Registrado, mas quem dá fé?

De todas as idéias marqueteiras utilizadas pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva – e olha que não foram poucas – é difícil achar uma mais desprezível do que a de registrar em cartório os feitos dos oito anos de mandato, ainda por cima com festa, pompa e circunstância. Lula sempre gostou de uma folia. Lançou programas ao vento, como o Fome Zero, assinou atos que não saíram do papel, inaugurou e reinaugurou pedras fundamentais de obras de seu governo e dos anteriores. Abusou de todas as leis para fazer sua sucessora, acobertou e encheu de honras quem não merecia. Mas nunca tinha ido tão longe: registrar em cartório milhares de páginas para tentar provar que fez o que não fez.

Além de ofuscar os méritos do que realmente fez – benfeitos não precisam de confetes lançados sobre a própria cabeça -, o truque do cartório tem a pretensão de ser genial, mas é uma besteira em todos os sentidos. Se cotado no sentido exato, o registro, no mínimo, trai o presidente. Será que Lula, que usurpou idéias e realizações de governos anteriores, algumas delas expressas no balanço sem qualquer referência aos autores, teme que lhes roubem as genuinamente suas?

Há momentos em que o documento afronta o cidadão. Fala de infra-estrutura aeroportuária como se caos aéreo fosse uma invenção maluca dos usuários dos aeroportos brasileiros. As rodovias federais aparecem em condições invejáveis, com pavimentação de primeira, segurança e controle de risco de fazer inveja aos países mais avançados do mundo. Na saúde, tudo está em ordem. Na educação, os dados apresentados conseguem suplantar até mesmo os divulgados pelo próprio Ministério da Educação, que, ao contrário do balanção de Lula, apontam redução anual do número de matrículas no ensino médio e resultados pouco ou quase nada animadores no aprendizado, aferidos em exames nacionais e internacionais. Conseguiram errar até na área social, onde os méritos de Lula são inequívocos.

Traz ainda mentiras explícitas, como a do trem-bala, que teve sua licitação adiada e nem mesmo tem preço final definido, ou a ferrovia Transnordestina, nem iniciada nem terminada nessa gestão. Isso sem falar nas loas que faz ao combate à corrupção, como se algum tipo de morfina fizesse o país esquecer de waldomiros, dirceus – reabilitadíssimo, chafurdando feliz no convescote palaciano -, mensalão, aloprados, quebras de sigilos fiscal e bancário, ou os conluios familiares tão recentes da ex-ministra Erenice Guerra.

Tudo bem. Trata-se de um documento de governo, feito para dar publicidade aos atos de governo. Legítimo em seu fim.

Mas daí a dar créditos cegos a ele, como sugeriu o presidente, é demais. Só seria assim, como bem disse Lula, na imprensa da China ou de Cuba, que pertencem ao governo.

E, definitivamente, não precisava da baboseira de registrar livros em cartório, brincar de reconhecer firmas de ministros; mentir para o tabelião, fazer de conta para o país. O presidente mais popular da história não carecia de se expor a esse tipo de expediente barato.

Mas Lula é insaciável. Sempre quer mais. Quer tudo e mais um pouco. E, com isso, abre flancos para a contestação.

Tivesse este país uma oposição, ela hoje estaria denunciando o documento de balanço no cartório de protestos.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat.

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