Lucas

A vida não pára. No mês de junho eu me despedi de minha mãe com um misto de muita tristeza e um pouco de alívio. Não foi, não é mole não. O que já se passara com meu pai se repetiu agora: ela saiu do convívio concreto e se instalou dentro de mim. Estou fazendo não sei o quê, numa hora qualquer, e sinto sua presença. O que aprendi e apreendi segue comigo.

Esse talvez seja o que consola nessa dor. Os dias passam, trabalho, leio, escuto, sigo o meu caminho. Agora, na noite fria de fim de julho, vejo uma outra mãe, pelo vidro da sala de parto. Tem um sorriso que afasta qualquer preocupação dos que a observam, principalmente do seu frágil e comovido pai, prestes a se tornar, pela segunda vez, avô. Quero urgente um final feliz. E é o que acontece para a alegria geral. Risos e abraços na maternidade.

Clara, a ilustre, no meu colo assiste a tudo, calma e interessada. Alguém respira no mundo externo ao ventre materno. Lucas, o luminoso, de acordo com a lição de Antenor Nascentes. Então que venha a luz, que a vida se manifeste, que meu pensamento possa voar na crença de que a humanidade e a existência valem a pena. Nesse momento, o que há de perverso em pessoas, cidade, país e mundo não importa.

O que importa é aquela criança que entra para o nosso convívio e encontra a certeza de carinho, afeto e beijos. O desejo de acompanhar sua caminhada me fortalece, me enche de poesia e música. Me induz a, mais uma vez, fazer promessas que tenho a melhor das intenções de cumprir.

Uma criança que nasce renova todas as esperanças, desperta todos os bons sentimentos, abre possibilidades infinitas. É assim que eu me sinto nesse momento. Pronto para enfrentar os desafios diários aos nossos direitos de cidadãos. Disposto a encarar o poder econômico e político que nos asfixia. Dar a minha contribuição modesta e irada contra a injustiça e a mentira.

O meu mundo tem de ser melhor para que o mundo dos pequenos também seja. Muitos dirão que é poesia, ingenuidade, falta de foco no mundo real que é assim mesmo, explorador, que sempre foi assim e continuará sendo. As idéias me movem e nelas eu acredito. A sabedoria construída pelos homens através dos séculos está em nossas mãos como antídoto aos canalhas. Desses, que são muitos mas minoria, não quero mais falar.

Prostro-me diante do milagre que assisti, luminoso fenômeno, na noite de 26 de julho. A mãe revelando ao pai a sua cria, mais um testemunho de que a vida continua e que um vazio que se faz é um espaço a ser preenchido. Eu, que me sentia pesado, me vi leve. Dormi profundamente naquela madrugada. E acordei sorrindo.

Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas, em agosto de 2011.

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