Gol contra

Sem ter sido comunicado previamente sobre o custo ou sobre as regalias concedidas para seduzir os organizadores, o brasileiro começa a descobrir, de susto em susto, cartas escondidas por detrás do orgulho de sediar a Copa 2014. E elas não são de bom agouro. Pior: a menos de três anos do apito inicial, ninguém pode dizer ao certo o que de fato o governo brasileiro negociou para abrigar o torneio.

O decreto isentando a Fifa e seus fornecedores de todo e qualquer imposto por seis anos, uma “condição” para a realização do mundial no país, é parte disso. Mas até a presidente Dilma Rousseff assiná-lo, na semana passada, ninguém sabia desse pré-requisito que, aliás, por escolha, não constou da Lei Geral da Copa enviada ao Congresso.

É a primeira vez que se tem notícia de algo do tipo. Na lista da alíquota zero entra de tudo: transportes, combustíveis, alimentação e até supérfluos. Ou seja, o contribuinte vai pagar até o scotch e o caviar de Joseph Blatter e seus amigos vips brasileiros e estrangeiros.

Ao colocar a desoneração de impostos na cesta de sedução, o governo admite – e com todas as letras – que a pesada carga tributária inviabiliza investimentos no país, mesmo se tratando de eventos milionários como a Copa.

Também não se tem idéia do quanto será gasto com as Copas, nem na das Confederações, em 2013 e ainda sem cidade-sede, nem na do Mundo. Os cálculos oficiais começaram com R$ 18 bilhões e já chegam a R$ 23,4 bilhões. Mas há quem garanta que a honra de ter a Copa pode chegar a exorbitantes R$ 85 bilhões. Nesse caso, computando-se investimentos em infraestrutura – aeroportos, transporte público, obras viárias, etc. -, a maioria deles encalacrados e sem luz no fim do túnel.

Para oito dos 12 estádios, que, sabe-se lá por que passaram a ser chamados de arenas, o BNDES já assegurou R$ 3 bilhões, empréstimos contratados pelos governos dos Estados que sediarão jogos. Nada de aplicações da iniciativa privada, cada vez mais longe da Copa. Só dinheiro público mesmo.

Em 2010, na África do Sul, as estimativas dão conta de que foram gastos € 42 bilhões, mas ninguém sabe ao certo. Dos 10 novos estádios, poucos têm utilização. O mais belo deles, na Cidade do Cabo, comeu € 450 milhões e está às traças, cogitado até de demolição. Quanto ao lucro, sabe-se que se pagou caro para massagear o ego e a auto-estima nacionais.

Por aqui também não dá para assegurar ganhos futuros.

Comemorada como gol de placa do ex-presidente Lula, a Copa 2014 ainda é um cenário de maiores incertezas do que de acertos. De desencontros e pouca transparência. De tentos contra o contribuinte.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 16/10/2011.

Um comentário para “Gol contra”

  1. Desde que começou essa euforia dos brasileiros por sediarmos a Copa eu, com meu desconfiômetro ligado em alta voltagem, procurei me informar de quais cofres sairia a verba necessária à construção dos estádios, reformas de aeroportos e para toda a infraestrutura que o evento exige. Afinal, não podemos fazer “feio” diante dos ilustres torcedores que aportarão por aqui. Quando fiquei sabendo que o erário seria, digamos de forma elegante, usado para esse fim, coloquei as barbas de molho.
    Vamos às cifras: a África do Sul gastou, em estimativas oficiais, 42 bilhões de euros. Ao câmbio médio de R$ 2,50 por euro, dá R$ 105 bi. É claro que aqui será gasto bem mais, brasileiro adora aparecer e político brasileiro ainda mais, com o dinheiro público então, nem se fala. Pensando bem, deve ser uma delícia gastar o que custou o suor dos outros.
    Agora vamos às perguntas:
    * quanto custa uma casa popular?
    * quanto custa uma escola pública?
    * e uma unidade básica de saúde?
    * e a melhoria das estradas?
    * e a possibilidade do governo fazer a manutenção destas estradas e abolir o pedágio?
    * e se empregassem essa verba para tapar o rombo da Previdência Social, causado por má gestão?
    * e se? e se? e se todas essas obras fossem executadas sem maracutaias?
    Viu como eu sou boba? Já comecei a sonhar…

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