O direito de ir e vir

A moça síria e o moço druso se amam e querem viver juntos. Eles se conheceram em Damasco, estudantes. Entre o gostar e o viver juntos, porém, existe uma barreira desumana. Um muro, uma fronteira canalha como tudo o que existe para impedir que homens e mulheres convivam normalmente. Entre o afeto deles se interpõe a violência dos poderes de estados que brigam entre si e ditadores trabalham para separar, nunca para unir as pessoas.

Em sua origem, os governos não foram criados para isso. Mas é o que temos, basta ler a História das nações e prestar atenção no que nos mostram os meios de comunicação.

Ele é druso e morador de Israel. Ela mora na Síria. Entre os dois e sua felicidade existe a cerca que impede que os habitantes dos dois lados circulem, pra lá e pra cá. Como fazemos nós, pois o mundo é nosso, de todos nós. Ou deveria ser.

Enfrentando a burocracia estatal e depois de uma espera de dez anos, ah como o estado não suporta os amores, os futuros amantes têm a permissão de se casar.

Mas há uma condição cruel: atravessando a fronteira entre Síria e Israel, a noiva despede-se de seus familiares para nunca mais encontrá-los. Não há caminho de volta, ela não poderá nunca mais retornar à sua terra e aos seus pais, irmãos e amigos. Pais morrerão sem o olhar da filha.

Sagrado e humano é o direito de ir e vir. Qualquer lugar do mundo em que os governantes o impeçam merece desprezo e deve ser contestado. Pensar livremente, expressar publicamente esses pensamentos, fazer tudo o que seja agradável e a ninguém prejudique, amar e amar e amar. E andar por todos os caminhos que a disposição queira e a imaginação nos conduza. O mundo não foi feito para ser prisão e o homem (quando digo homem, ó censores politicamente corretos, eu quero dizer a humanidade) foi criado e gerado no amor para ser livre e feliz.

Minha história de vida é muito simples, não merece biografia. Sou um homem comum fazendo um trabalho que tem o mesmo valor de outros ofícios. Confesso, sem querer tirar vantagem, que desde a juventude abracei a cultura e a liberdade. Meus sonhos de país e mundo nunca aceitaram o estágio, mesmo que temporário, do autoritarismo.

Sempre abominei as ditaduras por mais que me falassem em ganhos em educação e saúde. Onde pude, fui lá ver. Nada justifica a tortura e o aprisionamento por pensar diferente dos poderosos do dia (o dia da História é longo e o que se segue certamente não terá os mesmos personagens).

Abaixo todos os muros e todas as ditaduras. Por 44 anos famílias não puderam se falar em Berlim, impedidas pela parede estúpida da política internacional.

Derrubar todas as barreiras, todos as ideologias, todos os dogmas. Um homem, uma mulher, seus filhos e toda a sua família valem mais do que qualquer líder. Queremos ir e andar por aí, quando quisermos, para onde quisermos. A vida é nossa e vamos vivê-la.

Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas, em fevereiro de 2012.

Um comentário para “O direito de ir e vir”

  1. Brant, essa prisão do coração é um sofrer pior do que todos os outros.

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