15 grandes, belas reportagens de Anélio Barreto

Eis aí uma excelente notícia, numa época em notícia boa é raridade: Anélio Barreto colocou na internet seu livro Histórias que os jornais não contam mais.

São 15 reportagens, publicadas ao longo de quatro décadas, entre 1968 e 2008, no Jornal da Tarde, no portal estadao.com.br e em O Estado de S. Paulo. Os temas são os mais diversos possíveis e o traço de união entre eles é que são todos grandes reportagens, feitas a partir da apuração e pesquisa rigorosas, à vezes demoradas, e escritas em linguagem atraente, saborosa, agradável e interessante.

Descrevem fatos reais, apenas fatos reais, mas a narrativa se aproxima daquela da boa literatura. Lêem-se as reportagens de Anélio Barreto com o mesmo sabor com se que se lê um romance de Luiz Alfredo Garcia-Roza – ele mesmo, aliás, personagem de um dos textos, “Com Espinhosa, no Peixoto”, reportagem publicada no Estadão em 2008.

Como escreveu no prefácio do livro o jornalista Sandro Vaia, um dos fundadores do Jornal da Tarde e ex-diretor de redação da revista Afinal, da Agência Estado e do jornal O Estado de S. Paulo:

“Nesta antologia é possível avaliar a facilidade com que Anélio trafega entre assuntos tão diferentes e tão contrastantes de forma a imprimir a cada um deles o toque pessoal que dá sentido à estrutura do texto e provoca, ao final da leitura, a sensação de ter acabado de saborear, em forma de história, uma aventura humana de primeira grandeza.

“Assim é com a narrativa da extraordinária vida de Frank Sinatra chegando aos 80 anos; com a visita ao implacável cenário de degradação humana numa Angola em guerra; na sutileza da visita ao suave cenário irlandês da minúscula Cong, que John Ford rebatizou de Innisfree, e onde ele filmou o seu Depois do Vendaval; nos personagens da subvida da cracolândia paulista; na história de vida do jogador Adriano, que nasceu na favela, virou Imperador, e alguns anos depois desse retrato acabou abandonando os palcos gloriosos da Europa para voltar às suas origens; no retrato de Carrapateira, cidade mais pobre do Brasil; na descrição da vida de Michelangelo Buonarotti, o gênio da Capela Sistina; na visita aos índios de uma tribo do Xingu que adora a lua justo na época em que o homem pôs os pés lá; no passeio pelo cotidiano da Daslu, templo paulistano do consumo de luxo.”

Em seu prefácio, Sandro Vaia observa que o título do livro de Anélio, Histórias que os jornais não contam mais, “pode servir como um epitáfio aos jornais que agonizam e ao mesmo tempo como um diagnóstico das razões dessa agonia: morrerá mais rapidamente quem esquecer que a essência mesma do jornalismo é contar – e contar bem – boas histórias, com começo, meio e fim.

E prossegue: “Por razões empresariais, industriais, estratégicas, econômicas e o que mais se queira usar como justificativa, os jornais impressos estarão em marcha acelerada rumo à irrelevância e à obsolescência que os levará à morte na medida em que insistirem em se tornar registros formais e sem vida das notícias de ontem.

“Anélio foi um dos melhores repórteres que passaram pelo Jornal da Tarde na época em que ele revolucionou a imprensa brasileira. Uma das características dessa revolução foi o casamento que o jornal conseguiu fazer entre forma e conteúdo. Essa revolução consistiu em permitir e estimular que a linguagem gráfica com que se trabalhava a apresentação e o acabamento das reportagens fosse integrada à essencialidade do conteúdo e à própria forma em que o texto era elaborado. Um conceito de edição que até então não era usado nos jornais brasileiros.”

Agora, a minha visão pessoal

Até aqui, o texto veio de maneira extremamente objetiva. Agora começo a falar do meu jeito nada objetivo, e sim pessoal, personalíssimo e intransferível.

Eu, pessoalmente, fiquei muito contente com a decisão do Anélio de colocar à disposição de todos, na rede, essas belíssimas reportagens. Elas darão prazer a quem lê-las, com toda certeza. Mas acho que darão algum prazer também ao Anélio, e é por isso que fico feliz.

Conheci o Anélio (assim como o Sandro Vaia, e o Valdir Sanches, três dos amigos que colaboram com este site aqui) há exatos 42 anos. Desde 1970, quando tive a sorte (e a mão de Gilberto Mansur) de chegar à redação do Jornal da Tarde, foca de tudo, sem nenhum treinamento, sem faculdade, sem coisa alguma, a não ser um razoável domínio da língua portuguesa.

