O Egito, a poesia e a menina

Eis que o poeta me chega pelas mãos de uma leitora. Consolo para esses dias em que me debruço sobre o que se passa no mundo. Diante de ditadores de toda espécie, sempre odiosos, o povo do Oriente se levanta em rebelião. Os ditadores sempre caem, mas deixam em seu rastro uma multidão de oprimidos pela violência e a miséria.

Dirigentes de nações interessadas e interesseiras temem pelo que virá e fazem meneios diplomáticos de neutralidade ou sorrateira aprovação aos tiranos. O povo da Tunísia e do Egito se nega a aceitar esse arremedo de equilíbrio político. Aos tanques e aviões que o ameaçam responde com seu grito de paz e liberdade.

O verdadeiro equilíbrio é o gozo de andar pelas ruas das cidades com alegria, sem medo. Esse movimento que chega, às vezes, às telas da tevê e do computador, é animador para quem acredita e torce por um mundo mais digno e justo. 

Há muita coisa boa ocorrendo. Primeiro, a menina que passa alguns dias em minha casa ( a casa dela está em obras) e dirige meu tempo e meu pensamento para o que há de bom. Divirto-me com a rapidez de seu raciocínio, com os personagens que inventa e com os que nós assistimos juntos. Saio do reino das preocupações, essas bobagens do mundo adulto, e adentro sem culpa no território da brincadeira. Fico à vontade, tranqüilo e limpo.

Nos intervalos, depois de me livrar da mania de ler jornais, busco meus arquivos de músicas por fazer. É uma pilha respeitável, que guardei para encarar nesta temporada de começo de ano. Não tenho pressa, e espero que os parceiros também não. Os de sempre e alguns novos que a gente vai encontrando por aí. A cabeça está boa e eu tenho certeza de que é só começar que a coisa anda. Mas até agora, devo confessar, estou só na intenção.

Essa também é hora de pesquisar como anda a máquina. Os olhos, de acordo com o Dr. João Agostini, estão bons. Preciso trocar as lentes, pois a cada ano o grau de miopia diminui. Enquanto a cervejinha e a taça de vinho ficam esperando por mim (estou a quatro luas sem visitá-las), arregaço as mangas e ofereço meu braço a um laboratorista sanguessuga. E fico nessa de comer saudavelmente, tomar um pouco de sol, tentar reativar o gosto pelo exercício físico moderado e descansar o físico e a mente.

Sem nenhum exagero, sem correria, meio assim lentamente. Mais ou menos na linha de Ascenso Ferreira: “hora de comer, comer; hora de beber, beber; hora de dormir, dormir; hora de trabalhar, pernas para o ar que ninguém é de ferro”.

Assim passam os dias. Estou com os egípcios no Cairo, com o poeta que a leitora mandou para me consolar e com o bálsamo que a Clara me entrega todas as manhãs.

Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas, em 2/2011.

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