Três estações

Sonhei que estava indo para Maracangalha, com o chapéu de palha, o linforme branco e a Nália de Dorival Caymmi. Acordei em Lisboa, com as meninas do Amaranto, flores amarelas do nosso sol, cantando coisas belas sobre o rio, o mar e a terra que amamos, regidos pelo talento de Geraldo Vianna. Fazia frio ou calor lá fora?
A canção move o mundo, muitos dizem e o Ronaldo Bastos não deixa de insistir. Assim, estou aqui destilando palavras e notas na noite de Portugal. O que apresentamos é singelo, delicado, de adormecer as crianças e acordar as pessoas sensíveis.

A sociedade de massas está longe daqui, não cabe nesse ambiente reservado e cuidadoso que se criou em volta dos presentes. Há canto e poesia tomando conta do ambiente. A simplicidade é uma coisa difícil de se buscar e alcançar.
Findo o recital, os abraços e a alegria nos trazem de volta à realidade.

Estamos na cidade dos portugueses e andamos por suas ruas, ainda há pouco recheadas de um povo que clama contra o arrocho financeiro que lhes é imposto pelas autoridades da Europa. No ar, a certeza de que os cidadãos não contribuíram para o impasse econômico em que a região se encontra. Eu me lembro bem do que pagamos, sem culpa, pela irresponsabilidade e farra irresponsável dos que lideraram o Brasil durante décadas.

Coloco-me no lugar dos portugueses, sem me esquecer que um vento de tempos antigos começa a soprar em nosso horizonte. Há um cheiro de passado e de resultados indesejáveis no que fazem os que estão a frente dos negócios públicos brasileiros. Mãos dadas com os portugas que voltam a cantar “Grandola, Vila Morena”, pacificamente, enquanto caminham pela Avenida Liberdade, eu me assusto, rapidamente, pela possibilidade de ter que fazer, num futuro próximo, o mesmo.

Mas, que coisa a vida, que coisa o mundo. Depois de dias batalhando contra o ar pesado do condicionador de ar do hotel, consegui uma maneira, mais fácil do que esperava, de abrir minha minha janela para o mundo. Minhas narinas e minha garganta não suportavam mais o ar seco do quarto fechado para a natureza, E eu tentara várias vezes contornar o problema, zerando o ar que não era natural. Faltava o fresco do ar puro, que respiro agora, na noite de Lisboa, contemplando seus movimentos e suas luzes, depois de uma tarde estupenda com meus sobrinhos, Paula e Lucas, provisoriamente estudando e morando na cidade.

Não sei se foi a alegria da tarde ou o vinho do Douro, ou o sono reparador que trouxe de volta uma sabedoria adormecida na mente deste mineiro eternamente amante de sua casa e sua terra, que possibilitou o estalo. Minhas janelas agora estão abertas e eu respiro com prazer o ar de Lisboa.

Estou voltando.

Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas, em março de 2013.

Um comentário para “Três estações”

  1. Fernando Brant é um craque da palavra e do texto. Apesar de termos nascido em cidades diferentes (Rio e BH). As coisas que ele escreve parecem ter saído do meu peito. Temos quase a mesma idade, passamos os mesmos momentos, temos os mesmos sonhos de simplicidade.
    Seja bem vindo, de volta a Maracangalha! Sustentabilidade é algo que tem haver com simplicidade. As cidades como BH e RIO devem aspirar respirar os ares de Lisboa.

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