Em busca da agenda perdida

O governo Dilma não terminou o período velho e nem começou o novo. Para ocupar o vácuo, as escavações chegam ao pré-sal da corrupção petroleira, de onde jorram cifras espantosas de dinheiro desviado ou para bolsos particulares ou para siglas partidárias entre as quais os cargos diretivos da maior empresa brasileira foram loteados como sesmarias.

Para enriquecer a crônica social-política e fornecer “gossips” à imprensa nacional e internacional, a presidente da República foi a única a dividir uma ampla mesa redonda com Vladimir Putin num almoço onde os dirigentes do G-20 se deixaram fotografar em Brisbane, na Austrália.

Esse estranho conceito petista de “diplomacia independente” (que acha que dar uma força a Putin equivale a desafiar, sei lá, o “imperialismo americano”) acabou sendo ironizado meio sem querer pela imprensa internacional, que fez circular pelo mundo uma foto de “Putin isolado e almoçando sozinho”, ignorando que em frente a ele, ainda que a uma distância segura, estava sentada a presidente do Brasil.

Esse tipo de “protagonismo” de segunda mão, inaugurado pelo exibicionismo desenfreado do ex-presidente Lula (exibicionismo que lhe subiu à cabeça depois do inocente gracejo de Obama ao dizer “esse é o cara” antes de uma foto coletiva para registrar um evento internacional, piada que ele levou a sério), é o que vem afundando o tradicional pragmatismo da diplomacia brasileira, substituindo-o por um ideologismo quase ginasiano.

Isso não tem nada de sério, e Dilma deve saber disso, mas serve para deixar a torcida em estado permanente de excitação, tática que ela deve ter aprendido de seu antecessor, quase um Guia Genial dos Povos. Tanto que, embora não ocupando nenhum cargo no governo e nem mesmo no aparelho partidário, aparece naturalmente nos jornais em plena atividade: “Dilma se reúne com Lula para definir ministro da Fazenda”.

Enquanto o nome do novo ministro da Fazenda não saía desse sagrado concílio, o antigo, ainda que sepultado em vida, tratava de ir distribuindo suas sentenças panglossianas sobre o estado futuro da economia, ao mesmo tempo em que o governo, com a ajuda de sua base aliada no Congresso, batalhava para destruir a Lei de Diretrizes Orçamentárias e ir construindo o superávit deficitário – ou o déficit superavitário –  que lhe permitirá enterrar o sistema de metas sob uma torrente de sofismas.

Assim caminhava o governo a pouco mais de um mês de terminar seu período velho e começar seu período novo. A busca desesperada de uma “agenda positiva” para diminuir o fragoroso rumor do escândalo do petrolão ainda não deu resultados. Tentar virar o jogo do escândalo atribuindo a sua apuração à vontade pessoal da presidente obv0iamente é um truque de curto alcance. Instituições como a PF e o MP independem da vontade do Executivo para funcionar.

E quem consegue acreditar que uma gerente tão incensada por sua suposta eficiência, com seus longos braços primeiro na Casa Civil, depois na presidência do Conselho da empresa saqueada e mais tarde na presidência da República, não tenha notado sequer um sinal das tenebrosas transações?

Conta outra. Rápido, uma agenda nova para Dilma.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 21/11/2014. 

3 Comentários para “Em busca da agenda perdida”

  1. O texto, sempre inteligente e respeitoso, nos faz pensar: quem somos nós e quem são eles?

  2. Estaria o autor destilando ódio ao BRICS? Ou, mais grave, ao comércio e estreitamento de laços Sul-Sul, essencial à busca por uma [futura e inexistente] independência?

    O Sr. Putin têm muito maior evidência que a Dilma, porque é a maior pedra-no-sapato do imperialismo. Temos o G-8 (também chamado CDM – Conselho dos Donos do Mundo), que tinha apenas 7 membros, mas a dominação deles não seria completa com uma superpotência nuclear de fora da jogada. Daí a colocação em evidência do Putin-Ha, como oitava força.

    Convenhamos, Vaia: o convite à Federação Russa para integrar o G-8 CDM não se lastreia em questões técnicas econômicas, mas apenas em dominação Norte-Sul!

    Viva o Sul-Sul!

  3. Bem, um caso mui interessante é o do Japão do início da Era Meiji: país recém-saído da Idade Média – a qual viveram até o século XIX! -, mas que não quis crescer à base do predatório comércio Norte-Sul. Pois, naquele momento, faziam parte do “Sul”, grupo ao qual o Brasil se encaixa.

    Japão e Coreia são exemplos para nós. Viva a Independência! Viva o comércio Sul-Sul!

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