Ao vivo e em preto e branco

Coisas antigas, mas valem ser lembradas. Fui, há muitos anos, televizinho. Palavra que, hoje, quase ninguém sabe o que significa. Era um tempo em que o Brasil era mais pobre mas a miséria, menor. A televisão, a maior das novidades, onde já se viu rádio com imagem?

Os rádios que escutavam o mundo nós tínhamos, mas televisão só um vizinho, em todo o quarteirão. Éramos amigos dos netos e convidados para assistirmos àquela maravilha todas as noites. Havia filmes e seriados, mas a maioria da programação era ao vivo e em preto e branco.

Os erros não podiam ser consertados, apenas relevados diante do improviso total das emissoras e dos artistas que se revezavam em anúncios, jornalismo, teleteatros e programas humorísticos e musicais.

A maioria dos profissionais que trabalhavam na emissora associada do Rio de Janeiro vinha, semanalmente, mostrar seu serviço na capital dos mineiros. Eu me lembro do Stanislaw Ponte Preta, Marlene, Hebe Camargo, Antônio Maria e muitos outros. Uma atração era especial para a garotada e a maioria dos poucos que viam tevê naquele tempo: a Praça da Alegria, comandada por Manoel da Nóbrega e que nos trazia personagens como o Zé Bonitinho, Golias e Chico Anysio. Essa eram noites mais divertidas do que as do Rin Tin Tin e outras séries americanas.

Houve um dia em que problemas aéreos impediram que a trupe da Praça viesse a Beagá. Só um veio, o Chico. Foi, para mim, a primeira noite da admiração. Sozinho, ele encenou uma dezena de tipos engraçadíssimos, muitos dos quais não conhecíamos.

O extraordinário foi a rapidez com que ele passava de um para outro tipo. Não sei se a câmera fazia algum malabarismo para desviar nossa atenção. O certo é que, por quase uma hora, os mineiros assistiram àquele show de um homem só e gostaram muito.

Eu me recordo até hoje do garoto de calças curtas, chupando um pirulito e dizendo “Santelmo ,você sabe por que eu faço isso”? E a resposta: “Ignoro”. Não era o mais engraçado, mas ficou marcado em minha memória.

Chico Anysio, ator e autor brasileiro extraordinário, se foi na mesma semana em que, finalmente, consegui assistir ao filme O Artista, vencedor do Oscar de 2012. Nunca é tarde para ver obra fascinante como essa.

Os apressadinhos de hoje, que pensam que ser moderno basta e que as invenções passadas nada valem, certamente não conseguem imaginar a televisão sem videotape e muito menos cinema mudo. Além de mudo, mas com uma trilha sonora muito boa, o filme francês é uma aula de cinema, um hino de amor ao cinema. Além de todas as suas qualidades, me agradou muito a citação constante de um dos filmes que eu mais admiro, A Turba de King Vidor, também silencioso. Sem palavras e sem música, mas com uma carga de emoção que me impressionou aos vinte anos e guardo comigo até hoje. É o que nos fica dos grandes autores e artistas que, como Chico Anysio, nos animaram com alegria e beleza.

Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas, em março de 2012.

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