ele se manifestou. Circunstâncias que, de resto, demonstram claramente o que o PT entende por ‘democratização da mídia’: uma reunião, no Palácio do Planalto – patrocinada, portanto, com recursos de todos os brasileiros -, com blogueiros e ativistas militantes ou simpáticos ao lulo-petismo, convocados para tratar da necessidade de se articularem e unificarem o discurso contra a ‘direita militante que não havia antes’, para fazer ‘o debate da mídia para valer’ (não ficou claro se o ‘para valer’ se referia ao debate ou à mídia).

“Não é a primeira vez que os blogueiros e comunicadores ativistas simpáticos ao PT são convocados para debater seu peculiar senso de exercício democrático do jornalismo. Com Lula já estiveram, recentemente, duas vezes, a última no dia 8 de abril. E desses encontros saem sempre com munição adequada para atacarem nas redes sociais os adversários, aliás, ‘inimigos’ do PT.

“E não foi com outro objetivo que Gilberto Carvalho, o responsável no governo pela articulação dos ‘movimentos sociais’ manipulados pelos petistas, reuniu a tropa, nunca é demais registrar, na sede do Poder Executivo, bem pertinho do gabinete da presidente da República. O tema dominante na agenda do encontro foi a luta pela aprovação do polêmico decreto da Presidência que cria conselhos de participação popular para a formulação de políticas públicas em todo o aparelho estatal.

“Carvalho enfatizou a necessidade de articulação política de todos os comunicadores que apoiam o governo com base no argumento central dos ideólogos do partido e da campanha eleitoral petista: o País está dividido entre ‘esquerda’ e ‘direita’, esta fortemente apoiada pela ‘mídia conservadora e hegemônica’. E foi neste contexto que, para reforçar a argumentação, chamou a atenção para o episódio do Itaquerão: ‘Lá no Itaquerão não tinha só elite branca! Eu fui para o jogo, não no estádio, fiquei ali pertinho numa escola, para acompanhar os movimentos. Eu fui e voltei de metrô. Não tinha só elite no metrô não! Tinha muito moleque gritando palavrão dentro do metrô que não tinha nada a ver com elite branca’.

“E, mais adiante: ‘A coisa desceu! Tá? Isso foi gotejando, água mole em pedra dura, esse cacete diário de que não enfrentamos a corrupção, que aparelhamos o Estado, que nós somos um bando de aventureiros que veio aqui para se locupletar, essa história pegou! Na classe média, na elite da classe média e vai gotejando, vai descendo! Porque não demos combate, não conseguimos fazer o contraponto. Essa eleição agora vai ser a mais difícil de todas’.

“Seria ingênuo imaginar que Carvalho estaria fazendo um exame de consciência, um ato de contrição e reconhecimento da incapacidade petista de transmitir sua mensagem às massas. Muito ao contrário, simplesmente reafirmou a tática de vitimização daqueles que começam a se desesperar diante da possibilidade crescente de verem ruir seus planos de permanecer no poder a qualquer custo.

“As manifestações dos ativistas, por sua vez, foram pontuadas por críticas à ‘incapacidade’ do governo de neutralizar a ‘mídia golpista’ e pelas soluções recomendadas para o problema: o ‘controle social’ dos meios de comunicação e o apoio do Estado, com injeção de abundantes recursos, àqueles que se dedicam a ‘defender as causas sociais’. Houve até quem reclamasse do fato de o governo não usar a emissora pública TV Brasil: ‘Eu sei que o senhor não é o dono da TV Brasil, mas a TV Brasil não entra em nada! É preciso que o governo assuma seus riscos para animar os que estão assumindo riscos do lado de cá’. Colocada a questão nesses termos, resta saber o que os ‘do lado de lá’ vão dizer nas urnas de outubro.” (Editorial, Estadão, 22/6/2014.)

* O ministro Gilberto Carvalho pareceu divergir, mas, na realidade, só reforçou o lema do ataque o PT à imprensa

“Na condição de secretário-geral da Presidência da República, interlocutor do governo junto aos movimentos sociais e braço avançado de Lula no Palácio do Planalto, Gilberto Carvalho não seria quem é nem estaria onde está se andasse ou falasse em completa desconexão com os mandamentos do ‘projeto’.

“Quando pareceu divergir do tom ufanista do PT estava dourando a pílula, contornando na superfície um discurso que no conteúdo reforça o lema central de ataque escolhido pelo partido para essas eleições. Senão, vejamos.

“Num primeiro movimento, disse que os insultos dirigidos à presidente Dilma Rousseff na abertura da Copa do Mundo não eram coisa só da ‘elite branca’. Deu a impressão de que fazia uma análise realista e ponderada do cenário. O PT reagiu negativamente.

“Cinco dias depois, no segundo movimento, em entrevista à Folha de S. Paulo, o ministro detalhou o tema. Foi bastante específico ao dizer que o partido se ilude ao achar que ‘o povo pensa que está tudo bem’. Na opinião dele, ‘um erro de diagnóstico’ que impede a aplicação do ‘bom remédio’.

“Em tese haveria ali matéria-prima para polêmica, mas o PT não reagiu. Motivo para se voltar à entrevista. Relendo com lupa, logo se vê a razão do silêncio: justamente o diagnóstico detalhado de Gilberto Carvalho, que isenta o governo de qualquer responsabilidade pelo que não vai bem. A julgar por seu retrato da cena, é uma vítima.

“Não faz ali referência alguma à necessidade de correção nessa ou naquela política governamental. Nada diz sobre inflação, baixo crescimento, inoperância, má qualidade de serviços públicos e tudo o que nas pesquisas aparece como motivo da crescente má avaliação do governo.

“Para o ministro, a origem do mal estar é uma só: ‘Um pensamento conservador que se expressa fortemente por meio dos veículos de comunicação e que opera um cerco contra nós’. O ‘cerco’, segundo ele, ‘tem dado resultado na medida em que ganha amplitude’.

“A receita dele para ganhar as eleições, construir ‘pontes’ com toda a sociedade, não é corrigir o que não anda bem. É, antes, ‘furar esse grande bloqueio, para mostrar ao País num debate aberto, sem mediações, o que de fato foi e está sendo realizado’.

“Quer dizer, ‘de fato’ está tudo bem; errados estão os meios de comunicação que resolveram montar um ‘cerco’ ao governo e, na base de mentiras, tem levado os brasileiros a pensar que algo não vai bem. Aqui a análise do ministro se coaduna perfeitamente com o lema do PT de que a imprensa independente é o inimigo a ser combatido.

“O discurso é coincidente até nas pinceladas de autocrítica, as mesmas de sempre quando o PT se vê de frente para a adversidade: reconhecimento dos erros de ‘alguns’, admissão de que o vírus da ‘velha política’ contaminou o PT, burocratização da estrutura partidária, necessidade de produção de um ‘grande debate interno’ e, claro, a indefectível reforma política.

“Não há, portanto, divergência. Há, sim, convergência de fundo no velho truque de transferir a culpa pela má notícia ao mensageiro e de eleger um foco de hostilidade a fim de distrair a plateia dos problemas concretos.

“Deu certo outras vezes. Pode ser que dê de novo. A conferir se diagnóstico e remédio vão dialogar de maneira eficaz. Primeiro entre si e depois com o eleitorado.” (Dora Kramer, Estadão, 26/6/2014.)

* O pacto solenemente anunciado por Dilma na época das manifestações era só papo furado

“Se o pacto fiscal solenemente anunciado em 24 de junho de 2013, diante de todos os governadores e prefeitos de capitais pela presidente Dilma Rousseff – como sua resposta mais efetiva aos clamores da massa que ocupara as ruas das principais cidade exigindo melhores serviços públicos -, tinha algo além de palavras e vento, um ano depois dele só restam palavras. Se dúvidas ainda havia quanto ao caráter meramente demagógico do anúncio, elas desaparecem diante da piora das contas públicas nos últimos 12 meses em razão de decisões livremente tomadas pelas autoridades federais, como mostrou o Estado (15/6).

“Levantamento feito pela reportagem do jornal constatou que só as medidas provisórias editadas de junho do ano passado para cá criaram despesas, provocaram renúncia fiscal ou ampliaram a dívida pública no valor de R$ 58,2 bilhões. Os efeitos se estenderão por vários exercícios, mas já em 2014 o impacto será de R$ 27,9 bilhões.

“Também considerado parte do pacto, o Congresso até que o cumpriu em parte, ao rejeitar medidas ou adiar decisões que resultariam em mais despesas. Mas aprovou outras que as ampliam, como a que cria a Defensoria Pública da União e a que inclui no quadro de servidores da União funcionários dos antigos territórios.

“O resultado não poderia ser outro. O superávit primário (que exclui das contas o custo da dívida pública) apurado nos 12 meses encerrados em abril último foi inferior, como porcentagem do PIB, ao registrado 12 meses antes.

“E isso ocorreu a despeito das medidas do governo para melhorar o saldo das contas públicas, como a antecipação do pagamento de dividendos das estatais, adiamento de despesas obrigatórias e a não contabilização de determinados investimentos. Embora legais, medidas como essas dificultam a comparação dos resultados fiscais ao longo do tempo.

“Não era o que se prometia em junho do ano passado.

“Convocados então pelo Palácio do Planalto, ali compareceram 27 governadores e 26 prefeitos de capitais, para, junto com a presidente, apresentar à população, assustada com a extensão e os rumos das manifestações de rua, uma resposta que a tranquilizasse. Embora não tivesse discutido previamente com governadores e prefeitos o que anunciaria naquele dia, Dilma falou em pactos.

“Foram cinco, ao todo: um político (a convocação de um plebiscito para a formação de uma Constituinte para a reforma política), um para a saúde, outro para a educação e outro para os transportes, além daquele voltado para a área fiscal. Parecia que, desse modo, se buscariam respostas para as principais reivindicações dos manifestantes.

“Espertamente, porém, Dilma não anunciou metas nem se referiu a outros pontos do que chamara de pacto. Na área fiscal, apenas garantiu que ‘este é um pacto perene para todos nós’, pois, diria em seguida, a preservação dos fundamentos da economia ‘é uma dimensão especialmente importante no momento atual, quando a prolongada crise econômica mundial ainda castiga as nações’.

“Nada a discordar do palavrório presidencial. A preservação de uma política fiscal responsável, que aponte para a eliminação do déficit nominal, e não apenas para a geração do superávit primário prometido, é essencial para assegurar a estabilidade econômica a longo prazo. Se o governo Dilma assumisse, efetivamente, compromisso com uma política fiscal com essas características e a colocasse em prática, o pacto teria tido algum sentido.

