Minha mãe

Essa mulheres são essenciais em nossas vidas. Estou diante da que me gerou e ouço o seu respirar intenso e sei do seu coração forte. Ela está ali, mas não como esteve antes. Beijo sua testa, seu rosto, mas a cada dia que passa, são mais imperceptíveis as respostas, mais diminutas ou inexistentes. Aos poucos ela vem nos acostumando, nós nos habituamos com o desenrolar do fio de sua existência. Onde aquela pessoa fogosa, alegre, comandante da casa e da família? Existem rastros de sua atividade nos objetos de seu quarto, na sala, na mesa de refeições e na personalidade dos filhos que criou junto com o pai de todos.

A vida foi lhe tirando aos poucos sua ligação com o mundo. Um processo lento, difícil de acompanhar. Pequenos acidentes ao longo de alguns anos. Olho para ela e me lembro daquela menina na flor dos trinta anos, na praça de esportes de Diamantina, jogando vôlei na noite estrelada e fria de minha infância. Ela jogando e eu catando trevos no gramado.

Um dia, muito mais tarde, adolescente, acendi um cigarro e passei ao lado dela, esperando a reprimenda. Não houve. E o menino que queria se afirmar, e passava mal ao tragar os cigarros no banheiro, nunca mais quis saber de adquirir aquele vício.

Santa mãe de seios fartos que acalentou onze filhos, os educou, enquanto o marido trabalhava no escritório caseiro ou no Fórum distribuindo Justiça. Como cozinhou maravilhas para todos! E os pudins e manjares que fazia para a mesa dos domingos?, que saudade boa. Coração enorme e justo, sabia distribuir seu amor para tantos em parcelas iguais.

Caridosa desde criança, tinha uma legião de homens e mulheres que batiam à nossa porta em busca de auxílio ou alimento. Ela sempre pronta a lhes ajudar. Conhecia a pobreza de seus tempos de criança, em Pitangui, do mesmo jeito que tinha ciência das dificuldades que passara para criar sua meninada (o Estado pagava pouco e atrasava sempre, essa a história dos juízes naquele tempo).

Numa foto dos anos 50, ela desfila elegante, com o marido e alguns dos filhos, pela Avenida Afonso Pena, o ponto chique de Belo Horizonte naquele tempo. Na parede da sala de nossa casa, uma foto do casal destila um mar de alegria e de bom viver.

Eu me calo e me emociono diante do corpo que pouco se move e que esconde a alma geradora de tantas outras. Estamos todos à espera do destino, de uma hora que, é inevitável, chegará. Minha alma, minha memória, continuará guardando o que aprendi, apreendi e usufrui em nossa convivência. Ela, minha amada mãe Yolanda, é dona de meu coração e nele permanecerá até que a vida e a consciência me abandonem.

Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas, em junho de 2011.

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