(Em seu prefácio, Sandro Vaia diz: “A maioria dos jovens que formaram a agitada redação do JT daquela época tinha pouca vivência no jornalismo tradicional – e isso foi uma grande vantagem, porque eles não traziam o peso dos vícios e das convenções.” Isso se aplica ao Anélio, a mim, e a muitos outros.)

Quando cheguei ao JT, à redação que então ficava no quinto andar do prédio da Major Quedinho, Sandro era chefe de reportagem e Anélio, copydesk da editoria de Reportagem Geral. Tinham sido, os dois, excelentes repórteres – mas, como qualquer jornal precisa desesperadamente de bons redatores, chefes de reportagens, subeditores, editores –, tinham já sido tirados da reportagem para executar aquelas outras tarefas dentro da redação. Tarefas tão indispensáveis quanto as do exercício da reportagem no dia a dia.

Ao contrário do Anélio, do Sandro, do Valdir, nunca fui um bom repórter. Fui, com boa vontade, um repórter mediano, para não dizer medíocre. Mas escrevia direitinho, tinha o tal razoável domínio da língua, e, portanto, minha passagem pela reportagem não durou nem dois anos: virei copydesk. (Eventualmente, no futuro viria a ser subeditor e, em outras publicações, editor, editor executivo, redator chefe.)

O Jornal da Tarde – e o jornalismo – não perderam nada com o fato de eu deixar de ser repórter. Mas, se ganharam com Anélio e Sandro redatores, depois editores, depois redatores chefes de grande competência, perderam dois grandes repórteres.

Tanto Anélio quanto Sandro arranjariam tempo – fora das tarefas internas de redação – para fazer reportagens. E foram belas, grandes reportagens. Mas, na maior parte de suas longas e exitosas carreiras, tiveram que se dedicar a outras tarefas. Ao contrário de Valdir, que teve a sorte, ou a persistência, de ser sempre repórter.

Este texto está ficando longo, e não era minha intenção. O que eu queria dizer é que todo jornalista – por melhor redator, editor, redator chefe que seja – gosta mesmo é de fazer seus próprios textos.

Melhorar o texto dos outros, reescrever, juntar as informações, fazer títulos, editar, preparar o produto final que será oferecido aos leitores é uma tarefa necessária, fundamental, e digna. Mas jornalista gosta mesmo é de fazer seus próprios textos.

Quando pude finalmente sair das redações, após 36 trabalhando nelas, passei ter tempo para escrever meus próprios textos, neste site aqui e no 50 Anos de Filmes. E passei a escrever muito, quase compulsivamente. Muitas vezes brinco dizendo que escrevo tanto é para compensar os 36 anos em que fui obrigado a ficar mexendo nos textos dos outros para ganhar a vida.

Então, voltando ao começo desta minha digressão: a decisão do Anélio de publicar sua antologia de maravilhosas reportagens me deixou muito contente, e não só porque muita gente terá agora a oportunidade de lê-las, mas também, ou principalmente, porque o Anélio tem agora, novamente, o prazer de colocar seus textos diante dos leitores.

E quem sabe com isso ele se anima a voltar a escrever.

29 de fevereiro de 2012

4 Comentários para “15 grandes, belas reportagens de Anélio Barreto”

  1. Sensacional! Na verdade, é uma declaração de amor. Ao Anélio, ao Sandro, ao Valdir. E ao jornalismo, à boa reportagem, ao texto bem escrito, lapidado como diamante. Adorei, assim como adorei as brilhantes reportagens do Anélio.

  2. Servaz, alguém precisa dar uma dica para o Anélio e o Sandro. O segundo volume do livro está pronto, basta o Anélio contar a história da história, como fez as reportagens, o que passou no sertão, como se entendeu com os índios da lua, como editou suas matérias, aquele Davi de Michelangelo deitado em duas páginas ligadas do Estado, e o Dr Ruy Mesquita preocupado com genitália exposta daquela forma. Anélio: ao computador!

  3. Segunda parte do meu comentário. Servaz, só você mesmo acha que foi um repórter mediano. Sugiro que publique aqui um daqueles péssimos textos, para a gente conferir. Temos visto, aqui mesmo, suas críticas de música e cinema, também de nível deplorável. Servaz: pára com isso! (ortografia antiga)

  4. Vaz, já que você diz ter sido um repórter mediano, sugiro que coloque no site sua entrevista com Nara Leão. Aí nós mesmos poderemos formar nossa opinião.

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