“Em novembro, quando já eram claras as indicações de que o pacto fiscal, como os demais anunciados por ela, eram apenas tentativas demagógicas de conter as manifestações de rua, a presidente Dilma Rousseff voltou a insistir no tema. ‘O governo tem perfeita consciência da importância da estabilidade fiscal. A estabilidade fiscal é o alicerce de tudo o que conquistamos’, afirmou em reunião de seu Conselho Político, realizada no momento em que seu governo era intensamente criticado pela má qualidade da política fiscal. O resultado dessa política é um alicerce tão frágil que ameaça a estabilidade econômica.” (Editorial, Estadão, 23/6/2014.)

Os números ruins da semana

* Mercado não acredita no mais recente pacote de incentivo e reduz mais uma vez a previsão de crescimento do PIB, para 1,16%

“O pacote de incentivo à economia, anunciado pelo governo na semana passada, não foi suficiente para convencer o mercado financeiro. Segundo analistas de mais de 100 instituições consultadas pelo Banco Central, o PIB deve crescer 1,16%, ante uma previsão anterior de 1,24%. Para o ano que vem, a projeção também caiu, passou de 1,73% para 1,6%.

“O movimento é influenciado por uma queda na estimativa de produção da indústria, cuja expectativa do mercado passou de expansão de 0,51% para recuo de 0,14%. Se o tombo for confirmado, seria o segundo da produção de manufaturados no governo Dilma Rousseff, após a retração de 2,7% em 2012.

“Com a desaceleração da produção industrial, os analistas passaram a esperar uma contribuição menor do setor no Produto Interno Bruto (PIB).

“Na pesquisa Focus, até 13 de junho, a expectativa era de que o PIB industrial ficasse em 0,59% no ano. Agora, essa projeção recuou para 0,32%. Para 2015, a previsão caiu de 1,90% para 1,70%.

“’Não dá para descartar nada, mas dizer que o PIB pode fechar o ano negativo é muito forte’, disse Luís Otávio de Souza Leal, economista-chefe do banco ABC Brasil. ‘Existe a possibilidade de termos PIB negativo no segundo ou no terceiro trimestre, mas é pouco provável que o ano termine negativo.’

“Para Leal, a Focus deve se estabilizar daqui para frente. As projeções do ABC Brasil para o PIB no segundo trimestre é de uma expansão de 0,3% e, para o fechamento do ano, crescimento de 1,2%.

“Na avaliação de Flávio Combat, economista-chefe da Concórdia Corretora, os investimentos também influenciam o resultado do ano. ‘Os investimentos continuarão travados ao longo deste ano, diante do conjunto de incertezas que rondam a economia brasileira’, observou.” (Victor Martins e Francisco Carlos de Assis, Estadão, 24/6/2014.)

* Brasil tem déficit em transações correntes recorde para maio, de US$6,635 bi

“O Brasil registrou déficit em transações correntes de 6,635 bilhões de dólares em maio, recorde para esses meses e influenciado pela balança comercial e remessas de lucros ao exterior, e novamente não sendo financiado completamente pelos investimentos produtivos.

“Em maio, os Investimentos Estrangeiros Diretos no país somaram 5,963 bilhões de dólares, informou o Banco Central nesta terça-feira. O número veio um pouco melhor do que o esperado pelos economistas consultados pela Reuters, que previam o IED em 5,2 bilhões de dólares.

“A pesquisa também mostrou que as projeções para o déficit em conta corrente ficaria em 6,65 bilhões de dólares em maio, um pouco acima das contas do próprio BC para o período, de saldo negativo de 6 bilhões de dólares.

“No acumulado em 12 meses encerrados no mês passado, o déficit em conta corrente do país ficou em 3,61 por cento do Produto Interno Bruto (PIB). Entre janeiro e maio, o rombo está em 40,074 bilhões de dólares.

“O saldo negativo da conta corrente –que abrangem a importação e a exportação de bens e serviços e as transações unilaterais do Brasil com o exterior– foi impactado pelo baixo superávit da balança comercial em maio, de 712 milhões de dólares, pior resultado para esses meses desde 2002. Também continuou pesando a remessa de lucros e dividendos, que somou 2,356 bilhões de dólares em maio, bem próximo ao montante de 2,363 bilhões em igual mês do ano passado, informou o BC.

“Os gastos líquidos de brasileiros no exterior com viagens atingiram 1,735 bilhão de dólares em maio, ante 1,699 bilhão de dólares em igual mês do ano passado.

“O BC também manteve sua projeção de déficit em transações correntes neste ano em 80 bilhões de dólares, também não mexendo em suas contas para o ingresso de IED no período, em 63 bilhões de dólares.

“No entanto, reduziu a 5 bilhões de dólares a estimativa de superávit da balança comercial neste ano, ante 8 bilhões de dólares, diante da fraqueza das exportações brasileiras.

“A autoridade monetária também reduziu para 26 bilhões de dólares a perspectiva de remessa de lucros e dividendos em 2014, 1 bilhão de dólares a menos do que a estimativa anterior.” (O Globo, 25/6/2014.)

* Volume de investimento estrangeiro no Brasil caiu 1,9% em 2013

“O menor apetite por projetos de alguns setores da indústria e o segmento de serviços geraram a queda do volume de investimentos produtivos para o Brasil no ano passado.

No relatório ‘World Investment Report’, a entidade ligada às Nações Unidas diz que a queda dos investimentos para a indústria manufatureira e o setor de serviços foram os responsáveis pela contração do fluxo total ao País. ‘Isso impôs a diminuição global do investimento’, explica o texto.

“A desaceleração dos investimentos no varejo recebeu atenção especial da Unctad. As estratégias de internacionalização ficaram mais seletivas: alguns dos maiores varejistas do mundo desaceleraram a expansão em alguns grandes mercados, como o Brasil e a China, e passaram a dar mais atenção a outros locais com grande potencial de crescimento, como a África subsaariana’, destaca.

“A entidade cita a norte-americana Walmart e a francesa Carrefour como exemplos de varejistas que mudaram o foco nos mercados emergentes.

“A entidade minimizou a queda do volume para o Brasil. Um dos argumentos é que ‘aumentou consideravelmente’ o investimento produtivo para setores manufatureiros específicos, como as montadoras de veículos, indústria de eletrônicos e bebidas. Além disso, houve forte alta de 86% nos fluxos destinados ao setor primário.

“A recuperação da atividade econômica alavancou o investimento estrangeiro direto ao redor do planeta. Pesquisa da Unctad mostra que o total de investimento produtivo no mundo somou US$ 1,451 trilhão em 2013, cifra 9,1% maior que a registrada em 2012.

“Economias desenvolvidas, como os Estados Unidos e Alemanha, lideraram a atração de recursos. A entidade diz que há ‘otimismo cauteloso’ com a recuperação do fluxo de investimentos.

“O fluxo de investimento produtivo acompanhou a recuperação da atividade econômica em países desenvolvidos e o total de IED para esses mercados cresceu 9,5% no ano, para US$ 565,6 bilhões.

“Para os EUA, por exemplo, o total alocado aumentou 16,8%, para US$ 187,5 bilhões. Para a União Europeia, a alta foi de 14% (US$ 246,2 bilhões), sendo que a austera Alemanha viu o IED saltar 102,4% (US$ 26,7 bilhões).

“A recuperação dos fluxos poderia ter sido maior. O relatório cita que o volume de fusões e aquisições, por exemplo, frustrou expectativas.” (Fernando Nakagawa, Estadão, 25/6/2014.)

* Inadimplência volta a subir e chega a 6,7%; e União injeta mais R$ 30 bilhões no BNDES

“Com o mercado de trabalho em desaceleração e a renda achatada pela inflação, a inadimplência voltou a crescer. As famílias continuam a honrar as prestações da casa própria, mas já deixam atrasar as parcelas de crédito para consumo. Segundo o Banco Central (BC), o nível do calote da pessoa física passou de 4,4% para 4,5% em maio, mesmo patamar de novembro. Nos empréstimos com recursos livres — que financiam o consumo —, a inadimplência das pessoas físicas, estável há três meses, subiu de 6,5% para 6,7%, a maior desde dezembro.

“Entre o dinheiro livre estão os empréstimos mais comuns como crédito pessoal, cheque especial e financiamento de carro. Já a compra da casa própria é feita com crédito direcionado, que tem taxas mais baratas. O brasileiro honra com mais frequência essa dívida. Por isso, o nível de calote das famílias com esse tipo de recurso direcionado permaneceu em 1,9%.

“Enquanto garantem o pagamento do investimento habitacional, as pessoas deixam de pagar carnês de consumo. Segundo o economista do Banco Espírito Santo Flávio Serrano, esse é mais um componente do frágil quadro econômico — de baixa confiança e previsão de aumento do desemprego.

“Não são apenas as famílias que estão com o orçamento mais apertado. O percentual de atrasos das empresas também piorou: passou de 1,9% para 2%, o mesmo de outubro de 2013. Mesmo assim, o BC ainda classifica o cenário como benigno.

“— O quadro de inadimplência é melhor do que o do ano passado. A mensagem que eu quero passar é que foi um aumento pontual e que não deve permanecer para os próximos meses. Para caracterizar isso como uma alta definitiva, teríamos de esperar os próximos meses. É prematuro traçar uma tendência — avaliou o chefe do departamento econômico do BC Túlio Maciel.

“Mesmo com suas finanças mais apertadas e com os juros maiores no mercado, as pessoas físicas recorreram a mais crédito em maio. O volume de concessões de novos financiamentos subiu 4,3% no mês passado. Foram liberados R$ 165,3 bilhões em empréstimos. Na média, as taxas cobradas das famílias subiram 0,2 ponto percentual, para 27,9% ao ano. E os bancos aproveitaram a procura para ganhar mais: a alta foi causada pelo aumento do spread, diferença entre o custo de captação dos bancos e a taxa cobrada dos clientes.

“A procura por crédito, no entanto, não deve se manter aquecida. O cenário é de uma desaceleração. Por isso, o BC revisou as projeções para o crescimento do volume de empréstimos este ano, de 13% para 12%. Em 2013, a expansão foi de 15%. A previsão para o aumento do crédito entre bancos privados nacionais caiu de 10% para 6%.

“O BNDES ganhou ontem (25/6) mais fôlego para emprestar recursos no mercado e estimular o investimento produtivo no país. Em portaria publicada no Diário Oficial, o Ministério da Fazenda autorizou a União a conceder um empréstimo de R$ 30 bilhões ao banco. Segundo técnicos do governo, a idéia é que esse dinheiro seja usado para a concessão de financiamentos. Nos últimos cinco anos, o Tesouro repassou mais de R$ 300 bilhões ao BNDES para turbinar a atividade econômica.

“Ainda ontem, uma portaria da Fazenda autorizou a União a garantir um empréstimo de R$ 500 milhões do BNDES ao Banco do Brasil para obras do Programa de Aceleração do Crescimento, do Minha Casa Minha Vida e de mobilidade urbana.” (Gabriela Valente, com Martha Beck, O Globo, 26/6/2014.)

