Pesadelo de um português

Ora, pois! Não é que retorno ao Brasil e…! Sim, sim! Um cenário bem diferente da abundante virgindade das matas e da franca nudez de seus habitantes de tez avermelhada! Mas, será que estou, mesmo,  a por o pés no Brasil de Cabral? Estou a ficar confuso! Em 1500, me parecia que descortinava um selvagem mundo novo. Mas, cá com meus botões, hoje, em 2010, estou, saudosa e nostalgicamente, a admirar a polidez e cortesia que os então “selvagens” nos dispensaram àquela época.

Mas, é claro, Antonieta! Veja a disputa eleitoral ao cargo mais nobre da minha e tão espancada e achincalhada República! Uma brutalidade ímpar e onipresente! Vistes as notícias? Vermelhos barbados espumavam ódio pelos olhos e bradavam varas contra um dos aspirantes a representar essa minha e tão depauperada velha e sonhada, outrora, linda e verdejante República do Brasil!

Nem os índios, nem os índios, Antonieta, que aos nossos olhos pareciam assustar, chegaram perto sequer de tanta barbárie! Tão educados e singelos! Que bobagem nós fizemos, que bobagem! Devíamos tê-los deixado a governar e passarmos aqui apenas de visita! Sim, Antonieta, a turismo!

Estou a sufragar com todos meus dedos, dos pés e das mãos!  Estão mortos, todos mortos! Que seja Antonieta, que me amputem logo os braços, pois me sinto incapaz de uma ação frente a tanta devassidão moral! Só me resta continuar orando mesmo!

Mira a devastada e outrora gloriosa esperança do mundo a se esvair nesse mar vermelho de calúnias, mentiras e ilegalidades! Mira, a devassidão dos atos e a libertinagem dos comandantes! Só me resta mesmo sufragar por eles! Mortos estão!

Oh, Antonieta! Que desperdício! Que desperdício! A nau quer emborcar! Parecemos afundar, afundar nesse redemoinho…. Leve Pedrinho, salve Isabel, ordene que os negreiros retornem à Corte! Não mais carece de servos essa tão sonhada e almejada linda pátria! Só está a restar os párias da moral semeando seu ódio e vingança no coração dos inocentes!

Esse redemoinho… esse buraco tão negro e profundo… estamos a naufragar, Antonieta???…

Ora, pois! Salve Jesus e Maria Santíssima, acordei! Acordei, Maria! Saí desse terrível pesadelo com a bicada desse estranho pássaro!!!! Oh, Maria, te prometo, te juro, minha santinha, que dessa água ardente nunca mais beberei!!!

Hummm… cá com meus botões, o que esse índio faz ali correndo com um tucano, Maria?

– Oh, José, vai ver eles embarcaram nessa sua nau também!

O autor

Aníbal Sá é designer. Me mandou este texto que fez, segundo ele, “para não perder a razão com tanta indignação” com tudo o que estamos vendo.

Sérgio Vaz, outubro de 2010, tristes tempos.

 

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