A política Alzheimer

Derrotado por três vezes, no Tribunal de Justiça de São Paulo, no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal, o prefeito Fernando Haddad (PT) desistiu de aumentar o IPTU da capital paulista.E, como é usual no petismo, usou a pobreza como argumento, apelando para a luta de classes: a Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), uma das responsáveis pela ação contra o reajuste, versus a Prefeitura, pintadas como casa grande e senzala.

“A casa grande não deixa a desigualdade ser reduzida na cidade”, disse Haddad. Como se o aumento de até 20% para residências e de até 35% para imóveis comerciais tivesse o propósito de desonerar os pobres e não o de fermentar o seu bolo em mais de R$ 800 milhões em ano eleitoral.

Memória curta. Em outubro, Haddad confessara que o aumento do IPTU seria para custear as tarifas de ônibus depois de o reajuste da passagem, em R$ 0,20, ser impedido pelas manifestações juninas. Agora, convenientemente, o papo é outro: diz que sem o adicional vai ter de cortar fundo nos investimentos em educação e saúde.

Haddad não é a única vítima da política Alzheimer. Nas regras do PT, em que governar é permanecer no palanque para garantir a eleição seguinte, o dito pelo não dito é uma constante.

Quem cobra as promessas da presidente Dilma Rousseff como a de construir seis mil creches? Quem se lembra do ex Lula com as mãos sujas de óleo negro anunciando, em 2006, a autossuficiência de petróleo – que, se vier, chegará depois de 2020? Cadê a Ferrovia Norte-Sul, a transposição do Rio São Francisco?

Isso sem contar a última do ministro Alexandre Padilha, candidato de Lula ao governo de São Paulo. Ele mandou comprar tablets para os médicos estrangeiros do Mais Médicos, mas se esqueceu de que os postos do SUS não estão conectados à internet. Jogou dinheiro no lixo. Recuperado do lapso, diz agora que está licitando a banda larga.

Parece piada, mas não é.

Na sexta-feira, a Receita Federal divulgou mais um recorde perverso: em 2012, os impostos comeram 35,85% da renda dos brasileiros, superando o recorde de 35,31% de 2011, que, por sua vez, batia o do ano anterior. Uma carga tributária obscena entre os países emergentes e até mesmo se comparada à dos Estados Unidos, em torno de 25% do PIB. Só perde para países europeus tops do mundo na excelência de serviços e qualidade de vida.

É muito suor para pouquíssimo retorno. Algo que não se resolve com versões para estimular os apagões de memória dos brasileiros. Algo que não dá para jogar na conta de ricos versus pobres, da casa grande e senzala. A obra de Gilberto Freyre não abriga tamanha desfaçatez.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 22/12/2013.

4 Comentários para “A política Alzheimer”

  1. Utopias e distopias, por Luis Fernando Veríssimo

    Todas as utopias imaginadas até hoje acabaram em distopias, ou tinham na sua origem um defeito que as condenava.

    A primeira, que deu nome às várias fantasias de um mundo perfeito que viriam depois, foi inventada por sir Thomas Morus em 1516. Dizem que ele se inspirou nas descobertas recentes do Novo Mundo, e mais especificamente do Brasil, para descrever sua sociedade ideal, que significaria um renascimento para a humanidade, livre dos vícios do mundo antigo.

    Na Utopia de Morus o direito à educação e à saúde seria universal, a diversidade religiosa seria tolerada e a propriedade privada, proibida. O governo seria exercido por um príncipe eleito, que poderia ser substituído se mostrasse alguma tendência para a tirania, e as leis seriam tão simples que dispensariam a existência de advogados.

    Mas para que tudo isto funcionasse Morus prescrevia dois escravos para cada família, recrutados entre criminosos e prisioneiros de guerra. Além disso, o príncipe deveria sempre ser homem e as mulheres teriam menos direitos do que os homens.

    Morus tirou o nome da sua sociedade perfeita da palavra grega para “lugar nenhum”, o que de saída já significava que ela só poderia existir mesmo na sua imaginação.

    Platão imaginou uma república idílica em que os governantes seriam filósofos, ou os filósofos governantes. Nem ele nem os outros filósofos gregos da sua época se importavam muito com o fato de viverem numa sociedade escravocrata.

