Conta outra, vó – O ladrão ladino (3)

Durante algum tempo o moço não quis roubar o castelo. Tinha dinheiro pra viver e não precisava se arriscar. Aconteceu então que o dinheiro foi sumindo e um dia acabou.

Vai daí que ele resolveu ir no castelo, por aquela passagem que só ele conhecia. Chegou escondido até a sala do tesouro pra dar uma olhadela. Estava tudo que nem antes. A mesma roda de facas rodando, a mesma engrenagem. Ele tinha levado outro ferrinho, parou a roda, entrou, roubou quanto quis, saíu, fez a roda rodar.

Mas o rei descobriu que tinha sido roubado. Depois que tinha encontrado aqueles pedaços de ladrão na roda, que eram o pai do nosso ladrão, mandava um criado contar o dinheiro todas as manhãs. E nessa manhã o rei descobriu.

Resolveu então lançar um pregão e tentar apanhar o ladrão. Espalhou pela cidade que no quarto da princesa estava uma toalha de linho muito linda, que a própria filha tinha bordado. O ladrão que fosse capaz de roubar aquela toalha era merecedor da metade do reino e ia ganhar a mão da princesa.

O ladrão, que já estava cansado de roubar, resolveu então roubar aquela toalha e ficar rico e virar príncipe.

Pois era bem isso que o danado do rei queria. Só assim ele podia pegar aquele ladrão ladino, que o enganava sempre. Mandou aumentar a guarda do castelo e ficou esperando.

Daí que vou contar o que foi que o ladrão treteiro resolveu aprontar. Comprou madeira e fez um boneco do tamanho da gente. Pôs umas molas no boneco e vestiu ele com roupa de verdade. De jeito que o boneco, visto de longe, parecia de verdade. De noite ele entrou, pela entrada secrerta, que só ele sabia, e subiu no telhado do castelo. Pendurou o boneco e amarrou nele dessas bombinhas de São João. Depois amarrou no pavio das bombinhas um barbante bem comprido e botou fogo no barbante e fugiu dali, escondendo-se debaixo da janela da princesa. Aí ele tirou a camisa, pegou um pouco de sangue que tinha levado e espalhou pela camisa e pela calça e ficou esperando.

Depois de um tempo a brasinha do barbante chegou no pavio e foi uma estourada só

Páa! Páa! Páa! Páa!

Os guardas olharam pro alto e viram aquele homem se balançando no telhado e chamaram o rei e o rei correu e todo mundo foi atrás. Começaram então a subir no telhado. Todos pensavam que o ladrão estava querendo entrar no castelo, passando pelas telhas.

Daí o ladrão bateu na janela da princesa. Ele tinha a camisa com sangue e quando ela abriu ele falou cheio de aflição:

– O rei está ferido, o rei está ferido! Precisamos de uma toalha limpa que a minha camisa está suja. Depressa, depressa, o rei está ferido!

A moça se assustou e começou a procurar um pano e ele gritou:

– Essa toalha daí serve. Depressa, princesa, se não teu pai vai morrer.

Ao ouvir isto ela começou a chorar e pegou a toalha de linho e deu pro ladrão e ele fugiu e se escondeu.

Aí alguns soldados chegaram no alto e gritaram pro rei que o ladrão era um boneco. O rei ficou furioso e mandou que corressem ao quarto da princesa e vigiassem a porta.

Nessa altura todo o povo tinha invadido o castelo, pra ajudar a pegar o ladrão. E quando os guardas desciam de uma torre ouviram um grito na outra torre:

– Aqui! Aqui! Peguei!

Todos olharam e viram um homem sem camisa, que não era outro se não o nosso ladrão.

O rei levantou o braço e mandou que fizessem silêncio. Depois gritou bem alto:

– Encontrou o ladrão?

– Encontrei, Majestade!

– Onde está ele?

Aí o moço falou:

– É verdade que Vossa Majestade prometeu metade do reino e a mão da princesa a quem roubasse a toalha de linho?

O rei gritou:

– É verdade! Mas onde está o ladrão?

E ele tirou de dentro da calça a toalha amarrotada e gritou, balançando o pano:

– Aqui mesmo, Majestade. Cumpra a sua palavra.

Aí o rei não teve outro jeito se não cumprir a palavra, que palavra de rei não volta atrás. Mandou ele descer e o povo deu vivas.

A princesa ficou muito feliz porque tinha achado ele um moço bonito e de coxas grossas. Aí ela nem ligou que ele tinha sido um ladrão refinado.

Eles se casaram e o ladrão nunca mais roubou e ajudou o rei a reinar e todos foram felizes para sempre.

Do livro Conta Outra, Vó, de Jorge Teles. 

 

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