O terceiro homem mais rico do mundo cala a boca do Tea Party

Raríssimas vezes li um texto sobre economia tão absolutamente claro, límpido, cristalino, quanto o artigo de Warren Buffett, o mega-investidor, o terceiro homem mais rico do planeta, segundo a revista Forbes, publicado pelo New York Times na segunda-feira, 15 de agosto, e republicado na íntegra, no dia seguinte, no Globo.

Posso estar redondamente enganado, é até bem provável, mas, ao ler o texto, tive a sensação de que ele terá grande importância histórica.

Me parece o texto certo da pessoa certa no momento certo. Veio poucos dias depois do desgastante, perigoso, doloroso embate entre republicanos e democratas no Congresso americano que quase levou os Estados Unidos a não ter condições de pagar suas dívidas, e logo após a Standard & Poor’s rebaixar pela primeira vez na história os títulos do governo. Já estamos praticamente no início da campanha eleitoral americana, e os ultraconservadores do Tea Party assustam o mundo com seus berros loucos contra o aumento de impostos para os muitíssimo ricos.

Não resisto à vontade de republicar o texto neste site pessoal. Será a primeira vez que publico um texto sem a explícita autorização do autor, mas tenho a certeza que o biliardário americano não se importaria com isso.

Eis a tradução do artigo, feita por Claudia dos Santos e publicada no site Perguntas Inconvenientes.

Parem de mimar os super-ricos

Por Warren Buffett

Nossos líderes pediram por “sacrifício compartilhado”. Mas quando fizeram esse pedido, eles me pouparam. Contatei meus amigos mega-ricos para saber qual a pancada que eles esperavam. Mas eles também foram poupados.

Enquanto os pobres e a classe média lutam por nós no Afeganistão, e enquanto a maioria dos americanos luta para fechar as contas do mês, nós megarricos continuamos com extraordinárias isenções fiscais. Alguns são gestores de fundos que obtêm bilhões do nosso trabalho diário, mas podemos classificar nossa renda como “lucro diferido”, pagando alíquota de imposto de 15%. Outros possuem futuros de ações por apenas dez minutos e conseguem que 60% do seu lucro seja taxado a 15%, como se fossem investidores de longo prazo.

Estas e outras bênçãos nos são concedidas por parlamentares em Washington que se sentem na obrigação de nos proteger, como se fôssemos uma espécie em extinção. É bom ter amigos em cargos elevados.

No ano passado a conta dos meus impostos federais — o Imposto de Renda, bem como a contribuição para a Previdência, a pessoal e a de meus funcionários — foi de US$ 6.938.744. Parece um bocado de dinheiro. Mas foi apenas 17,4% do meu rendimento tributável — e é uma porcentagem menor que aquela paga por qualquer das 20 pessoas que trabalham em meu escritório. A carga fiscal delas ficou entre 33% e 41%, numa média de 36%. Se você ganha dinheiro com dinheiro, como muitos de meus amigos super-ricos, sua alíquota pode ser menor que a minha. Mas se a sua renda vem do emprego, ela certamente será superior — provavelmente, muito superior.

Para entender o porquê, é preciso examinar as fontes de receita do governo. No ano passado, cerca de 80% vieram do imposto sobre a renda de pessoas físicas e da contribuição para a Previdência. Os megarricos pagam 15% de IR sobre a maior parte de seus ganhos, mas não pagam quase nada de contribuição previdenciária. Para a classe média, é outra história: ela normalmente fica na faixa de IR entre 15% e 25%, e ainda arca com uma pesada contribuição previdenciária.

Nas décadas de 1980 e 1990, os impostos para os ricos eram muito maiores. Segundo uma teoria que às vezes escuto, eu deveria ter tido um ataque e me recusado a investir por causa das elevadas alíquotas sobre ganhos de capital e dividendos pagos.

Eu não me recusei, assim como outros. Trabalho com investidores há 60 anos e ainda estou para ver um deles — mesmo em 1976-77, quando a alíquota de IR sobre ganho de capital era de 39,9% — fugir de um investimento por causa do imposto. As pessoas investem para ganhar dinheiro, e impostos potenciais nunca as assustaram.

E para quem argumenta que impostos maiores prejudicam a criação de empregos, ressalto que quase 40 milhões de vagas foram abertas entre 1980 e 2000. Vocês sabem o que veio depois: impostos menores e menos criação de empregos.

Desde 1992, o Fisco compila dados dos 400 americanos de maior renda. Naquele ano, esses 400 tiveram, juntos, renda tributável de US$ 16,9 bilhões e pagaram em impostos 29,2% desse valor. Em 2008, a renda agregada desses 400 saltara para US$ 90,9 bilhões — uma média atordoante de US$ 227,4 milhões —, mas a alíquota paga caiu para 21,5%.

Esses impostos não se resumiam ao IR, mas estejam certos de que qualquer contribuição previdenciária para esses 400 era ínfima se comparada à renda. Em 2008, 88 desses 400 informaram não ter recebido qualquer salário, mas todos declararam ganhos de capital. Alguns de meus colegas podem fugir do trabalho, mas todos gostam de investir. Conheço bem muitos dos megarricos, e eles são pessoas honestas. Eles amam a América e apreciam a oportunidade que o país lhes concedeu. A maioria não se importaria de pagar mais impostos, especialmente quando muitos de seus concidadãos estão sofrendo tanto.

Doze membros do Congresso assumirão em breve o trabalho decisivo de rearrumar as finanças de nosso país. Eles têm de elaborar um plano para reduzir o déficit em pelo menos US$ 1,5 trilhão. Mas é vital que eles consigam mais do que isso.

Os americanos estão perdendo a fé na capacidade do Congresso em lidar com os problemas fiscais do país. Apenas uma ação imediata e significativa evitará que essa dúvida se transforme em desespero. É muito dinheiro para cortar.

Os 12 deveriam, então, olhar para o lado da arrecadação. Eu deixaria intactos os impostos para 99,7% dos contribuintes e manteria a atual redução de dois pontos percentuais na contribuição previdenciária dos empregados. Esta ajuda os pobres e a classe média.

Mas para aqueles que ganham mais de US$ 1 milhão — em 2009, eram 236.883 —, eu elevaria imediatamente o impostos sobre a renda tributável acima desse valor, incluindo, claro, dividendos e ganhos de capital. E para aqueles que ganham US$ 10 milhões ou mais — havia 8.274 em 2009 —, sugiro uma alíquota adicional. Meus amigos e eu fomos mimados por muito tempo por um Congresso favorável a bilionários. Chegou a hora de o governo ser sério sobre compartilhar o sacrifício.

Postado em 17/8/2011

 

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