    Em “Candide”, Voltaire colocou sua sociedade ideal, onde haveria muitas escolas mas nenhuma prisão, em El Dorado, mas “Candide” é menos uma visão de um mundo perfeito do que uma sátira da ingenuidade humana.

    Marx e Engels e outros pensadores previram um futuro redentor em que a emancipação da classe trabalhadora traria igualdade e justiça para todos. O sonho acabou no totalitarismo soviético e na sua demolição.

    Até John Lennon, na canção “Imagine”, propôs sua utopia, na qual não haveria, entre outros atrasos, violência e religião. Ele mesmo foi vítima da violência, enquanto no mundo todo e cada vez mais as pessoas se entregam a religiões e se matam por elas.

    Quando surgiu e se popularizou o automóvel anunciou-se uma utopia possível. No futuro previsto os carros ofereceriam transporte rápido e lazer inédito em estradas magnetizadas para guiá-los mesmo sem motorista. Isso se os carros não voassem, ou se não houvesse um helicóptero em cada garagem.

    Nada disso aconteceu. Foi outra utopia que pifou. Hoje vivemos em meio à sua negação, em engarrafamentos intermináveis, em chacinas nas estradas e num caos que só aumenta, sem solução à vista. Mais uma vez, deu distopia.

    Luis Fernando Veríssimo é escritor.

  2. Tocar fogo em SP: meta do conservadorismo em 2014

    Haddad lidera reformas indispensáveis para tirar a cidade do caos. A velocidade dos ônibus já deu um salto de 45%. Mas o dinheiro grosso barra novos avanços.

    por Saul Leblon, na Carta Maior.

    A velocidade dos ônibus em São Paulo registou um salto de 45% em 2013 (de 14,2 kms/h para 20,6 kms /h).

    Três milhões de pessoas ganharam 38 minutos por dia fora das latas de sardinha, que agora pelo menos andam.

    Embora a maioria ainda desperdice mais de duas horas diárias em deslocamentos pela cidade, é quase uma revolução quando se verifica a curva antecedente.

    Ninguém pagou mais por isso: as tarifas estão congeladas desde junho sob a pressão de protestos legítimos liderados pelo Movimento Passe Livre.

    Financiar a tarifa e modernizar o sistema com 150 kms de corredores exclusivos (as faixas já passam de 290 kms), seria a tarefa do aumento progressivo do IPTU previsto pelo prefeito Fernando Haddad.

    A coerência entre os meios e os fins é irretocável.

    1/3 dos moradores mais pobres de SP não pagariam nada de IPTU em 2014; os demais, em média, contribuiriam com um adicional de R$ 15,00 ao mês.

    Os boletos dos mais ricos, naturalmente, transitariam acima da média.

    O matrimônio de interesses expresso na aliança entre Fiesp, PSDB e a toga colérica implodiu esse reajuste.

    Como Nero, eles querem ver São Paulo pegar fogo para culpar os adversários (os cristãos, no caso do imperador).

    Em meio às labaredas emergiria o palanque conservador como a escada Magirus que os reconduziria com segurança ao Bandeirantes e, quem sabe, ao Planalto.

    O dinheiro grosso fornece a gasolina; o tucanato fino de Higienópolis entra com o maçarico.

    ‘Bum!’, diz a mídia obsequiosa que estampa a foto de Haddad com a legenda: o culpado é o oxigênio.

    Depois de subtrair R$ 40 bi por ano do sistema público de saúde, ao extinguir a CPMF, eles não hesitam agora em usar o sofrimento da população como recheio do seu pastel de vento eleitoral.

    É o de sempre, ataca Haddad: a coalizão da casa-grande contra a senzala.

    Eles retrucam estalando o chicote da mídia.

    A rede de ônibus da capital (linha e fretados) transporta 68% das população e ocupa somente 8% das vias urbanas.

    A frota de automóveis transporta 28% e ocupa cerca de 80% do espaço das vias.

    A informação é da urbanista Raquel Rolnik, em artigo reproduzido no Viomundo.

