O país não é uma igreja

O domingo deveria ser de descanso, de repouso dos guerreiros. Depois de trabalhar toda a semana, o cidadão imagina poder se entregar aos braços de Morfeu, sem culpa. Ficar igual celular, quando é ligado, procurando rede. No bem bom do à toa, lendo os jornais volumosos ou um livro, escutando música boa, ou simplesmente pensando. Melhor ainda, quando chega a família com os netos e a conversa corre solta, descontraída e amorosa. Esses momentos de chinelo e bermuda eu não troco por nada. E quem trocaria? Talvez esses desmiolados que só pensam em dinheiro, consumir e distribuir incivilidade pela cidade.

Nem sempre o previsto acontece. Pois há sempre a possibilidade mais que provável de se acordar com o som altíssimo que vem da igreja em frente. O pastor e os fiéis não entendem que nem todos querem ouvir aquelas preces coletivas entoadas em altos decibéis. Após as orações, um longo período de ensaio musical (quem disse que queremos ouvir isso?), que impede que as pessoas possam conversar dentro de casa.

E depois do duradouro tocar embolado de canções que mais primam pela altura do que pela qualidade, finda a tarde, vem a sessão noturna. Tudo o que foi treinado volta agora revigorado por vozes e instrumentos. E tem um sermão altissonante que, pelo volume, parece ser uma esculhambação geral nos ouvintes que não querem prestar atenção à palavra divina. Berrar não é a melhor maneira de convencer, é o que penso humildemente. Se o ensinamento for bom, os bons de espírito o acatarão mesmo se sussurrado. Melhor principalmente se sussurrado.

Aceito todas as religiões, respeito todas as doutrinas e ideias. É uma questão de princípio, mas também a constatação do que reza a Constituição, livro de todos os brasileiros. Sempre lembrando que o estado é laico, sou a favor da liberdade de crença, de expressão, de ir e vir, tudo o que é essencial em uma democracia.

Infelizmente vejo, com temor, a cada ano que passa, a invasão dos políticos ligados às crenças religiosas. Tudo certo eles defenderem seu pensamento religioso, seguirem em suas vidas particulares os conceitos de sua fé.

Mas não julgo correto que os deputados, vereadores e senadores, em nome do credo religioso que abraçam, queiram impor a todos os brasileiros a sua convicção. Assuntos de igreja se resolvem pela e na igreja. Se não querem se casar, se acham a bebida um absurdo, se são contra o uso de preservativos, não casem, não bebam e cultivem a abstinência sexual.

Quando eleitos representantes do povo, porém, não confundam o país e os cidadãos com a sua seita e seus fiéis. Cada um com sua crença e suas ações desde que não prejudique o próximo. Isso é cristão e civilizado.

Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas, em abril de 2012.

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