Nem todos os santos

Descortês, impróprio e deselegante, o discurso da presidente Dilma Rousseff na recepção ao Papa Francisco parece ter tido o dedo do diabo, que, é bom lembrar, ela confessou que usará para se reeleger. Ensaiada, repetiu a ladainha de que nos últimos 10 anos o governo do PT revolucionou a qualidade de vida do povo e que tudo vai de bem a melhor. Não imaginava que o Brasil mostraria a sua cara. E não por castigo divino. Mas por desorganização, falta de preparo, confiança demais na sorte ou na nacionalidade de Deus.

A Jornada Mundial da Juventude deu certo graças à simpatia, simplicidade e grandeza do Papa Francisco e à paciência dos milhares de peregrinos. No mais, errou-se. E muito.

Do bate-cabeça de autoridades frente a um papa engarrafado e vulnerável na Av. Presidente Vargas, no centro do Rio, à pancadaria entre polícia e manifestantes nas proximidades do Palácio Guanabara. Do metrô parado por horas ao lamaçal e interdição de Guaratiba, área que todos sabiam ser alagadiça. Um vexame.

Alguns dirão que não se podia prever tanta chuva em julho, época, em geral, de seca no Sul-Sudeste. Tampouco que multidões tomariam as ruas em junho, justamente quando o País recebia a Copa das Confederações, avant-première da Copa do Mundo de 2014, que também começa em julho. Com ou sem as benções de São Pedro.

O fato é que a vinda do Papa e dos milhares de fiéis à JMJ expuseram as chagas que o governo prefere encobrir a tratar. A desordem operacional, a falta de comando e a carência estrutural, e em especial os problemas de transportes públicos, escancararam as deficiências do País para a realização de eventos de grande porte. Nem mesmo no Rio, terra do carnaval, um dos maiores espetáculos do mundo.

“Imagina na Copa” deixa de ser apenas um bordão usado por aqueles que o governo acusa serem torcedores do contra. Pena que não se bradou “imagina no Papa”.

E ainda tem a corrupção, o superfaturamento. Os mega-eventos consomem bilhões do contribuinte. Daí ser um dos eixos da grita nas ruas. Os gastos com a Copa da Fifa já passam de R$ 30 bilhões – dinheiro suficiente para construir mais de 95 mil postos de saúde. Os da JMJ ninguém confessa.

E ainda tem os jogos olímpicos de 2016. Orçados em R$ 1,8 bilhão, não devem aproveitar nada dos mais de R$ 5 bilhões usados no Pan-Americano de 2007, que, ao invés de deixar o precioso legado prometido, nem mesmo conseguiu manter o Engenhão de pé.

Santa Clara ouviu as preces e o sol voltou a brilhar na cidade maravilhosa na sexta-feira. Mas obras de infra-estrutura e organização não caem dos céus. Nem que se apele para todos os santos.

 Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 28/7/2013. 

2 Comentários para “Nem todos os santos”

  1. Deu tudo errado, certo como esperava a oposição. O Rio de Janeiro continua lindo, alô, alô Guaratiba aquele abraço! A igreja deu seu espetáculo de organização e improviso frustrando as gralhas de plantão. Utilizada a prática das passagens de final de ano, Copacabana virou enorme camping substituindo com sobras Guaratiba,nosso Woodstoc de lama.3 milhões e 600 mil peregrinos! Belo espetáculo de fé e de confraternização. Às gralhas faltaram as mortes, as balas perdidas, a polícia baixando a porrada. Sobrou solidariedade do carioca, que abrigaram visitantes do país e do exterior nas suas casas, sem luxo, moradias de terceiro mundo, modestas mas cheias de amor e solidariedade. O Rio deu um banho, de novo, de hospitalidade. Até os punguistas e ladrões deram uma trégua. Copacabana, de novo, deu seu recado, recebeu de braços abertos a inesperada invasão corinthiana em 1975 e agora recebeu a invasão de católicos cheia de amor.

    Coríntios é como é conhecida a primeira epístola de S. Paulo:que fala de amor!

    “Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse Amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine. E ainda que tivesse o dom da profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse Amor, nada seria. E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, se não tivesse Amor, nada disso me aproveitaria. O Amor é paciente, é benigno; o Amor não é invejoso, não trata com leviandade, não se ensoberbece, não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal, não folga com a injustiça, mas folga com a verdade. Tudo tolera, tudo crê, tudo espera e tudo suporta. O Amor nunca falha. Havendo profecias, serão aniquiladas; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, desaparecerá; porque, em parte conhecemos, e em parte profetizamos; mas quando vier o que é perfeito, então o que é em parte será aniquilado. Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, discorria como menino, mas, logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino. Porque agora vemos por espelho em enigma, mas então veremos face a face; agora conheço em parte, mas então conhecerei como também sou conhecido. Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três; mas o maior destes é o Amor”.

  2. O natural entusiasmo dos jovens peregrinos e a emoção dos cariocas extasiados com a figura benevolente do pontífice foram sutilmente utilizados para maquiar a imperdoável improvisação. A ausência de acidentes ou incidentes nas colossais concentrações humanas nas areias de Copacabana não pode ser tomada como façanha das autoridades. Resultaram da índole de um povo simples, crente, fascinado pelos espetáculos, atraído por uma intensa, demorada e perfeita cruzada motivadora.

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