    A rigor, portanto, a mobilidade melhorou para a maioria dos habitantes da cidade, com uma redistribuição pontual do uso do espaço viário.

    Mas a emissão conservadora atiça o fim de ano da classe média com bordão do caos no trânsito – por culpa do privilégio concedido aos ônibus.

    Na edição de sábado (21/12), o jornal Folha de SP estampa a manchete capciosa em seis colunas, no caderno Cotidiano: ‘Trânsito piora, e ônibus anda mais rápido’.

    No manual de redação dos Frias , trânsito é sinônimo de transporte individual.

    Há um traço comum entre esse entendimento do que seja interesse coletivo e individual e o belicismo conservador contra o programa ‘Mais Médicos’.

    O programa subverteu a lógica protelatória e alocou médicos estrangeiros, cubanos em sua maioria, ali onde os profissionais locais não querem trabalhar: periferias conflagradas e socavões distantes.

    Produz-se assim uma mudança instantânea na vida de 16 milhões de brasileiros até então desassistidos.

    Quantos não morreriam à espera do longo amanhecer incremental preconizado pelo conservadorismo?

    A dimensão estrutural desse antagonismo perpassa a luta pelo desenvolvimento brasileiro desde Getúlio.

    Reformas de base ou a delegação do futuro da economia e do destino da sociedade aos mercados?

    Em 1964 o pelourinho midiático, a Fiesp e o tucanismo, na versão udenista, resolveram a pendência da forma sabida.

    Meio século depois, São Paulo reproduz em ponto pequeno a mesma confluência de interesses que se reivindica o direito consuetudinário de tocar fogo no canavial e estalar o açoite para fazer a moenda girar.

    Primeiro, a garapa; o resto a gente conversa depois.

    Com a tigrada guardada nas senzalas.

    Ou imobilizada em ônibus-jaula.

    A gestão Haddad precisa modular o timing de suas ações para discutí-las antes com a população.

    Tem agora um inédito conselho de participação popular para isso.

    Mas é indiscutível que o prefeito lidera hoje um conjunto de reformas imperativas, as reformas de base da São Paulo do século XXI.

    Sem elas a cidade afundará no destino que lhe reservou a elite brasileira branca e plutocrática: ser um exemplo de viabilidade de uma das mais iníquas versões do capitalismo no planeta.

    Esse é o embate dos dias que correm na metrópole.

    Diante dele, o silêncio de quem liderou os protestos de junho chega a ser desconcertante.

    Mas não é inédito.

    Há inúmeros antecedentes gravados na história com os predicados de cada época .

    E nenhum deles é inocência.

  3. Sério que esse texto acima (da Carta Maior) foi realmente publicado?
    É tão ridículo que dá até “vergonha alheia”.
    Fica parecendo que Haddad é até razoável, e que melhorou a vida da população – que estranhamente o detesta, considerando os índices fraquíssimos de popularidade do prefeito.
    CPMF? Aumento de IPTU? Nada disso se justifica, já pagamos uma enormidade de impostos – com um retorno pífio de serviços.
    As faixas de ônibus por toda cidade, sem planejamento algum, conseguiram piorar o trânsito uma enormidade.
    E o mais médicos, uma piada. Pra começar, até o nome está errado, já que, sem a apresentação de diploma, nem se sabe se realmente médicos são (a exigência era apenas xerox simples….).
    Tocar fogo em SP? Não precisa se preocupar com isso, o PT já está tocando fogo no país inteiro.
    PS: excelente o texto da Mary Zaidan, como sempre.

    Abraço.

  4. Miltinho, faltou citar a utopia de mercado/globalização, que tanto empobrece e desgraça países e cidadãos mundo afora.

    Com relação ao aumento de IPTU, cabe perguntar: a FIESP opõe-se a ele em prol da cidade, ou apenas a favor do que os gurus da terceirização sempre buscaram: “reduzir os custos”?

    Opõem-se à CPMF porque inflam a carga tributária ou porque, sendo retido na fonte, não pode ser sonegado?

    Com relação à faixa exclusiva de ônibus: foi uma besteira ou é uma estratégia vitoriosa em algumas cidades, como Oslo (Noruega), posto que desestimula o transporte individual?

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