Preâmbulo ao balanço de 2013

2013-12 - Marina dia 26 - Foto Carlos

2013 foi o ano da chegada de Marina.

Se eu fosse fazer um balanço do ano, como já fiz tantas vezes no passado, o lead não seria um problema, de forma alguma. Seria esse aí: 2013 foi o ano da chegada de Marina.

Há muito tempo não faço balanço de ano, uma prática que já foi comum no passado. Hoje minha amiga Lenita – Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa – publicou no Blog do Noblat o que ela chama de balancete. Ao republicar seu texto no 50 Anos, senti um pouco de inveja, e pensei se não era o caso de fazer o meu.

Meu site 50 Anos de Textos tem muito a ver com o fato de eu não ter feito balanços de ano recentemente. É esquisito, mas é verdade. Desde que criei o 50 Anos, no final de 2009, passei a escrever muito menos relatos, considerações & desabafos para mim mesmo, apenas para meu único e exclusivo prazer. Passei a escrever muito menos só para mim mesmo – em vez de relatos, considerações & desabafos exclusivamente pessoais, me dediquei a fazer textos que possam ser lidos por outras pessoas.

Tudo o que escrevo é absolutamente pessoal e intransferível feito dor de dente. Mesmo os poucos textos que tive a oportunidade de escrever durante os 37 anos de jornalismo (em que 99% do tempo foram dedicados a editar os textos dos outros, e não a fazer os meus próprios), sempre, de alguma maneira, traíram um pouco da minha visão pessoal das coisas.

Mas o fato é que, depois que tive a felicidade de me aposentar, e criei primeiro o site de filmes e depois o de textos, passei a escrever muito, compulsivamente – para publicação. Em vez de fazer, como antes, textos só para mim mesmo, usava toda energia para textos que se tornavam públicos na rede.

Foi um movimento que teve várias consequências diferentes.

Minha filha uma vez fez a definição perfeita: “Pai, tudo agora pra você vira texto”.

Verdade.

Muitas vezes brinquei comigo mesmo, com Mary e com minha filha, que agora estou me vingando dos 37 anos em que em vez de escrever passei editando os textos dos outros.

Tudo o que se represa um dia explode. Como passei a imensa maior parte daqueles 37 anos sendo copydesk, redator, sub-editor, editor, algumas vezes redator-chefe, tudo o que não tinha escrito durante todo esse tempo saiu das teclinhas como uma inundação, uma barragem que se rompe.

Se fosse somar o que escrevi nos últimos seis anos nos dois sites, dava algo do tamanho de Guerra e Paz.

(Do tamanho, tá? A comparação é só com o tamanho.)

Simultaneamente, parei de escrever minhas anotações só para mim mesmo. Parei, ou diminuí imensamente a quantidade.

***

Por um lado, é algo exibicionista mesmo. A net, as redes sociais nos deixaram a todos um pouco exibicionistas. Exibimos para o mundo sensações, pensamentos, idéias, emoções que antes partilhávamos apenas com os amigos mais chegados.

Tenho que reconhecer isso. Em princípio, não é algo bom, essa coisa de exibir o que sentimos diante do mundo inteiro.

Costumamos nos queixar do Big Brother orwelliano, do fato de que agora as Grandes Corporações, os Governos, as CIAs, os FBI sabem tudo sobre nós – mas nós mesmos contamos para o mundo inteiro tudo o que acontece conosco.

Tanto que agora o Facebook bota um robozinho para criar a retrospectiva do ano de cada um de nós. E não é que o danado do robozinho faz uma boa retrospectiva?

Antes não era assim.

Me lembro dos versos extraordinários de mestre Moustaki na canção “Je suis um autre”: Je suis venu ce soir la guitare à mon cou / Partager mes chansons et rêver avec vous (…) J’ai laissé au vestiaire un reste de pudeur /  Pour mieux me découvrir devant les projecteurs.

Tá: cometo o crime de tentar traduzir: Vim nesta noite, o violão preso ao pescoço, dividir minhas canções e sonhar com vocês. Deixei no vestiário um resto de pudor para melhor me descobrir diante dos projetores.

A rigor, os artistas é que deveriam ter o direito de deixar no camarim um resto de pudor, para dividir sua arte com a audiência.

A net, as redes sociais acabaram dando a cada um de nós, pobres almas, esse direito de dividir nossas dores, cores, odores, com the whole wild world.

Viramos todos exibicionistas.

***

Mas, como dizia Willie Nelson (não tem jeito: sou um eterno citador de belas frases dos outros), sempre há dois lados de uma mesma história, e então é possível também enxergar esse fenômeno todo de uma maneira um pouco mais positiva.

Fato 1: ) O que se publica na internet não exige papel. Não foi necessário derrubar nem sequer meio eucalipto para que eu escrevesse mais de um Guerra e Paz sobre filmes e sobre a vida o amor a morte nos meus sites.

Fato 2: ) Ora, só lê as besteiras que eu escrevo quem quer.

Fato 3: ) Eu não tenho motivo algum para esconder coisa alguma.

(Pô! Esse 3 aí é bem bom. Ninguém importante no PT poderia, a rigor, a rigor, escrever esta frase!)

***

No passado, antes de tudo isso, da internet, do 50 Anos de Filmes, do 50 Anos de Textos, do desnudamento amplo, geral e irrestrito, quando eu escrevia longos relatos, considerações, desabafos, para ninguém ler, a não ser eu mesmo, costumei fazer longas, bem longas aberturas, nos balanços de ano.

Credo. Li algumas agora, rapidamente. Meu, quanto drama, quanto peso.

Num pedaço de abertura, vejo isto:

Fui feliz muitas vezes e na maior parte delas não gozei como poderia o suco da vida, não fiz análise, não procurei formas para diminuir a distância entre intenção e gesto, de alguma forma congelei o plano de vôo que tracei nos últimos anos, me tornei um pouco mais suave, mas ainda estou longe da tranqüilidade de quem faz a sua história com as próprias mãos.

Vixe Maria.

***

Se eu fosse fazer um balanço do ano, como já fiz tantas vezes no passado, o lead não seria um problema, de forma alguma. E não seria pesado como os de antigamente.

Seria só escrever: 2013 foi o ano da chegada de Marina.

Só assim. Ou, como disse Paul McCartney (já que sou um citador eterno), simple as that. So  simple.

27 de dezembro de 2013

A foto da abertura é de autoria de Carlos Bêla.

3 Comentários para “Preâmbulo ao balanço de 2013”

  1. Sérgio, li com atenção e prazer o seu preâmbulo de Guerra e Paz, mas da página toda fico com o velho dito: uma imagem vale mais do que mil palavras.
    A mocinha da capa está encantadora.
    (E parabéns ao Carlos Bêla.)

  2. Acompanhei “50anosdetextos” em 2013,lamentei as reacionárias compilações das “más notícias” mas me deliciei com os textos de amor e vida do editor. Textos autënticos e vibrantes que me trouxeram conhecer MarinaBêla e recordações de Regina e Inez. A retrospectiva não poderia ser melhor, textos de Vaia, Valdir, Brant abrilhantaram o ano no site, sem deixar de citar os portugas Jose Luis e Manuel.Que venha 2014 com a esperança de MarinaS neles.

  3. Um grande 2014 para você, a Lourdinha e o João, caríssimo Miltinho!
    Um abraço!
    Sérgio

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