A inflação

* Em um ano, 70% dos preços dos serviços subiram 6,5% ou mais

“Os serviços são e devem continuar sendo um dos maiores combustíveis da inflação. Levantamento do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) mostra que cerca de 70% dos serviços captados pelo índice oficial de preços, o IPCA, tiveram aumento igual ou superior a 6,5% (teto da meta) nos últimos 12 meses. Desses, 42% avançaram mais de 9%. No topo, serviços como ingresso para jogo (15,64%), aluguel residencial (10,35%), lanche fora de casa (12,40%), educação infantil (11,93%), estacionamento (10,16%), consultas médicas (10,70%), empregado doméstico (11,10%), manicure (10,14%) e cabeleireiro (9,11%).

“O acompanhamento dos serviços na última década mostra uma mudança de patamar de preços. Há dez anos, 46% deles tinham avanços maiores que 6,5%. Na época, 15,8% subiam acima de 9%. Hoje, 19,6% têm alta inferior a 4,5%. Em maio de 2005, eram 28,5% nessa faixa.

“Na opinião da coordenadora técnica do Boletim Macro do Ibre, Silvia Matos, a inflação de serviços incomoda, sobretudo, porque a economia caminha a passos lentos:

“— Estamos mais fracos na economia, e a inflação de serviços não está desacelerando. A demanda cresceu muito, e a mudança de preços relativos tem a ver com essa mudança de renda das pessoas. Hoje, para cair, teria de haver uma recessão na economia ou a perda de emprego para se tirar o filho da escola particular ou cancelar o plano de saúde privado. É muito difícil que os serviços que rodam a 9% voltem para 6%.

“Serviços influenciados diretamente pela renda, e pela valorização do salário mínimo, são condomínio, manicure, cabeleireiro, depilação, conserto em imóvel, empregado doméstico — todos aqueles com grande uso de mão de obra. Hoje esse grupo sobe 9,7% em 12 meses e responde por 25% de todo o IPCA de serviços.

“Entre os serviços que sobem bem acima de 6,5% estão ainda aluguel residencial e estacionamento, a reboque do aquecimento imobiliário. Pesam cerca de 10% no IPCA de serviços, nas contas da pesquisadora. A alimentação fora de casa, outro campeão de preços, avança 9,7% em 12 meses. Para a classe média, pesam ainda serviços como consultas com médicos e dentistas.

“Com avanços abaixo de 6,5% ou deflação, há serviços de comunicação, como TV paga e celular, e bancários, ambos com mais uso de tecnologia.

“Para o economista Joaquim Elói Cirne de Toledo, com salários caminhando acima do IPCA, a grande disseminação de serviços com preços altos é um processo quase ‘natural’:

“— É exatamente o que se esperava. Serviço é salário. Quando se olha a economia como um todo, nosso problema não é a falta de demanda, mas de competitividade dos bens comercializáveis.

“Boa parte dos analistas do mercado prevê que o IPCA estoure o teto (6,5%) da meta em junho, e os serviços deverão ter influência importante. Os últimos dados da inflação mostram que os preços de serviços contam com um impulso adicional da Copa do Mundo. O IPCA-15, prévia do índice oficial de preços, em junho mostrou alta de serviços prestados a famílias, como alimentação fora do domicílio, excursões, hospedagem e tarifas aéreas.

“— Depois da Copa, será o momento de se verificar se houve arrefecimento nos serviços. Se houver, será saudável, porque veremos um efeito da política monetária — afirma Silvia.

“O Ibre projeta que a inflação de serviços termine o ano em 8,4%, pouco abaixo dos 8,7% de 2013. A Pnad Contínua, pesquisa mais ampla a respeito do mercado de trabalho, é uma das razões para os economistas do instituto não estimarem um desaquecimento tão grande da economia. A pesquisa mostrou no primeiro trimestre a criação de 1,77 milhão de vagas, um cenário diferente das principais metrópoles, onde a ocupação está estacionada.

“A manicure Sandra Ferreira trabalha em um salão no Centro do Rio e não está confiante no efeito Copa sobre a clientela. Normalmente, faz as mãos de até 13 clientes. Com o expediente terminando mais cedo em escritórios do entorno, o serviço caiu à metade. Como ganha comissão, a partir de um salário de cerca de R$ 700, ela se preocupa:

“— A Copa está dando prejuízo para nós. Ontem atendi apenas quatro clientes.

“A dona do salão, Fátima Freitas, também se mostra pessimista com a economia:

“— O poder aquisitivo das pessoas vai caindo e aí se prioriza o que é necessário. Muitas mulheres estão fazendo a unha e coloração em casa.

“O economista Bruno de Conti, do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica da Unicamp, reconhece que a inflação incomoda, mas considera que a mudança de patamar de preços dos serviços ligados ao salário mínimo revela melhora na renda de quem faz essas atividades.

“— Faz parte de um processo quase civilizatório de melhoria, ainda que marginal, na distribuição de renda, que era e continua sendo aberrante. Apesar de a inflação estar alta, os reajustes, na maioria, têm sido suficientes para repor as perdas.” (Clarice Spitz, O Globo, 20/6/2014.)

* Juro baixo em 2013 – uma exigência de Dilma – turbinou a inflação atual, dizem analistas e até gente do próprio governo

“Cresce dentro do governo a convicção de que o Banco Central (BC) errou a mão ao testar qual seria o juro neutro do país, ou seja, qual patamar da taxa básica (Selic) teria neutralidade: não alimenta nem combate a inflação. No início de 2012, a autoridade monetária decidiu mostrar ao país que não seria necessário mais usar taxa de juros em níveis muito altos para conter a alta de preços. Em outubro do mesmo ano, o Comitê de Política Monetária do BC (Copom) derrubou a Selic para 7,25% ao ano, a menor da história. Os juros básicos da economia ficaram nesse patamar até abril de 2013.

“Segundo técnicos da própria equipe econômica, foi essa estratégia — arquitetada pelo Palácio do Planalto — que criou o atual problema inflacionário do país.

“— Todo esse problema que estamos vivendo hoje começou aí. O BC errou na mão. Se o problema fosse apenas o choque de alimentos, a inflação já teria cedido — disse uma fonte do governo.

“A opinião não é restrita aos bastidores do governo. É amplamente difundida entre economistas do mercado.

“— Não havia condições para a Selic cair para 7,25% ao ano naquela época: a inflação estava muito alta e a política fiscal estava frouxa. Isso só aprofundou os desequilíbrios da economia — argumentou o economista-chefe da SulAmérica Investimentos, Newton Rosa.

“Para Rosa, o resultado da política do BC foi o oposto do desejado: encareceu o custo da política de controle dos preços. Segundo ele, agora, é preciso uma carga de juros maior para colocar a inflação na meta. O economista lembrou que o governo precisou tomar medidas para tentar contornar a situação e interferiu diretamente nos preços das tarifas públicas. Assim, criou mais uma distorção econômica.

“— E isso tudo nem ajudou a economia a crescer mais.

“Já para o economista-chefe da corretora Gradual, André Perfeito, o BC fez certo ao cortar os juros na época. Ele lembrou que a Europa estava à beira do colapso e diminuir o custo do dinheiro era a melhor saída. No entanto, ele ponderou que o Banco Central errou ao demorar tempo demais para reagir e voltar a aumentar a Selic.

“— O BC fez o correto porque em 2012 vivíamos num mundo em que todos os manuais foram rasgados e o experimentalismo reinava na política monetária — ressaltou Perfeito, antes de admitir:

“— Mas o Banco Central errou ao deixar a taxa muito baixa por muito tempo.

“A Selic foi mantida no piso histórico até abril do ano passado, quando o processo de elevação dos juros foi retomado, com alta em todas as reuniões do Copom. Atualmente, a taxa está em 11% ao ano. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), usado oficialmente no sistema de metas inflação, acumula alta de 6,37% nos últimos 12 meses.

“O objetivo do Banco Central é fazer com que essa inflação fique em 4,5%, com uma uma margem de tolerância de dois pontos percentuais. É nesse limite de manobra que está estacionada a inflação desde 2009. Os analistas mais pessimistas preveem que o IPCA, em 12 meses, estoure o teto da meta já neste mês.

“Na quinta-feira (26/6), o BC atualizará suas projeções quando divulgar o relatório trimestral de inflação, o seu documento mais importante. No mais recente, o prognóstico não era nada bom: o IPCA não chegaria ao centro da meta nem no primeiro trimestre de 2016. Agora, o quadro pode estar um pouco melhor porque os juros estão mais altos que em março e o dólar está mais fraco.” (Gabriela Valente, O Globo, 24/6/2014.)

* “Segurar artificialmente as cotações do dólar para conter a inflação é um erro mortal, mas não é causa; é consequência de erros mortais anteriores”

“Em entrevista ao jornalista Ricardo Leopoldo, publicada ontem (24/6) no Estadão, o ex-ministro Delfim Netto advertiu que ‘conter inflação com câmbio’, como está fazendo o governo, ‘é erro mortal’. Mas emendou: ‘É o único recurso disponível no momento’.

“O que Delfim está dizendo é que o governo está segurando artificialmente (por meio de venda de moeda estrangeira) as cotações do dólar para que o achatamento dos preços dos produtos importados ajude a combater a inflação. É erro mortal porque destrói a competitividade da indústria; porque um dia a bomba terá de ser desarmada; e porque cria outras distorções.

“O que se pode acrescentar ao que disse Delfim é a observação de que esse erro mortal não é causa; é consequência de erros mortais anteriores.

“Se está sendo preciso segurar a inflação com o câmbio é porque o governo deixou a inflação disparar para níveis inaceitáveis. E se ela disparou foi porque o governo deixou o Banco Central sozinho na parada e não cuidou da disciplina fiscal (controle das finanças públicas).

“Além disso, uma das causas do atual nível de fragilidade das finanças públicas é a arrecadação insuficiente de impostos, que também é consequência do baixo crescimento do PIB, que não cria produto nem fato gerador de impostos.

“O ministro Guido Mantega vai fazendo o contrário do que pregou. Passou meses reclamando da excessiva entrada de dólares e da guerra cambial feita pelo Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) e, no entanto, quando estava em suas mãos trabalhar pela desvalorização do real (alta do dólar), para dar competitividade à indústria, fez o contrário, como agora.

“Mesmo quando não estava no governo, Mantega foi um dos críticos da utilização do câmbio como instrumento de controle da inflação (âncora cambial). Combateu, também, a prática de juros altos que favorece a entrada de capitais especulativos, aqueles que desembarcam por aqui para ganhar com aplicações no mercado financeiro. E, no entanto, foi Mantega que há três semanas removeu o IOF de 6% para zero por cento, para facilitar a entrada desses capitais e para ajudar a derrubar (ou a manter) as cotações do dólar à altura dos R$ 2,20.

“Como segura os preços dos produtos importados, o câmbio represado é um atraso que se junta ao dos demais preços administrados (como os da energia elétrica e dos combustíveis), que não foram atualizados para evitar que a inflação vá para o céu.

