O dia do leão

São as águas de abril prorrogando o verão ou adiando o céu azul de minha cidade? Não sou meteorologista, mas o fato é que a chuva, que andava por outras bandas, resolveu bater em nossas casas. Melhor que fosse no norte de Minas ou no nordeste, onde a seca está brava.

Aproveito então o dia cinza para cumprir a mais terrível das tarefas que, todos os anos, me obriguei a cumprir: fazer a declaração de Imposto de Renda. Conheço poucas pessoas que o fazem sem confiá-la a um contador. Mas eu me acostumei, desde muito tempo, a verificar a lenta e constante apropriação, pelos governos, de uma fatia do que ganho com o fruto do meu trabalho.

Acho doloroso, mas educativo, esse meu proceder. Pude ver, a cada ano, novas mordidas se dirigindo ao meu bolso. Minguaram as isenções e os abatimentos. É melhor saber o que me fazem do que ficar na ignorância e na reclamação sem argumentos. Melhor a consciência.

Houve um tempo em que a Receita se propagandeava como o leão. Era o marketing da ditadura, que não se importava em mostrar sua ferocidade abertamente para os cidadãos. Com a democracia ela transmite imagem mais suave mas, garanto e todos percebem, a goela continua enorme.

Mas eu confesso que esse é meu pior dia de cidadão. Pois as garras só atingem a população de recebimentos médios e que não aceita usar de nenhum macete ou subterfúgio para fugir da responsabilidade. É cruel, pois os milionários contratam escritórios e consultores que os livram do flagelo que cai sobre nós, os pessoa física. Os cidadãos comuns.

zzzzzzzzzzminasNem parece que sou de um Estado que se orgulha de antepassados que conjuraram contra a coroa portuguesa para se livrar do quinto do ouro que garimpavam. Eu admiro essa rebeldia mineira, mas me orgulho mais das idéias, da cultura e da liberdade que impulsionavam e caminhavam juntas da reivindicação contra os impostos. E aí está: por ser imposto e não democraticamente referendado, essa cobrança dos governos de todos os tempos e lugares é desprezível.

Não que eu não concorde com o princípio de que todos devam contribuir, dentro de suas possibilidades, para que se construa um tesouro coletivo que sirva para o bem comum. Este é um conceito básico, ponto de partida para o progresso da humanidade. E quando digo humanidade não estou me referindo à idéia abstrata, que é fácil de ser apoiada. Amar a humanidade é cômodo, amar o semelhante, aquele que está ao nosso lado e necessitado, são outros quinhentos. Aí está a gênese do direito e da justiça, essenciais para um mundo civilizado.

O curioso é que, no século XVIII, mineiros se levantaram contra o poder para não pagar o quinto, ou seja, 20%. Hoje somos cobrados em cerca de 40% do nosso trabalho, dois quintos. Pois é.

Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas, em abril de 2013.

Um comentário para “O dia do leão”

  1. E o que é pior, o Leão cobra 27,5%(mais que o quinto) sobre salários. Inverte o conceito de renda taxando o ganho dos trabalhadores.
    O investidores especuladores, estes sim auferem renda, são taxados em 15% apenas.
    Um dia na Cinelândia, em frente ao teatro Municipal do Rio de Janeiro, assisti ao comício de um moderno Joaquim José da Silva Xavier que prometia taxar as grandes fortunas. Mais tarde, transformado em Silvério dos Reis Montenegro Leiria Grutes, traiu-me e passou a cobrar 40% dos trabalhadores neo-burgueses.
    Os sonhos libertários dos mineiros do século XVIII continuam do século XXI, contra as mordidas do leão e contra a opressora distinção entre trabalho e renda.

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