O camaleão

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva é mesmo incorrigível. Quer tudo e muito mais. Não lhe basta ser o mais popular governante que o Brasil já teve; é preciso ser unânime. Tampouco lhe é suficiente vencer; é preciso tripudiar, expor as vísceras dos derrotados. E quando não é de todo cruel – aquele que quer “extirpar” de vez quem se opõe a ele – age com requintes de esperteza.

Na curta semana que passou, Lula voltou a deixar isso claro em pelo menos quatro oportunidades: na aparição que fez ao lado da presidente recém-eleita, na reunião ministerial de quinta-feira, na formatura dos novos diplomatas e na inusitada convocação de cadeia nacional de televisão para cumprimentar “a companheira Dilma”.

Sem perder o estilo palanqueiro, Lula, mesmo dizendo que não queria ofuscar a sua sucessora, insistiu nas loas a ele próprio – o mérito de tudo de bom do país lhe é exclusivo e o que não deu certo à oposição pertence.

Como raposa em pele de cordeiro, trouxe novamente à tona a famigerada CMPF, desta vez travestida em reivindicação de governadores. E, mesmo vitorioso absoluto, voltou a vestir a outra velha pele, a de vítima, falso legado que, ao que parece, pretende transmitir à Dilma. Aos olhos de Lula, ela teria sido trucidada durante a campanha eleitoral, simplesmente por ser mulher. Assim como ele, por ter sido torneiro mecânico.

Ora, verdade seja dita. Se há algo que sempre agiu a favor de Lula, quer nos idos das greves do ABC, quando despontou como líder sindical, quer nas campanhas eleitorais ou no exercício da presidência, foi ter sido metalúrgico. Muito menos houve qualquer discriminação de gênero em relação a Dilma. No máximo, foi “acusada” de ter sido guerrilheira. E daí? De fato, ela optou por esse caminho, assim como tantos que, à época da ditadura militar, apostavam no sucesso da luta armada, enquanto outros preferiam a via institucional.

Só mesmo quem criou e moldou Dilma poderia pensar em lhe impor uma aura de discriminação, e ainda por cima, por ela ser mulher. Chega a ser um acinte às mulheres que todos os dias, horas a fio, lutam, às vezes com poucas armas, em jornadas duplas ou triplas, para manter os seus filhos, lares e empregos. Ser mulher e ainda a primeira a presidir ao país será sempre algo que contará a favor de Dilma – e Lula bem sabe disso. Mas, arisco, finge que não.

No dia seguinte, na reunião com os seus ministros, Lula mudou de bicho, mas repetiu a dose. Depois de criticar opositores e encher-se de elogios, disse, por meio do ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, que vai lutar como um leão pela reforma política, tema pelo qual não mexeu palha alguma em quase oito anos de mandato. E, como mede o mundo por sua régua, apelou aos seus auxiliares que façam um balanço detalhado das ações de governo para que sejam registradas em cartório. Como se temesse que a minoritária e dócil oposição, ou até mesmo a sua sucessora, pudessem lhe roubar feitos, como ele próprio fez com o seu antecessor.

O presidente terminou a semana soltando os cachorros para cima de ex-embaixadores, rosnando feio para os críticos de sua política externa. Paradoxalmente, horas depois, defendeu, em pronunciamento na TV, o respeito mútuo, e a divergência madura e civilizada entre governo e oposição, como se não fosse ele um transgressor permanente dessa pregação.

De novo não se importou em quebrar regras e abusar de um direito de Estado em nome de seus interesses. Em cadeia nacional, cumprimentou “a companheira Dilma” pela vitória, um desrespeito aos brasileiros que, mesmo tendo conferido a maioria dos votos à sua candidata, não pertencem, obrigatoriamente, ao seu partido ou à sua turma.

Seja qual for o animal que escolherá daqui até o final de seu governo e durante o governo de sua sucessora, Lula, há tempos, encarnou o camaleão, que, de acordo com o público, assume a forma e a cor que lhe convém.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 7/10/2010.

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