“Assim, o que vale para os preços administrados vale também para o câmbio. Quando as comportas se levantarem a inflação acabará decolando. O câmbio travado por decisão do governo e pela ação do Banco Central é fator adicional de insegurança, na medida em que os empresários evitam assumir compromissos em moeda estrangeira ou, se já estão amarrados a obrigações futuras em dólares, preparam-se para se defender quando a política mortal não puder ser mais sustentada.

“Delfim tem razão quando afirma que, dadas as circunstâncias, o governo não encontra outro recurso senão manter o erro por mais alguns meses. Mas o caráter mortal da operação não se altera.” (Celso Ming, Estadão, 25/6/2014.)

Emprego é o grande orgulho do governo. Mas mesmo aí há problemas, e graves

* Abertura de vagas formais cai à metade em maio

“O mercado formal de trabalho teve em maio a terceira piora seguida na geração de empregos, em relação ao mesmo período de 2013. O resultado do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho, que será divulgado na próxima semana, já é conhecido pela presidente Dilma Rousseff. Em maio do ano passado, o saldo entre contratações e demissões foi de 72 mil. No mês passado, esse número caiu quase à metade.

“Foi o pior desempenho para o período nos últimos dez anos. Em maio de 2003, o saldo foi de 140 mil vagas. No mesmo período de 2009, quando o país sentia os impactos da crise internacional, foram criados 131,5 mil postos.

“O principal motivo dessa menor geração de vagas é a retração acentuada da atividade industrial, que deve vir com saldo negativo em maio, com as demissões superando as contratações. A estagnação da economia como um todo também pesa nesse resultado.

“O mercado projeta em torno de 100 mil vagas geradas em maio, bem acima dos números que chegaram ao Palácio do Planalto. Diante do ritmo fraco, o ministro do Trabalho, Manoel Dias, deverá rever no próximo mês a meta de criação de postos de trabalho para o ano, estimada inicialmente entre 1,4 milhão e 1,5 milhão. Até abril, o saldo foi de 458.145 vagas.

“Na avaliação de especialistas, a piora nas expectativas para a produção industrial e para o Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país) não aponta para uma recuperação do mercado de trabalho no segundo semestre.

“- A geração de empregos neste ano deverá ficar abaixo do ano passado – prevê o professor do departamento de Economia da PUC-Rio José Márcio Camargo.

“O economista Leandro Câmara Negrão, do Bradesco, destaca que a indústria vem eliminando postos de trabalho e a situação é preocupante. Ele citou também o desempenho fraco do comércio, que fechou 60.587 vagas entre janeiro e abril. Houve desaceleração das contratações na construção civil e na agricultura. O quadro é mais favorável no ramo de serviços, que respondeu por 295.932 vagas até abril.

“- De forma geral, o Caged está fraco, em linha com o ritmo de crescimento econômico – destacou Negrão.

“Segundo especialistas, a taxa de desemprego só não está subindo porque menos pessoas estão à procura de emprego nas regiões metropolitanas.

“- O mercado de trabalho vive uma situação curiosa de poucos empregos e taxa baixa de desemprego. Mas, em algum momento, isso vai mudar – disse Camargo.” (Geralda Doca, O Globo, 21/6/2014.)

* “Não há solução fácil para essa herança maldita que recairá sobre a próxima administração, qualquer que seja ela”

“Na impossibilidade de entregar inflação baixa e um mínimo de crescimento econômico sustentável, o governo alardeia que, pelo menos, conseguiu a façanha de produzir o pleno-emprego.

“Pois, nas atuais circunstâncias, o pleno-emprego é mais problema do que solução. Primeiramente, porque é grave fator de custo para todo o setor produtivo. A principal razão da disparada dos preços não é a seca ou os choques de oferta de alimentos, como vem apontando o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Essas são causas temporárias, que não explicam a persistência da inflação.

“Um dos principais fatores de inflação é o aquecimento excessivo do mercado de trabalho, que puxa os salários para acima da inflação e acima da produtividade da economia. Quem afirma isso não são neoliberais sem coração e sem sensibilidade social, mas o Banco Central que está lá no organograma do governo Dilma. É o que está claro nas Atas do Copom e no Relatório da Inflação. É o setor de serviços, que atua sem concorrência internacional, que mais vem puxando os preços da economia. Como o jornal O Globo apontou sexta-feira (20/6) com base em estudo da Fundação Getúlio Vargas, em 12 meses, nada menos que 70% dos preços dos serviços subiram 6,5% ou acima disso. É também o que puxa para o alto os salários de toda a economia e cria condições para que os movimentos grevistas venham tendo sucesso.

“E, em segundo lugar, o pleno-emprego é mais problema do que solução porque trava ainda mais o crescimento econômico: se não há mão de obra disponível mesmo com esse crescimento miserável de 1,5% ao ano, como haverá se a economia crescer pelo menos 2,5% a 3,0%? É o mesmo raciocínio que se pode fazer diante das precariedades da infra-estrutura: se estradas, portos, aeroportos e comunicação estão como estão com esse crescimento econômico pífio, imagine-se como estariam se fosse mais.

“Nesse quadro, na medida em que cria demanda artificial na economia e mantém aquecido o emprego, o represamento dos preços administrados (combustíveis, energia elétrica e transportes urbanos) bloqueia o ajuste.

“O mercado de trabalho apresenta duas outras distorções graves. A primeira delas é o rombo de R$ 10,4 bilhões no Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), instituição que opera no seguro desemprego. É incompreensível que, num quadro de pleno-emprego, o FAT esteja sendo tão acionado a ponto de esgotar-se. Isso sugere que muita gente deixa de procurar trabalho porque consegue sustento, no mole, nas tetas em que se transformou o FAT.

“A outra distorção é a existência de 9,6 milhões de jovens, ou 39,8% da força de trabalho, no bloco dos nem-nem (nem trabalha, nem estuda). É uma indicação de que as transferências do governo federal vêm desestimulando a procura de emprego.

“Não há solução fácil para essa herança maldita que recairá sobre a próxima administração, qualquer que seja ela. E é por isso que os analistas preveem um 2015 destinado a uma parada técnica, com inflação ainda alta e com um baixo desempenho da economia.” (Celso Ming, Estadão, 22/6/2014.)

* Construção civil pára de puxar emprego no País

“O emprego na construção civil, que representa cerca de 8% do total de ocupados no País e foi fundamental para geração de postos de trabalho com carteira assinada nos últimos anos, dá sinais de enfraquecimento. Com 3,5 milhões de trabalhadores, a evolução em 12 meses do emprego do setor em abril ficou praticamente estável. Em março a ocupação na construção já tinha surpreendido negativamente pelo fato de inverter a recuperação que ocorria desde o final do ano passado

“A perda de fôlego do emprego no setor aparece em pesquisas diferentes. Ao lado da indústria, o fraco desempenho da construção civil colaborou, por exemplo, para a modesta geração líquida de postos de trabalho da economia como um todo em abril, ressalta o economista da LCA Consultores, Fabio Romão. Ele observa que esse movimento é nítido tanto no resultado do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho, como no da Pesquisa Mensal de Emprego (PME), do IBGE.

“Em abril, entre contratações e demissões, foram abertas apenas 4,3 mil vagas na construção civil, o menor resultado para esse mês desde 2003, segundo o Caged. Pela pesquisa da PME, a ocupação na construção civil caiu 3,1% em abril em relação ao mesmo mês de 2013. Em março, a ocupação do setor tinha recuado 0,5% na comparação anual.

“Também a Sondagem da Construção da FGV confirma a tendência de desaceleração. O indicador de mão de obra prevista para os próximos seis meses diminuiu 10 pontos entre maio de 2013 e maio de 2014, ao passar de 123,4 para 110 pontos, respectivamente. ‘Por enquanto, o que se vê é menos empresas dizendo que vão contratar e mais empresas que vão demitir, mas o saldo ainda é positivo em relação à contratação’, afirma a coordenadora de Projetos do Instituto Brasileiro de Economia da FGV e responsável pela sondagem, Ana Maria Castelo. Ela pondera que esse resultado da sondagem não indica demissões em massa, porque o saldo é positivo em relação às contratações, mas a diferença é menor.

“O enfraquecimento do emprego na construção é mais nítido no segmento imobiliário, que responde por quase 40% do pessoal ocupado. ‘Nos últimos três meses no segmento de edificações, houve uma deterioração do emprego bastante consistente e, na infra-estrutura, ocorreu uma instabilidade muito grande’, diz Ana Maria.

“Entre os motivos que explicam o enfraquecimento do emprego na construção, ela aponta a finalização das obras da Copa, mas principalmente o cenário desigual no setor imobiliário, com recuo no emprego na região Norte, em Estados do Nordeste, como Pernambuco, Alagoas e Maranhão: ‘O emprego no Sul, no Sudeste e no Centro-Oeste, exceto no Distrito Federal, está positivo, mas não é suficiente para gerar resultados robustos na média do País.’

“Na avaliação de Eduardo Zaidan, vice-presidente de Economia do Sinduscon-SP, que reúne as construtoras, o estoque de ocupados na construção não está subindo tanto como no passado porque nível atual é muito elevado. São 3,5 milhões de trabalhadores ocupados, uma marca recorde. O fator apontado por ele para a estagnação do emprego é o aumento de produtividade do trabalho. ‘É difícil ocorrer desemprego. No último quadrimestre poderemos ter alguma redução, mas no último bimestre do ano isso é sazonal.’

“O enfraquecimento do emprego na construção indica um crescimento menor do PIB do setor. Entidades ligadas à construção e consultorias estão reduzindo as previsões para 2014. O Sinduscon-SP projetava crescimento de 2,8% e agora espera um avanço entre 1% e 2%, mais próximo da faixa inferior. A consultoria Tendências, que esperava alta de 2,2%, cortou a estimativa para 0,6%. Segundo Claudia Oshiro, da consultoria, se a projeção se confirmar, essa será a menor taxa de expansão desde 2009.” (Márcia De Chiara, Estadão, 23/6/2014.)

* Sai o número oficial: criação de emprego formal tem o pior resultado para um mês de maio em 22 anos

“Na última vez que um mês de maio registrou saldo de criação de vagas inferior às 58.836 geradas no mês passado, o presidente da República era Fernando Collor. Nos últimos 22 anos, apenas em maio de 1992 o saldo de vagas com carteira assinada foi inferior ao divulgado ontem pelo governo.

“Mas, segundo o ministro do Trabalho, Manoel Dias, o saldo do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) não traz uma notícia ruim, se visto em perspectiva. Com as 58,8 mil vagas formais criadas, o governo Dilma Rousseff superou a marca de 5 milhões de postos de trabalho com carteira assinada criados em sua gestão. ‘Isso demonstra a força de nossa economia’, disse Dias.

