Um pouco de Marcos Faerman

Para os que sempre conheceram, os que apenas conhecem, e os que sempre ouviram falar, mas não conhecem, um pouco de Marcos Faerman, o ouro da época de ouro do Jornal da Tarde.

São os primeiros momentos da cobertura da seca no Ceará, em janeiro de 1976.

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Pra onde o senhor vai, moço? Para Irecê? Irecê não existe mais, Irecê acabou.

Foi o que ouvi de um caboclo magro, chapéu de palha caído nos olhos, malinha na mão, numa tarde quente, nenhuma nuvem no céu.

Estávamos perto de Irecê, na estrada de asfalto que vem de Feira de Santana. A cada quilômetro, no sentido de Irecê, o calor aumentava, as nuvens diminuíam, ralas, um céu azul.

Pertinho de Irecê, um grupo de homens conversava, e um deles dizia para a incredulidade dos outros, que naquela noite… ele tinha visto “relâmpagos no céu”!

– No horizonte?

– É, no horizonte; uns relâmpagos, pensei em chuva.

– Chuva… disse o outro.

– Jesus, tem hora que penso que nunca mais vai chover.

Um caboclo olhou para o outro e disse:

– Olha os pássaros.

Estavam voando para longe de Irecê.

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Irecê do sertão, Irecê da seca.

Não é uma cidade tão pequena como se imagina. Lembra algumas cidades de São Paulo. É um lugar atarefado, orgulhoso de suas toneladas de feijão, de mamona. “A maior produtora de feijão do Nordeste”, ouve-se na prefeitura. “Exportamos para cinco estados brasileiros”. Uma cidade que lidera uma região, com doze municípios, todos do feijão, do milho e da mamona. Uma região em que a natureza alterou todos os conceitos geográficos.

Os rios não têm água.

Os lagos não têm água.

Os olhos d’água não têm água.

Uma menininha de quatro anos chamada Cláudia vê um estranho na cidade, vem e pergunta a ele:

– Moço, você é da chuva?

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– Cláudia! Nem fale em chuva! Chuva! Que medo! Que horror.

Dona Aura, senhora madura, começa a dizer isto. Não quer saber de chuva, pois não. Toda região quer chuva, menos ela, que sempre teve medo de chuva, chove e ela corre pro quarto; que ela quer saber desta coisa do diabo… chuva! Assim, toda vida, desde criança; desistiu de São Paulo por causa… da chuva. No hotel em que vive, todos brincam com ela… “cuidado com a chuva, dona Aura, cuidado…” Cláudia também brinca.

Falaram para Cláudia (todo mundo em Irecê – como veremos – fala nisto)… que havia um avião voando, um avião azulzinho… voando… para que a chuva caísse.

Todo estranho que ela vê, pensa que pode ser um dos “homens do avião”. Vem a pergunta:

– O senhor é o homem da chuva?

Uma nota

As gavetas de Valdir Sanches guardam preciosidades. Outro dia ele encontrou lá o relato que fez sobre a redação do Jornal da Tarde no dia em que o Congresso Nacional votava a emenda das diretas-já – uma pérola sensacional.  O 50 Anos de Textos fica melhor com as descobertas que Valdir faz nas suas gavetas. 

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