De volta a Belo Horizonte

Quinze dias fora do país, saio pela cidade para ver a paisagem conhecida. Preciso comprar um filtro para a água da geladeira. Na loja especializada me informam que o produto está em falta, a fábrica não o envia há tempos.

Mas se o filtro é necessário e dura a metade do tempo estabelecido, como explicar tal desídia? O vendedor ri quando lhe digo que  essa brastemp não é tão brastemp assim, mas me dá indicações de outros estabelecimentos da região que podem ter o que procuro.

A primeira é do outro lado da avenida. Espero que os sinais se abram para as pessoas e atravesso diante de três deles. No quarto, fico sem saber o que fazer. Há uma larga faixa para pedestres, mas sem sinal. Como atravessá-la se o trânsito está sempre livre para os carros? Olha que eu estava voltando de países em que os carros (em Brasília também é assim) param quando o transeunte põe os pés no asfalto. Se eu fizesse isso naquele ponto (Avenida Bias Fortes com Rua Mato Grosso), eu não estaria aqui conversando com vocês. A engenharia de trânsito da capital nos deve essa.

À noite resolvo ir ao Independência para rever o meu América. Chego ao pé do morro, de táxi, quando o jogo já tinha começado. Paro diante dos policiais que fecham a entrada da ladeira e peço que permitam ao táxi me conduzir ao topo da subida. Dizem que não posso. Falam que tenho de subir até à Rua Pitangui, onde estão os portões do outro lado do estádio. Digo-lhes que meu ingresso só me permite entrar por este lado. Não querem conversa e nem respeitam, como diria o Tavinho Moura, meus quase cem anos.

Essa barreira fechada, o táxi sobe uma ladeira paralela. No meio do caminho encontramos outra, com quatro policiais. O diálogo de surdos se repete. Não posso passar de carro, nem que seja por instantes. Era só o motorista me levar ao portão principal e retornar em seguida. Proibido. Eu vejo que um veículo de aluguel passou por eles sem problemas. Por que o privilégio? São moradores.

Num rasgo de ironia, um dos policiais me pergunta se vou morar no Independência. É assim que, muitas vezes, o cidadão é tratado por funcionários públicos que recebem salários vindos dos impostos que pagamos.

Não há nenhuma pessoa circulando por aqueles espaços, apenas trincheiras de PMS, penso eu, convocados para me negar o direito de circular, por um minuto, pela rampa deserta de mais de trezentos metros, a bordo do táxi que retornaria imediatamente.

Na terceira trincheira fui atendido com mais civilidade por um oficial que se dispôs a me acompanhar pelo beco abandonado que, na parte externa, liga os dois lados do Independência. É a tendência mundial de só se chegar a pé aos estádios, disse-me ele. Mas não há no resto do planeta do futebol um campo postado no alto de uma ladeira tão íngreme.

O que me assusta é a falta de sensibilidade dos burocratas. Há uma ordem que deve ser cumprida sem transigência, bom senso ou inteligência. Os idosos e os pais de crianças que se danem.

Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas, em julho de 2012.

 

Um comentário para “De volta a Belo Horizonte”

  1. Em BH, em Curitba, SP e RJ é a mesma coisa. A crônica é retrato da imbecilidade. Poder e força aos truculentos. Fazem leis e regulamentos para a proteção de crianças e idosose as entregam nas mãos de policiais surdos, cegos e beócios.

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