Nós, os que não sabemos tomar a praça

Haverá fundo do poço mais fundo do que este em que está a política brasileira?

Um brasileiro decente, atleta excepcional, anuncia que está pendurando as chuteiras – literalmente –, vencido pelo peso do corpo, da idade. Um Twitter saído do Supremo Tribunal Federal faz a brincadeira: e quando é que Sarney vai pendurar as chuteiras? Sem qualquer traço de vergonha na cara, sem corar, sem se enrubescer, e sorrindo muito, o tiranete maranhense dá entrevista dizendo que se sente muito honrado com a comparação feita entre ele e Ronaldo Fenômeno.

Como é possível que José Sarney seja pela quarta vez presidente do Senado Nacional?

Na verdade, a pergunta seria – como é possível que José Sarney ainda exista na política brasileira?

Fidel Castro, outra múmia que, como Sarney, se recusa a deitar sob a lápide, no mesmo dia declara que a revolução do povo egípcio, que derrubou a ditadura de 30 anos de Hosni Mubarak, na verdade foi uma revolução contra o imperialismo americano.

Me pergunto quem é mais cara de pau, Sarney ou Fidel.

Da ilha-cárcere que a ditadura de Fidel infelicita há mais de 50 anos, Yoani Sanchez escreve que o povo egípcio nas ruas a deixa com uma certa inveja.

Tenho a mesma inveja de Yoani.

Por que somos mais sem-vergonha que os egípcios, que os tunisianos?

Não é uma questão de DNA. Não é porque fomos colonizados por Portugal, país chegado a um cartório, a uma certa preguiça. Portugal derrubou o salazarismo numa belíssima revolução popular. Ao fim de uma ditadura de direita de décadas, escreveu uma Constituição esquerdóide – o pêndulo da História, o pêndulo, o pêndulo –, mas depois soube corrigi-la, tirou os exageros da Constituição feita às pressas pós-ditadura de direita. Aggiornou-se, Portugal, aproximou-se do presente, do futuro. É hoje um país democrático, que tenta se livrar dos problemas econômicos históricos.

Ao nos livrarmos da ditadura militar, fizemos, como fez Portugal, uma Constituição revanchista contra a direita, detalhista até a medula, transformando o Estado em provedor-pai-mãe de tudo e de todos. Fizemos uma Constituição soviética, dois anos exatos antes de a União Soviética desabar feito castelo de cartas.         

Às tragédias, sobrevieram mais tragédias. O presidente do consenso pós-ditadura militar não chegou a tomar posse, e a crueldade do destino fez presidente o vice que não deveria nunca ter ascendido ao poder, o tal do tiranete maranhense.

Como estávamos cansados de tudo o que parecia coisa velha, antiga, nos atiramos em 1989 num segundo turno entre duas “novidades”. A “novidade” alagoana achou que podia roubar todos os elefantes do circo sem ser notado.

E aí fomos pra rua, e derrubamos o ladrão ousado demais, ou ingênuo demais, que achava que poderia roubar todos os elefantes do circo sem ser percebido.  

Somos um povo dócil, pacífico, mole, e então, apesar da gritaria histérica do lado de lá, escolhemos a continuidade do plano econômico que tirou o país da hiper-inflação, e tivemos, felizmente, oito anos de Fernando Henrique.

E aí veio o apedeuta, e de novo deu no que deu. O presidente impichado, tadinho, era um pobre coitado de um batedor de carteira, comparado com a gangue mafiosa que veio depois. E no governo do apedeuta todos ficaram irmãos, camaradas, cúmplices: os collor, os sarney, os newtão. São todos iguais, e se amam profundamente, e o ex-cara pintada Lindbergh Farias e Collor são todos amor perfeito, irmãos siameses, dilmistas de primeira.  

O único lugar do mundo onde, em 2011, o “socialismo” é a meta é a América Latina.

Por que somos, a América Latina, a América Latrina da História? A vanguarda do atraso? O desejo de ser no futuro o que no passado já se provou um gigantesco equívoco?

Pior e mais direto: por que somos, os brasileiros, a vanguarda da vanguarda do atraso? Por que teimamos em ir contra a História?

Livros e filmes nos falam da corrupção disseminada por todo o tecido social – na Índia, na China, em praticamente todas as nações africanas.

Não vejo nada pior do que no Brasil, o Brasil dos Sarney, dos Jáder, dos Newtão, dos Garotinho, dos Collor, dos Renan – sem falar dos Silvinho, Delúbio, Dirceu, Erenice, dos Lulinha.

Somos a vanguarda da vanguarda da vanguarda do atraso. Caminhamos contra a história, dominados por irmãos metralha mancomunados com marqueteiros que recebem rios de dinheiro em paraísos fiscais.

Faz agora oito anos e dois meses que somos governados por incompetentes que assaltam o dinheiro que pagamos em impostos fingindo que vão nos presentear com o socialismo que já se provou morto e enterrado no mundo inteiro.

E quando alguns poucos de nós tentamos gritar um “Fora Sarney”, somos só mil ou dois mil, nunca mais que isso, até porque os carros de som, a máquina toda, foi comprada pelo governo, que é apoiado por todos os sarneys e collors e dirceus e newtões.

Yoani, minha cara, divido com você minha profunda, nojenta inveja dos tunisianos, dos egípcios.

Como somos covardes.

Como somos covardes, desorganizados, incompetentes.

Fevereiro de 2011

6 Comentários para “Nós, os que não sabemos tomar a praça”

  1. Sensacional e Corajosa esta matéria sobre a República Atrazada do Carnaval,do Sarney,Renan.Delúbio etc..como foi despedida uma funcionária que esboçou sua opinião sobre o tal que paira há 35 anos sobre a Nação?Por que ninguém reage,somos covardes?Cumplices?Temos telhados de vidro?Nem sei se é Nação ou nação..

  2. É uma sintese perfeita,e,infelizmente uma triste constatação das nossas verdades, ficando sempre aquela pergunta que eu me faço todos os dias:
    Será que teremos que aceitar eternamente sermos o contraditório da parte boa do mundo, contradizendo por isso mesmo todos os prognósticos favoràveis que muitos já fizeram do Brasil?
    Ou será, penso eu agora, que estaremos predestinados(e aí já seria um pouco a teoria da conspiração),ninguém sabe quando, a ter no futuro uma importância muito maior para a humanidade, que no presente não conseguimos entender?

  3. Maravilha!
    Já que, apesar da vontade, não posso ir à rua gritar contra essa corja, alegro-me , ao ler seu artigo, que pessoas como você, através da escrita, o fazem!

    beijo
    Lúcia

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