Pequenas preciosidades

Um pouco antes de começar essa crônica, remexendo em velhos livros, encontrei um de Murilo Rubião, escritor mineiro que só vi uma vez, quando fui à Imprensa Oficial de Belo Horizonte, que ele dirigia, entregar um trabalho ao escritor Jaime Prado Gouvêa.

Murilo estava lá, na pequena e antiga sala do Suplemento Literário, que Jaime editava com competência e carinho.

Oferecidas e aceitas as xícaras de café, três, a conversa foi rápida. Impressionada com o peso do nome de Murilo nas letras nacionais, devo ter balbuciado duas ou três insignificâncias. Pior se tivessem sido quatro ou cinco.

Talvez não estivesse preparada para conhecer pessoalmente o autor de “Elisa”, esse sim, velho conhecido de páginas absurdamente surpreendentes.

Temi que não entendesse meu nome, fato comum. Entendeu, graças a Deus.

Murilo Rubião era alto, calado, discreto.

Foi apenas o tempo do café. Estendi-lhe a mão, dei um beijo no Jaime, tomei o rumo de casa. Precisava ler “Elisa”. Não sei se esse conto é sua obra-prima, mas é o que mais me emociona.

Hoje, como naquele dia, abri Os dragões e outros contos, editado em 1965, em Belo Horizonte. O mesmo título, mas volumes diferentes.

Naquele dia, abri o volume comprado na cooperativa da Faculdade de Letras da UFMG, que, nos anos 60, socorria, com preços possíveis, os bolsos dos estudantes.

Hoje, abri o volume que me foi enviado pelo autor, após o encontro das duas ou três insignificâncias.

Além da dedicatória na primeira página, um bilhete. Além do bilhete, um recibo do correio. Tudo do mesmo ano, 1965.

A dedicatória, simples, curta, revela um autor afetivo.

O bilhete, simples, não tão curto, revela um autor minucioso, preocupado, detalhista.

Está enviando o livro porque quer – realmente – que eu o leia. Soube que um outro exemplar, enviado antes, não chegou, apesar do recibo do correio, que envia também.

– Se, por acaso, você conseguir recuperar o livro – hipótese um tanto absurda –, pode passar um deles para alguém interessado no meu tipo de literatura.

O bilhete, desbotado pelo tempo, carimbou, com seu contorno, a primeira página do livro. Como uma moldura carimba um quadro.

O recibo do correio, a cor original insensível ao tempo, parece ter sido enviado hoje.

Analiso essas minúcias, leio a dedicatória, o bilhete, confiro a data do carimbo do correio.

Tomo um café – xícara solitária – releio “Elisa”, sinto a emoção antiga. Pequenas e enormes preciosidades.

As crônicas escritas por Vivina de Assis Viana para o Estado de Minas, entre 1990 e 2000, estão sendo republicadas pelo site primeiroprograma.com.br, graças a um trabalho de garimpo feito por Leonel Prata, publicitário, jornalista, editor, roteirista e escritor, um dos autores do livro Damas de Ouro & Valetes Espada (MGuarnieri Editorial). Com a autorização de Vivina e de Leonel, estou aproveitando o trabalho dele e republicando também aqui os textos.

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