“Nos três meses entre março e maio, o ritmo de geração de emprego perdeu força no Brasil, apesar do quadro ainda muito positivo do mercado de trabalho em geral. No ano, o Caged apontou a criação de 543,2 mil vagas com carteira assinada, uma queda de 28 % em relação ao mesmo período do ano passado. O ministro do Trabalho disse que vai informar, dentro de um mês, a nova previsão de saldo para 2014 – a previsão atual, de 1,5 milhão de empregos, deve ser revisada para baixo.

“Economistas do mercado financeiro e de consultorias avaliam que parte desse freio ocorreu por efeito das medidas de aperto na economia, conduzidas pelo governo, como a forte elevação da taxa básica de juros.

Para o ministro, que reconheceu o ritmo mais fraco do mercado de trabalho, em especial na indústria de transformação, o pessimismo que vigorava no País até o início da Copa do Mundo, em junho, foi determinante. ‘O pessimismo explica o resultado fraco da indústria em maio, mas acredito que o novo pacote de medidas anunciado pelo governo para o setor na semana passada e o início de uma fase mais otimista darão resultado’, disse Manoel Dias, para quem o saldo do Caged teria sido ‘de 100 mil vagas não fosse a indústria’.

“Apenas um segmento industrial registrou saldo líquido positivo no mês passado – o setor de indústria química, com 3,1 mil vagas. Todos os demais 11 segmentos (metalúrgico, mecânico, calçados, produtos alimentícios etc) fecharam o mês de maio com mais demissões do que contratações – foram 28,5 mil, ao todo. Segundo dados obtidos pelo Estado, o fechamento de vagas com carteira assinada nas fábricas em maio foi inédito. Nunca, em 22 anos, a indústria tinha fechado o mês de maio no vermelho.

“‘O dinamismo no mercado de trabalho está concentrado no setor de serviços, mais especificamente em alojamento, alimentação, reparo e manutenção’, anotou o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, doutor em economia pela USP. Segundo ele, o Caged confirma a avaliação de que o segundo trimestre registra uma desaceleração do Produto Interno Bruto (PIB).

“A economista-chefe da Rosenberg Associados, Thais Zara, concorda: ‘O resultado do emprego formal em maio é ruim e confirma a tendência declinante que já vinha acontecendo’. No primeiro trimestre, o PIB cresceu 0,2 %. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, após a divulgação do dado pelo IBGE, disse que a economia brasileira crescería mais no segundo trimestre.

“Para André Perfeito, economista-chefe da Gradual Investimentos, os dados do Caged mostram que o aumento da taxa básica de juros para combatera inflação, ‘que é efeito e causa do pessimismo generalizado com o País, está surtindo efeito’.” (João Villaverde e Laís Alegretti, Estadão, 25/6/2014.)

Os erros na área de energia

* Cresce o custo da política energética do governo

“Não duraram nem dois anos os pífios efeitos da política de modicidade tarifária para o setor elétrico anunciada em julho de 2012 pelo ministro de Minas e Energia e efetivada dois meses depois por meio de medida provisória. A redução de tarifas prometida pela presidente Dilma Rousseff, de 16% para as residências e de até 28% para as indústrias, se esvaiu com os reajustes deste ano. As tarifas já superam as praticadas antes do corte. Mas a política continuará impondo custos às empresas de energia, em especial às distribuidoras, que pagam pela eletricidade mais do que podem cobrar dos consumidores. A diferença terá de ser coberta parcialmente pelos contribuintes.

“Os custos de R$ 4,6 bilhões, sem contar as indenizações às geradoras, superaram as previsões e foram suportados, no ano passado, pela Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). Mas, neste ano, esses custos foram sucessivamente reestimados e estavam em R$ 12,4 bilhões, em abril. Com nova revisão, poderão crescer outros R$ 8 bilhões, admite o diretor-geral da Aneel, Romeu Rufino. O valor dependerá do preço que as distribuidoras pagarem pela energia.

“O governo ignorou os riscos de um regime pluviométrico desfavorável. Sem chuvas, as distribuidoras que dependem do mercado livre – ou seja, que não tinham contratos de fornecimento assegurados com as geradoras – tiveram de pagar os preços altos da energia térmica. Um único aspecto positivo, no quadro atual, é a diminuição do risco de um racionamento de energia. Mas a armazenagem de água dos reservatórios está longe de ser satisfatória.

“Hoje, o custo médio da energia no mercado livre, chamado de Preço de Liquidação de Diferenças (PLD), é de R$ 367,51 o MWh. Se oscilar entre R$ 300,00 e R$ 400,00, faltarão R$ 5 bilhões no caixa das distribuidoras. Se ficar entre R$ 700,00 e R$ 800,00, podem faltar R$ 9 bilhões.

“Poderá superar a casa dos R$ 20 bilhões, neste ano, o socorro financeiro para as distribuidoras operarem. Parte virá de financiamento bancário, a ser pago a partir do ano que vem com recursos propiciados pelo aumento de tarifas acima dos reajustes regulares previstos nos contratos de concessão. Mas parte virá do governo, dificultando o cumprimento da meta de superávit primário.

“Além do desarranjo do setor elétrico, a política de modicidade tarifária recairá nas contas fiscais. O subsídio elétrico que os consumidores receberam em 2013 passará a ser devolvido a partir do ano que vem.” (Editorial, Estadão, 20/6/2014.)

* É a pior crise já enfrentada pelo setor de etanol. Nas últimas cinco safras, 44 usinas fecharam. Outras 33 estão em regime de recuperação judicial e 12 não moerão cana neste ano.

“A dívida de mais de R$ 60 bilhões acumulada pelas empresas do setor sucroalcooleiro, que limita sua capacidade de investimentos e ameaça a continuidade das atividades das que teimosamente continuam a produzir etanol com certa regularidade, é o resumo financeiro da desastrada política energética do governo do PT na área de combustíveis renováveis. Como fez com as empresas de energia elétrica, às quais prometeu competitividade e crescimento, mas apresentou uma dolorosa conta que lhes comprometeu o equilíbrio financeiro, às empresas sucroalcooleiras o governo do PT prometeu a liderança mundial na produção de energia renovável e limpa para o setor de transportes, mas entregou uma crise para a qual ele próprio não tem nem sequer um esboço de solução.

“Para as empresas que acreditaram no governo e investiram pesadamente na expansão de sua capacidade de produção, hoje soam como escárnio as palavras pronunciadas pelo ex-presidente Lula em 2006, quando se referiu ao ‘novo momento para a humanidade’ que, no seu entender, estava sendo aberto pelo memorando de cooperação para a produção de álcool combustível assinado pelos governos brasileiro e americano. Por convicção ou esperteza, Lula então previu que o Brasil se tornaria referência mundial na produção de etanol de cana, um combustível avançado, de alta produtividade e não poluente.

“O etanol, com certeza, continua sendo um combustível com essas características, mas sua produção no Brasil foi severamente prejudicada pelo governo – o de Lula e mais ainda o de Dilma. Com a descoberta de petróleo da camada do pré-sal, no qual o governo petista viu, mais do que um alívio para a questão energética, um veio de grande valor político-eleitoral, seu interesse pelo etanol decresceu rapidamente.

“Depois, sem se preocupar em conter as pressões inflacionárias por meio de uma política fiscal mais adequada – com redução de suas próprias despesas, para aliviar a demanda interna – e outros mecanismos mais eficazes, entre os quais o desestímulo ao consumo, o governo passou a controlar com mais rigor os preços que têm grande peso na composição dos principais índices de inflação, como o dos combustíveis. Isso prejudicou severamente o desempenho financeiro da Petrobrás, mas prejudicou ainda mais o setor sucroalcooleiro.

“Com o estímulo dado pelo governo do PT, em seu primeiro ano, para a produção de veículos flex, que utilizam álcool e gasolina em quaisquer proporções, também a produção do etanol foi estimulada. Além disso, a obrigatoriedade de adição de álcool à gasolina – justificada por razões ambientais – assegurava uma atraente fatia do mercado para o biocombustível produzido a partir da cana. Este é o lado positivo da política petista para o setor sucroalcooleiro.

“Tudo o que essa política podia ter de positivo, porém, foi destruído pelo controle de preços – conhecido viés petista – também na área de combustíveis. O congelamento por longos períodos do preço da gasolina, além de prejudicar financeiramente a Petrobrás, impôs perdas severas para o setor sucroalcooleiro. Como o álcool tem rendimento inferior ao da gasolina, para que o consumidor opte pelo biocombustível em detrimento do derivado de petróleo, é preciso que o preço seja adequado. O álcool só é competitivo se seu preço não superar 70% do da gasolina.

“Por isso, o congelamento de um, o da gasolina, obviamente impõe também o do outro, do álcool. A Petrobrás teve compensações, embora não integrais, para as perdas que teve com o congelamento, pois foi subsidiada pelo governo, com a redução para zero da alíquota do tributo que incide sobre a gasolina (a Cide). Mas o setor sucroalcooleiro, cujos custos de produção subiram enquanto o preço do álcool estava congelado, teve perdas.

“É a pior crise já enfrentada pelo setor. Nas últimas cinco safras, 44 usinas fecharam. Outras 33 estão em regime de recuperação judicial e 12 não moerão cana neste ano. O espectro do desemprego ronda mil municípios onde se planta cana.” (Editorial, Estadão, 22/6/2014.)

Pacote ruim e requentado

* Entre as medidas, um toque de protecionismo, que favorece os acomodados, sem benefícios para a economia

“Em mais um esforço para reconquistar o apoio do empresariado, a presidente e candidata Dilma Rousseff e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, lançaram um pacote requentado de medidas para ‘reforçar’, segundo a explicação oficial, ‘a competitividade da indústria brasileira’. Alguns benefícios foram remodelados e poderão impor maiores custos ao Tesouro, mas o conjunto dificilmente produzirá resultados melhores que os obtidos nos últimos anos, quando a produção industrial ficou estagnada. Além disso, os investimentos têm permanecido na vizinhança de 18% do Produto Interno Bruto (PIB), muito abaixo do padrão observado em economias emergentes mais dinâmicas, incluídas várias sul-americanas. Antes do anúncio público das bondades, a presidente reuniu-se com 34 empresários no Palácio do Planalto.

“‘A gente podia ter eleição a cada seis meses’, disse o presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Humberto Barbato. A frase pode ter sido uma brincadeira, mas brincadeiras também contam verdades. Nem um marciano recém-chegado poderia desconhecer o sentido eleitoral do encontro e do pacote. Também ficaram evidentes a improvisação das medidas e a pouca ambição da pauta de reivindicações empresariais – algo do tipo ‘qualquer coisa é melhor que nada’.

“O componente mais velho do pacote é o Programa de Sustentação do Investimento (PSI), criado em 2009, quando o Brasil começava a emergir da recessão. A idéia inicial era usá-lo como instrumento de reativação econômica e abandoná-lo em seguida. Mas o PSI, prorrogado várias vezes, ainda deveria valer até o fim deste ano. O governo acaba de esticá-lo novamente, desta vez até o fim de 2015.

