O mensalão de Ravel

O dia da estréia do julgamento do Mensalão no STF foi mais emocionante do que a estréia de Rafinha Bastos no Saturday Night Live.

O ministro Lewandowski – que não se perca pelo nome – gastou uns bons 70 minutos para executar o seu Bolero de Ravel, uma variação longa e mortalmente entediante sobre um mesmo tema: a defesa do desdobramento do julgamento, que havia acabado de ser pedido pela milionária verve do ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, defensor de alguns réus do mensalão, e agora livre dos incômodos liames com o contraventor Cachoeira.

Detalhe: o próprio Lewandowski, o que foi lembrado com inusitada irritação pelo relator Joaquim Barbosa, já havia votado anteriormente contra o desdobramento do processo.

O truque era tão engenhoso quanto barato: o desdobramento, se aprovado, significaria mandar para a primeira instância o julgamento de todos os réus que não dispõem de mandato parlamentar e consequente direito a foro especial: ou seja, dos 38 réus, 35 seriam julgados em primeira instância, inclusive o denominado (pelo Procurador- Geral da República) “chefe da quadrilha”, José Dirceu.

O que isso significaria em termos de prescrição, de adiamento, de procrastinação, de recursos e de enrolações em geral, é incalculável. Para os réus, seria simplesmente algo parecido com o paraíso.

A decisão, que em condições normais de temperatura poderia ser tomada em meia hora, com os ministros respondendo à questão com um simples “sim” ou “não”, foi soterrada por uma avalanche de bacharelismo mais entediante do que uma partida de biriba com a sogra surda.

Mas, enfim, é a vida. O primeiro truque que o imbatível Thomaz Bastos tirou de sua inesgotável cartola foi soterrado por 9 votos a 2, o que comprova que nem no Olimpo do Direito os deuses são infalíveis.

O strike visivelmente combinado com o parceiro Lewandowski falhou, mas a dupla ainda pode tentar ganhar o jogo com algum “spare”.

O ministro Dias Toffoli, cuja isenção é arguida em off pelo Procurador-Geral da República e em “on” por vários advogados judiciosos, acabou votando contra os interesses de quem em tese estaria inclinado a defender, e deu uma demonstração de independência – que por sinal não é a primeira – mas estará, justamente ou não, sob suspeição até o final do julgamento, e agiria com correção e lisura se se abstivesse de participar.

Logo depois, Joaquim Barbosa leu um resumo de seu relatório e o primeiro dia de julgamento perdeu-se num vácuo de inutilidade que promete estender-se numa interminável procissão de filigranas jurídicas.

Isso quer dizer que levará ainda um bom tempo até que possamos medir a profundidade das cicatrizes que o mensalão deixou tatuadas nas instituições políticas brasileiras

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 3/8/2012.

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