A Espécie Humana. Capítulo 54

coloquei o menino sobre as almofadas do grande banco de cimento e o cobri. sentei meu pai no canto e fiz com que se cobrisse com seu enorme casaco preto.

vou fazer um chá.

e já trouxe uma xícara quente para meu pai e uma morna pro menino.

capim-limão! está bom! e sorrindo: a festa acabou.

nunca vou esquecê-la, pai. eu disse. e você, garoto, não quer um banho? logo logo vai ser meia-noite.

falta muito ainda, pai. mas eu quero um banho. e vou vestir uma roupa branca. vovô!

meu pai o olhou, agora já completamente calmo, apesar de eu perceber que ainda tremia de leve.

oi!

você fica bravo se eu tomar o último banho a álcool?

claro que não! um sorriso devolveu meu pai a meu pai.

preparei o banho do menino e ele entrou no banheiro.

quer mais um chá?, pai.

vou pegar.

nada disso! eu pego. e logo a seguir:

é preciso trazer o aparelho e as caixas.

está frio, pai. eu cuido disso.

coloque tudo aqui em baixo, por favor. quero ouvir umas músicas antes de ir.

trouxe tudo. armei improvisadamente o aparelho e as caixas. o menino saiu todo de branco do banheiro.

você botou mais álcool, né?, pai

botei. sorrindo. deite-se aqui. vou cobri-lo. está com fome?

não. e eu:

pai, agora vou ao banho. depois vemos as músicas.

e já saí, também todo de branco. agora era eu, quem perguntava rindo:

pai! e se eu acender velas, você fica bravo?

vai ficar bonito.

vou arrumar seu banho, pai.

não precisa. meu último banho vai ser frio.

uau!, vovô.

risos.

enquanto meu pai esteve no banheiro, o menino:

pai, semana que vem a gente podia ficar uns dias no apartamentinho.

quer passear pelo Centro?

quero. quero jogar vídeo-game.

semana que vem a tia chega com as meninas.

jóia.

e virou-se e dormiu num relance.

meu pai sentou-se todo dentro do largo banco, de modo que seus pés tocavam os pés do menino. atrás de sua cabeça, ao alto, o enorme poster que eu fizera de Joan Baez.

que músicas?, senhor.

veja estas fitas que eu separei.

muito bem. Mors et vita, de Charles Gounod. isto é maravilhoso! são duas fitas. depois, o Réquiem de Dvořak, nossa! e as Vespro della Beata Vergine, de Monteverdi, pai, assim você acaba comigo.

risos. preparo-me pra minha volta.

A Espécie Humana, romance de Jorge Teles, está sendo publicado em capítulos.

Para ler o capítulo anterior.

Para ler a partir do capítulo O.

Continua na semana que vem.

 

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