“O Tesouro seguirá fornecendo o dinheiro e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) continuará, provavelmente, a aplicá-lo com a mesma eficácia dos últimos anos. Pode-se medir essa eficácia pelo baixo nível do investimento privado e pelo desempenho de uma indústria batida pelos concorrentes em todos os mercados – até na América do Sul e no Brasil.

“Os números do comércio exterior e a participação crescente dos produtos estrangeiros no mercado interno mostram também a ineficácia do Reintegra, em vigor desde 2012. Na versão recauchutada, esse programa será permanente e garantirá ao exportador um benefício fiscal entre 0,1% e 3% do valor faturado. A alíquota será fixada anualmente pelo governo e ficará, neste ano, em 0,3%. Com essa medida, o governo contorna, mais uma vez, a tarefa muito mais complexa de propor e negociar uma reforma tributária.

“Essa reforma é necessária para eliminar uma das principais desvantagens do produtor nacional diante dos competidores estrangeiros. Deveria servir também para eliminar a guerra fiscal entre Estados e racionalizar a tributação, mas nada disso ocorrerá, se depender da disposição do governo e da articulação do trabalho parlamentar.

“Além de ser um pobre substituto para uma reforma tributária séria, o Reintegra beneficia, por enquanto, um número limitado de setores. Segundo o ministro da Fazenda, o governo poderá estudar a inclusão de outros segmentos da indústria, mas nada foi prometido. Também é limitado, por enquanto, o alcance da desoneração dos encargos trabalhistas. Antes do pacote dessa quarta-feira, o governo já se havia prometido tornar permanente essa desoneração.

“Todos esses benefícios, permanentes ou passageiros, são retalhos mal costurados e tornam mais frágil e confuso um sistema fiscal já em más condições e especialmente prejudicado, nos últimos anos, pela contabilidade criativa.

“Com a mudança do Refis, também anunciada, o governo reduziu o pagamento inicial exigido no refinanciamento de dívidas tributárias. Ampliou, portanto, o estímulo à sonegação, conhecido efeito do programa.

“O resto também é o de sempre. A uniformização da margem de preferência para produtos nacionais, nas compras do governo, é mero protecionismo, sem efeito sobre a competitividade internacional. Favorece os acomodados, sem benefício real para a economia.” (Editorial, Estadão20/6/2014.)

* “Fiasco dos últimos anos já mostrou a baixa eficácia das medidas recicladas pelo governo no mais recente pacote eleitoral

“O novo pacote eleitoral da presidente Dilma Rousseff, um mexidão de velhas e fracassadas medidas econômicas, coincidiu com o anúncio de uma nova redução do emprego na indústria paulista. Foram fechados em maio 12.500 postos de trabalho, saldo final das demissões e contratações, segundo informou na quarta-feira a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Foi a maior queda nesse mês em oito anos. O quadro piorou mais sensivelmente nos últimos cinco. A partir de 2009 foram eliminados 130 mil empregos industriais no Estado, conforme estimativa da federação. Enquanto a informação era divulgada em São Paulo, a presidente Dilma Rousseff e o ministro Guido Mantega, da Fazenda, apresentavam a 34 líderes empresariais, em Brasília, um cardápio de medidas conhecidas, requentadas e parcialmente recicladas. Os industriais saíram aparentemente satisfeitos. Teriam rebaixado suas ambições ou suas expectativas, a ponto de se contentar com um pouco mais de protecionismo e de remendos tributários?

“Em 2008, no começo da crise, a produção geral da indústria cresceu 3,1%, porque a turbulência internacional só atingiu o Brasil no fim do ano. O efeito apareceu em 2009, com uma contração de 7,1%. No ano seguinte a expansão chegou a 10,2%, mas a maior parte dessa reação apenas compensou o desastre dos 12 meses anteriores. Nos três anos seguintes, já no mandato a presidente Dilma Rousseff, o cenário foi de estagnação. Em 2011 a indústria produziu apenas 0,4% mais que no ano anterior. Em 2012 o resultado encolheu 2,3%. Esse desastre nem sequer foi compensado pelo avanço de apenas 2,2% em 2013. Nos 12 meses terminados em abril de 2014 a produção foi 1,2% menor que no período imediatamente anterior.

“Uma das medidas agora recicladas, o Programa de Sustentação do Investimento (PSI), foi lançada em 2009. Com dinheiro do Tesouro, o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) deveria ter estimulado a compra de máquinas e equipamentos e a construção de instalações. Seria uma forma de combater a recessão e restabelecer o crescimento da economia.

“O efeito foi muito limitado, esgotou-se em pouco tempo, e o programa, embora concebido como política de curto prazo, foi prorrogado várias vezes. A evolução da indústria de bens de capital (máquinas e equipamentos) também mostra a baixa eficácia do PSI e de outros estímulos.

“A fabricação de bens de capital encolheu 16,5% em 2009 e aumentou 21,3% em 2010, acompanhando a reação geral da indústria. Ainda se expandiu 5% em 2011 e diminuiu 11,2% no segundo ano do atual governo. O crescimento de 11,3% em 2013 apenas compensou aquela retração. Além disso, o investimento nesse período foi muito concentrado em caminhões e máquinas agrícolas, consequência evidente da boa safra. Sem a eficiência do agronegócio o cenário econômico teria sido muito pior. Finalmente, nos 12 meses até abril deste ano, novo recuo da produção de bens de capital, desta vez de 4,8%.

“Como o governo também tem investido pouco e negociado muito lentamente as concessões na área de infra-estrutura, a formação bruta de capital fixo – máquinas, equipamentos, construções particulares e infra-estrutura – pouco avançou nos últimos anos.

“No primeiro trimestre deste ano, essa formação de capital correspondeu a 17,7% do produto interno bruto (PIB). Um ano antes estava em 18,2%. Nos primeiros três meses de 2000 a taxa era 19%. Uma curva com os dados de investimento nos trimestres iniciais dos anos seguintes mostra um recuo até 16,1% em 2004 e 2005 e uma recuperação a partir daí. O pico, 19,5%, foi alcançado em 2011, no começo do atual governo. Desse ponto em diante, houve queda contínua.

“Em outras economias latino-americanas a proporção está na faixa de 24% a 30% do PIB. Tem ficado acima disso em alguns países da Ásia e ultrapassado 40% na China. O governo brasileiro vem prometendo, há anos, elevar o investimento até 24% do PIB. O prazo para cumprir a promessa tem-se alongado seguidamente.

“A escassez de investimentos públicos e privados, somada a outros fatores de atraso, como os baixos padrões educacionais, a burocracia excessiva, a tributação irracional e os erros da diplomacia econômica, explica o desempenho medíocre do País como exportador de manufaturados. Há cerca de um mês o Brasil apareceu em 54.º lugar, entre 60 países, numa classificação elaborada pelo Centro de Competitividade Mundial do IMD, entidade suíça de pesquisa e ensino.

“Alguns analistas e empresários industriais atribuem esse quadro à política de juros altos e ao desajuste cambial. É preciso ser muito ingênuo ou desinformado para aceitar essa explicação. O Banco Central começou a reduzir os juros no fim de agosto de 2011 e só voltou a elevá-los no fim de abril deste ano. A taxa de investimentos caiu nesse período e a balança comercial se deteriorou. Ao mesmo tempo, o dólar oscilou e nem nas fases de câmbio mais favorável aumentou o dinamismo das exportações. Outros fatores são obviamente muito mais importantes para explicar os problemas de competitividade e o padrão de investimentos. Os erros de política, o intervencionismo desastrado e a insegurança dos empresários são respostas muito mais convincentes.

“O desajuste das contas públicas e a inflação elevada e resistente são detalhes importantes desse quadro. Mas muito raramente algum empresário reclama da inflação, embora o descompasso entre os preços no Brasil e no exterior torne os produtos nacionais mais caros e alimente o desajuste cambial. Bem mais simples, politicamente, é reclamar dos juros e do câmbio e pedir mais proteção e favores tributários. Dispensado de seguir políticas sérias, o governo agradece.” (Rolf Kuntz, Estadão, 21/6/2014.)

Desrespeito

* O governo faz ilusionismo com contas de padeiro

“Nas últimas semanas o país tomou conhecimento de duas contas de padeiro que, devido a razões distintas, merecem cuidadosa atenção.

“A expressão ganhou destaque na mídia desde que foi usada por Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobrás, para explicar a diferença abismal entre os US$ 2,5 bilhões, em que foi inicialmente orçada a Refinaria Abreu e Lima, e os mais de US$ 18 bilhões que afinal serão gastos no projeto. O que o ex-diretor alegou é que, de início, a Petrobrás estava muito mal informada sobre quanto de fato custaria a nova refinaria. E que os US$ 2,5 bilhões teriam resultado de uma simples conta de padeiro.

“A outra conta que merece consideração foi a apresentada pela presidente Dilma Rousseff, há poucos dias, em pronunciamento oficial à nação, para tentar desmistificar a idéia de que os investimentos necessários para a realização da Copa do Mundo no Brasil poderiam ter tido uso mais defensável, se destinados à educação e à saúde.

“É bom deixar claro que não há nada de errado com contas de padeiro. Muito pelo contrário. A expressão alude a contas rabiscadas em papel de embrulho de padaria, mas é usada para designar qualquer conta feita às pressas, no primeiro papel ao alcance da mão. E é exatamente essa a conotação da expressão equivalente em inglês, cuja tradução literal faz perfeito sentido em português: conta de verso de envelope.

“Em muitas áreas, profissionais se veem com frequência obrigados a recorrer a contas de verso de envelope para obter, a partir de hipóteses simplificadoras e valores plausíveis de variáveis e parâmetros, estimativas preliminares aceitáveis de resultados que, em princípio, exigiriam cálculos bem mais rigorosos. Inclusive em áreas especialmente respeitáveis. Entre os físicos, é bem conhecido o talento especial com que o famoso físico nuclear Enrico Fermi sabia recorrer a contas de verso de envelope para obter estimativas aceitáveis de resultados de problemas extremamente complexos.

“O que há de tão errado com as duas contas mencionadas acima? A alegação do ex-diretor da Petrobrás é de que teria havido só incompetência na conta de padeiro que levou à estimativa inicial de quanto custaria a Refinaria Abreu e Lima. Na verdade, as investigações têm mostrado que houve muito mais. E revelado, com riqueza de detalhes, aspectos tenebrosos do lado escuro do modo de gestão petista.

“O mais preocupante é quão longe foi a construção da refinaria com base nessa mera conta incompetente de padeiro. Sabe-se agora que, bem antes de contar com um estudo de viabilidade econômico-financeira, a refinaria já havia sido contemplada com um financiamento de R$ 10 bilhões do BNDES.

“Na conta de padeiro apresentada pela presidente Dilma, a incompetência adveio de indisfarçável e mal-intencionada manipulação marqueteira. A opção relevante era entre construir estádios, de um lado, e escolas, hospitais e postos de saúde, do outro. Mas em vez de comparar os supostos R$ 8 bilhões que foram gastos nos estádios da Copa com despesas de investimento em educação e saúde, a presidente permitiu-se compará-los com despesas totais dos três níveis de governo com educação e saúde de 2010 a 2013. Despesas da ordem de R$ 1,7 trilhão, que, além de investimentos em educação e saúde, incluem, por exemplo, toda a folha de pagamento do funcionalismo ligado à educação e à saúde nas três esferas de governo.

“A conta que faz sentido é a que foi feita por Gil Castello Branco (O Globo, 17/6): ‘O custo dos estádios equivale a dois anos de investimentos federais em Saúde ou à instalação de 2.263 escolas’. Não seria surpreendente se, diante dessa conta honesta, a maioria do eleitorado ainda se mostrasse favorável à construção dos estádios. Mas a presidente não quis correr o risco. Para poder arguir de forma peremptória que a questão levantava um ‘falso dilema’, preferiu apresentar uma conta ridícula que faz crer que os gastos com os estádios foram equivalentes a menos de 0,5% do investido em educação e saúde. Um espantoso desrespeito ao eleitorado.” (Rogério Furquim Werneck, economista, O Globo, 20/6/2014.)

A herança maldita

* O próximo governo terá de ser muito mais severo e ambicioso do que tem sido há muitos anos para enfrentar os duros problemas deixados pelo atual

“Quem vencer a eleição presidencial no fim do ano terá de pensar, com urgência, em como carregar a desastrosa herança econômica deixada pelo atual governo. Se for reeleita, a presidente Dilma Rousseff precisará mudar muito mais do que prometeu no discurso de lançamento de sua candidatura. A parte mais visível da herança está indicada nas projeções de inflação alta, crescimento baixo e contas externas ainda em mau estado formuladas por economistas de uma centena de instituições financeiras e consultorias. Essas projeções são coletadas semanalmente pelo Banco Central (BC) na pesquisa Focus.

“Na pesquisa divulgada ontem (23/6), a inflação estimada para 2014 continuou em 6,46%, muito perto do limite de tolerância, 6,50%, mas o número previsto para o próximo ano subiu ligeiramente, de 6,08% para 6,10%. A variação pode parecer pequena, mas está longe de ser insignificante. Na mesma sondagem, a alta projetada para os preços administrados chegou a 7%. Na semana anterior, a taxa estimada era 6,85%. Quatro semanas antes, 6,50%.

“A mensagem contida nesses números parece muito clara. Economistas do mercado continuam prevendo um forte ajuste, em 2015, dos preços e tarifas contidos politicamente. Esse grupo inclui preços de combustíveis e tarifas de energia elétrica e de transporte público.

“Parte desses valores tem sido corrigida neste ano, mas em proporção insuficiente para eliminar o atraso.

“Com a correção, a defasagem poderá até desaparecer. Dificilmente serão compensadas, no entanto, as perdas acumuladas pelas empresas prestadoras de serviços e pela Petrobrás, vítima habitual do controle político dos preços de combustíveis.

“O primeiro ano de um mandato – novo ou renovado – é em geral o mais propício, politicamente, para medidas duras na área econômica. Mas o governo terá de ser muito mais severo e ambicioso do que tem sido há muito anos. Se quiser, de fato, conduzir a inflação à meta, 4,5%, terá de cuidar mais seriamente das contas públicas, cortar a gastança e ser muito mais seletivo na concessão de benefícios fiscais.

“Os incentivos concedidos a partir da crise de 2008 foram inúteis para estimular o crescimento geral ou perderam eficácia muito rapidamente. As contas nacionais deixam pouca ou nenhuma dúvida quanto a isso. Não há, portanto, como defender tecnicamente a manutenção dessa estratégia.

“O governo deveria saber disso, mas prorrogou na semana passada parte dos incentivos. Reafirmou, assim, a disposição de continuar trabalhando com remendos tributários, em vez de batalhar por uma efetiva reforma do sistema. Para mudar de rumo, as autoridades terão de mostrar coragem, afastar-se do populismo e exibir imaginação e competência.

“Quanto mais séria a política fiscal, menos o BC precisará elevar os juros para conter os preços. De todo modo, uma política monetária menos sujeita a interferências da cúpula governamental poderá ser mais eficaz. Quanto maior a credibilidade do BC, maior tende a ser o efeito de suas ações. Isso tem sido comprovado pela experiência internacional.

“As projeções do mercado indicam, também, uma piora das expectativas de crescimento. O quadro geral inclui, além da inflação elevada neste e no próximo ano, estimativas menores de expansão econômica. Em uma semana a previsão para 2014 caiu de 1,24% para 1,16%. Para 2015, a redução foi de 1,73% para 1,60%, mesmo sem a expectativa de ações muito mais duras contra a inflação.

“Para a produção industrial neste ano, a mudança foi de um crescimento de 0,51%, abaixo de medíocre, para uma contração de 0,14%. Para 2015, a expansão prevista aumentou de 2,25% para 2,30%, um número ainda muito ruim e explicável, pelo menos em parte, pela base de comparação muito baixa.

“O quadro se completa com um desempenho fraco no comércio exterior, com superávits previstos de US$ 2 bilhões neste ano e US$ 10 bilhões no próximo. São resultados muito baixos para as necessidades do País, por causa do déficit estrutural em serviços e rendas.” (Editorial, Estadão, 24/6/2014.)

Os escândalos nos fundos de pensão

* Postalis, o fundo dos funcionários dos Correios, admite que pode perder R$ 371 milhões

“O fundo de pensão dos funcionários dos Correios (Postalis) diz na Justiça que pode perder integralmente os R$ 371 milhões em aplicações que fez entre os anos de 2006 e 2008 em fundo de investimentos no exterior. Chamado Sovereign, o fundo era gerido pela Atlântica – empresa acusada de fraudes e de ter investido dinheiro do fundo em títulos de baixa qualidade de crédito.

“O processo foi aberto no fim de 2013 pelo Postalis contra a gestora brasileira de recursos Atlântica, que não tem mais registro na CVM, e contra seu então diretor geral Fabrizio Dulcetti Neves. Trata-se de um processo judicial que corre na justiça paulista e tem o único objetivo de interromper a prescrição do caso. “Não temos a comprovação do prejuízo”, disse o Postalis em nota. A decisão de pedir ressarcimento por perda de capital ainda não foi tomada porque a fundação negocia um acordo com o administrador do fundo Sovereign, o BNY Mellon.

“A perda de R$ 371 milhões representa mais de 5% do patrimônio do plano Benefício Definido da Postalis e não há provisões para ela. Isso significa que o prejuízo pode parar direto nas contas de 80 mil contribuintes que depositam sua poupança para aposentadoria neste plano.

“O tamanho do buraco é desconhecido e esta é a primeira vez que, em um documento oficial, o fundo admite a perda total do que foi aplicado, ou de boa parte dele – sem contar o rendimento que poderia ter obtido em cinco anos. Só a correção da inflação faria o valor chegar a quase R$ 500 milhões. “Foram praticadas fraudes e operações contrárias ao regulamento do fundo que podem resultar em perdas de grande parte ou de todo o capital investido”, diz o fundo no processo judicial.

“Segundo as regras de mercado, os fundos de investimentos têm um gestor e um administrador. Uma das funções do administrador – neste caso, o BNY Mellon – é analisar as aplicações do gestor, verificando se o regulamento do fundo está sendo seguido. Com base no papel do administrador, o conselho quer que o Postalis processe judicialmente o BNY Mellon. “Mas a diretoria (do Postalis) diz que está tentando um acordo com ele para evitar a Justiça”, afirma o representante dos funcionários no conselho do Postalis, José Rivaldo da Silva.

“A perda do capital poderia se dar pelo fato de que a Atlântica trocou os títulos da dívida externa brasileira que estavam no fundo por outros investimentos que não estavam programados. De acordo com o processo, todo o dinheiro teria sido aplicado em ativos privados sem o consentimento do Postalis.” (Josete Goulart, Estadão, 22/6/2014.)

* Fundo de pensão dos Correios teve rombo de R$ 900 milhões em 2012

“Os Correios estão pagando R$ 24 milhões por ano para cobrir o déficit de 2012 do Postalis, em função de perdas por maus investimentos que corroeram mais de 10% do patrimônio do fundo naquele ano. Um prejuízo que chegou também às contas dos 80 mil beneficiários do Plano de Benefício Definido do fundo de pensão dos funcionários dos Correios. Todo mês, indefinidamente, pelo menos R$ 5,90, a depender do salário, são retirados dos salários a título de contribuição extraordinária pelos funcionários.

“As perdas totais daquele ano de 2012 foram de R$ 900 milhões, segundo o conselheiro do Postalis, representante dos funcionários, José Rivaldo da Silva. Em uma conta bruta, dividindo igualmente o prejuízo e se tivessem que pagar à vista, cada um dos 80 mil contribuintes teria de desembolsar R$ 5.600 para cobrir os prejuízos do fundo. Todo esse prejuízo só não duplicou neste ano porque a Previdência Complementar alterou as regras para os déficits registrados em 2013.

“O chamado déficit técnico de um fundo de pensão ocorre quando não há dinheiro suficiente para pagar os beneficiários no caso de todos eles se aposentarem ao mesmo tempo. Quando isso acontece, dependendo do tamanho do déficit, a empresa e os próprios beneficiários precisam pagar para fechar a conta.

“Até o ano passado, a regra previa que, se esse déficit fosse superior a 10% do patrimônio do fundo, já no ano seguinte, empresa e beneficiários teriam de cobrir o rombo. Foi o que aconteceu em 2012 com o plano Benefício Definido – principal plano administrado pelo Postalis que, segundo os Correios, abriga os 80 mil beneficiários. Outros 40 mil estão em outros planos. O patrimônio do Postalis é de R$ 8,3 bilhões.

“Se essa regra ainda tivesse valendo, os carteiros estariam novamente em maus lençóis, pois o déficit do Postalis foi de R$ 935 milhões em 2013. Cerca de R$ 185 milhões foram perdas reconhecidas com títulos de créditos. Mas a Previc, a Previdência Complementar, alterou o porcentual de 10% para 15%. Então, não será neste ano que os carteiros serão atingidos, segundo Rivaldo da Silva.

“Mas as regras da Previc também preveem que, se os déficits acontecem por três anos consecutivos, independentemente do porcentual do patrimônio líquido, o prejuízo precisa ser rateado. Rivaldo explica que ainda se discute a possibilidade de permitir que futuros superávits sejam usados para cobrir o rombo. Isso porque a mesma regra que vale para os déficits, vale para os superávits. (Josete Goulart, Estadão, 22/6/2014.)

O decreto que muda o sistema de governo

* O grande perigo está nas segundas intenções

“Os sofismas são distorções da realidade. Captam um aspecto e extrapolam o seu âmbito, começam com uma meia-verdade e terminam com uma mentira completa. E esse é o percurso que o governo federal tem seguido na defesa do Decreto 8.243. Cria ele novos conselhos? Não. Se apenas criasse conselhos, não haveria maiores problemas. Seria ‘apenas’ uma burocratização a mais na já burocratizada administração pública federal. Mas não foi isso que provocou reações contrárias a ele no Congresso. O decreto cria algo de extremo interesse dos atuais ocupantes do Poder Executivo – uma ‘política de participação social’ gerenciada por ele.

“É algo mais profundo do que a mera existência de conselhos, e o seu perigo reside nas segundas intenções. Nada é dito explicitamente. E o governo trata os seus opositores como ignorantes, alegando que existem conselhos desde 1937. Só para lembrar: 1937 foi o ano em que o Brasil mergulhou na ditadura do Estado Novo. É assim que quer defender o decreto?

“O governo sustenta que é piada de mau gosto da oposição chamar o Decreto 8.243 de bolivariano. Infelizmente não é. Alegar que são conselhos consultivos é fugir do problema, escorregando novamente para o sofisma. Chávez e seus ‘muchachos’ não estrangularam a democracia em seus países dizendo que assim o fariam. Sufocaram a democracia com as mais belas palavras, ‘conferindo o máximo poder ao povo’.

“É verdade que o decreto não iguala Dilma a Chávez. O decreto está vigente e isso não nos transformou ipso facto numa Venezuela. Mas o decreto traz no seu bojo a mesma lógica, idêntica retórica. ‘A representação tem muitos defeitos’, afirmou o ministro Gilberto Carvalho. É óbvio, mas não pode ser um ato do Executivo o meio legal para corrigir essa representação, e ainda por cima encarregando o próprio Executivo de coordenar essa nova representação, com a sua ‘política de participação social’. Aí está o problema.

“Na cortina de fumaça que é a defesa do decreto pelo Executivo, afirma-se que a oposição está criando um problema político. Não se trata de um ‘problema político’, mas de um problema institucional, que logicamente afeta a vida política. A questão institucional, em sua essência, é a vontade do Executivo de ‘alterar’ (se vai piorar ou melhorar é uma questão sobre a qual cada um terá sua opinião) a forma de participação social. Ora, não cabe a ele ‘reequilibrar’ representação política nem muito menos proclamar-se gerente dessa nova ‘política de participação social’.

“Representantes do governo afirmam que estão dispostos a dar todas as explicações necessárias ao Congresso. Até o momento, tiveram inúmeras oportunidades para fazê-lo, mas o que deles só se ouviu foi mais do mesmo. Na prática, dizem: ‘Acreditem em nós, não faremos nenhum mal à democracia representativa com a nossa política de participação social’. As instituições de um país são organizadas para diminuir a arbitrariedade pessoal, não para criar feudos e atribuí-los a ‘bonzinhos’. A constitucionalidade de um decreto não depende das declarações de boa intenção dos seus criadores. Decorre do que está posto no papel, e o que lá está não é nada republicano.

“Não é o medo da voz popular que leva o Congresso a se opor ao Decreto 8.243. É o receio de que alguns, sob a batuta do Executivo, se sirvam dele para monopolizar a voz da sociedade. Uma rendição dos deputados e senadores a este ato da Presidência significaria ferir o mandato que a sociedade brasileira lhes conferiu. É seu dever garantir a pluralidade de vozes da população, não apenas alguns corais ensaiados.

“Criar e organizar os Conselhos pretendidos por projeto de lei – como sugerem alguns congressistas – não resolve o problema. Por lei ou por decreto, a idéia é ruim e perigosa, porque atropela as instituições ao dar ao Executivo o direito de organizar – ou melhor, domesticar – a ‘participação social’. Por lei, o máximo que o Congresso poderá fazer é maquiar a idéia, dando-lhe ares de respeitabilidade e legitimidade. Por isso, a emenda poderá ser pior do que o soneto.” (Editorial, Estadão, 20/6/2014.)

Sem prestar contas a quem paga

* A TV Lula quer que suas atas e documentos sejam secretas! O que será que a TV Lula tenta esconder do povo que a financia?

“A cúpula da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) – estatal vinculada à Secretaria de Comunicação da Presidência da República responsável por emissoras públicas de rádio e televisão – avalia transformar parte de seus documentos em material protegido por sigilo oficial por até 100 anos. Hoje, nenhum papel da empresa é mantido sob segredo de Estado.

“Se for aprovada, a nova regra abrangerá as atas do conselho de administração – colegiado que pode definir critérios para firmar contratos sem licitação e para realização de auditorias – e do conselho curador da EBC, grupo que orienta e fiscaliza a linha editorial de veículos jornalísticos da TV Brasil, emissora pública criada no governo Luiz Inácio Lula da Silva, e da Agência Brasil, que produz conteúdo usado por diversos veículos de comunicação do País, além das rádios públicas.

“A proposta está em um documento de dez páginas obtido pelo Estado, chamado ‘Norma de Tratamento da Informação Corporativa – NOR 904’. Ela foi incluída na pauta da reunião realizada na segunda-feira pela Diretoria Executiva da EBC – um grupo restrito, composto por sete diretores da estatal, incluindo o diretor-presidente da empresa, Nelson Breve. O encontro terminou, no entanto, sem uma decisão sobre a adoção do sigilo.

“A norma classifica a produção da EBC em três categorias. A ‘informação pública’ seria aquela ‘sem restrição de acesso tanto para o público interno quanto para o público externo’. Já a ‘informação pessoal’ inclui dados relativos ‘à intimidade, vida privada, honra e imagem da pessoa’ e pode ficar em segredo por até 100 anos.

“Por fim, ‘informação reservada’ é a que ‘estabeleça vantagem competitiva, controle estratégico e/ou comprometa a atuação da EBC no mercado’. O sigilo para papéis desse terceiro grupo é de até cinco anos.

“A proposta quer imprimir o carimbo de ‘reservado’ em atas de três conselhos da EBC (o curador, o de administração e o fiscal) e também nas produzidas pela diretoria executiva. A medida estaria de acordo com os ‘princípios’ expostos no item cinco da NOR 904, segundo o qual ‘toda informação corporativa que confere vantagem competitiva, controle estratégico e/ou comprometa a atuação no mercado deve ser protegida pela EBC’.

“O texto diz ainda que ‘não devem ser divulgadas as deliberações estratégicas para a empresa ou aquelas informações corporativas que, se divulgadas antes da concretização do negócio ou fato empresarial, expõem as estratégias comerciais da EBC’.

“A medida discutida pela Diretoria Executiva da EBC não tem paralelo, por exemplo, em outra TV pública, como a Cultura, vinculada ao Estado de São Paulo. A emissora informou ao Estado que não tem nenhum documento classificado como sigiloso nem há qualquer tipo de regra para classificar seus documentos internos.

“A proteção aos papéis da EBC não foi discutida com o conselho curador da empresa, composto por 22 integrantes, dos quais 15 são representantes da sociedade civil.

“A presidente do grupo, Ana Luiza Fleck Saibro, consultora legislativa do Senado, disse que ficou sabendo do assunto ao ser questionada pela reportagem. ‘Estou muito surpresa’, afirmou. Reação semelhante tiveram outros conselheiros.

“Apesar de não ter acesso ao documento, o conselheiro Cláudio Lembro, ex-governador de São Paulo, criticou a proposta. ‘Eu sou da transparência total. O que salva a vida pública é a transparência’, disse.

“Para Eliane Gonçalves, representante dos funcionários da EBC no conselho curador, os dados da estatal devem ser públicos porque ‘se trata de empresa pública fazendo comunicação pública com dinheiro público’.” (Fábio Brandt, Estadão, 20/6/2014.)

27 de junho de 2014

Outras compilações de provas da incompetência de Dilma e do governo:

Volume 130: Notícias de 31\1 a 6\2\2014,

Volume 131: Notícias de 7 a 13/2/2014. 

Volume 132: Notícias de 14 a 20/3/2014.

Volume 133 (Parte Um): Notícias de 21 a 27/3/2014. 

Volume 133 (Parte Dois): Notícias de 21 a 27/3/2014.

Volume 134: Notícias de 28/3 a 3/4/2014.

Volume 135 (Parte Um): Notícias de 4 a 10/4/2014. 

Volume 135 (Parte Dois): Notícias de 4 a 10/4/2014.

Volume 136 (Parte Um): Notícias de 11 a 17/4/2014. 

Volume 136 (Parte Dois): Notícias de 11 a 17/4/2014.

Volume 137: Notícias de 18 a 24/4/2014. 

Volume 138: Notícias de 25/4 a 1º/5/2014.

Volume 139: Notícias de 2 a 8/5/2014.

Volume 140: Notícias de 9 a 15/5/2014.

Volume 141: Notícias de 16 a 22/5/2014.

Volume 142: Notícias de 23 e 29/5/2014.

Volume 143: Notícias de 30/5 a 5/6/2014. 

Volume 144: Notícias de 6 a 12/6/2014. 

Volume 145: Notícias de 13 a 19/6/2014.

 

 

 

4 Comentários para “Más notícias do país de Dilma (146)”

  1. CONTAGEM REGRESSIVA!
    FALTAM APENAS 188 DIAS PARA O FIM DAS MÁS NOTÍCIAS.

    Nosso medo é a falta de propostas. O ministro Gilberto já se mostrou preocupado com o avanço do PIG. Realmente os insultos a DILMA não partiram só da elite branca no interior do Itaquerão, do lado de fora eles também xingaram. A insatisfação é nossa e deles também.

    A copa é um sucesso! Não poderia ser diferente! Já haviamos mostrado ao mundo, por ocasião do encontro da juventude católica no Rio, nossa capacidade de convivência. Conviver é nossa virtude! Convivemos com Dilmas, Serras e Aécios. Convivemos com LULA e FHC e sobrevivemos. Temos alegria na convivência, somos um povo hospitaleiro, acolhedor e festeiro. A copa tinha que dar certo neste cenário.

    “…tudo vai pelo melhor no melhor dos mundos possíveis” ensinava Pangloss.

    Já é a mais lucrativa copa para a FIFA e os jornalões do PIG.Bem-aventurada imprensa,a grande imprensa, os jornais, revistas e emissoras de rádio e TV pertencentes a empresas fortes, RICAS, que portanto não dependem da publicidade dos governos.
    Bem-aventurados os bons E ASSALARIADOS repórteres.

    A GRANDE IMPRENSA não diz quem alimentou o pessimismo e o noticiário negativo sobre o Brasil nos dias que antecederam o início da Copa do Mundo. De repente, ninguém sabe, ninguém viu quem estimulou o espírito de porco e quem animou o complexo de inferioridade a se manifestar.
    Agora, é preciso recolher nas ruas os órfãos do “quanto pior, melhor”, que começaram torcendo para a Croácia na partida inaugural e já não sabem quem são.

    Quem vai adotar os vira-latas?

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