O avô e o neto

Mandei mensagem à minha filha, que estava fora de casa: “Não conte para o César, mas estou usando a caneca do Batman”. Não vejo problema em um avô usar a caneca do neto, às escondidas.

Gostei dela não pela figura do herói (mais idoso que eu, mas em grande forma), mas por seu material leve e jeito prático. Muito mais interessante que a minha de sempre, de louça grossa, grandalhona.

Fiz a troca porque César a usa raramente. Mas quando me flagrou com ela, preparando o café com leite matinal, ralhou: “Vovô, não pode”. E me tomou a caneca. Não por um extremado sentimento de posse. Mas por uma questão de ordem natural das coisas. Avô usa sua caneca, neto a dele.

Resolvi a questão da caneca me resignando a ficar com outra, igual à primeira, mas branca (em vez de preta) e com a figura de um sapo verde. É de quando César era mais criança. Fez quatro anos recentemente. A caneca do sapo ele deixa passar.

Há algumas semanas, vovô e o neto tomavam café da manhã com suas canecas. O pequeno se interessou pelo jornal sobre a mesa. Lê uma ou outra palavra, e gosta de ver figuras. Vovô falou do jornal para crianças, e ele lembrou do que tinha um dragão (Folhinha). Foi à mesa de centro. “É este aqui, vovô, o do dragão.” Assim tomamos o café, cada um lendo seu jornal.

César e a mamãe Mônica estão morando aqui em casa, enquanto fica pronta a reforma da que ela comprou com o marido. Nunca jogamos, eu, vovó, titia, tanto futebol. A trave são dois pedaços de tronco de madeira, ajeitados no chão. Quem faz gol vai para o gol. O neto enche o pé, a bola passa por cima do muro e vai para a rua.

Muitas vezes pessoas que passam nos vêem na rua, e notam a bola. Pegam a bola e jogam para César, e parecem muito felizes com isso.

O futebol é bem melhor do que a fase do videogame. Eu ficava em grande desvantagem, por não saber como lidar com aquilo. Às vezes era uma simples corrida de carro. Mas, em outras, Batman e Robin saíam atirando, destruindo tudo, matando muita gente. Quanto mais matança, mais pontos para César.

Avós são pessoas antigas, acham que isso não é diversão, mas barbarismo. Devia ser só para jovens. Mas a nova pedagogia, já que são jogos liberados, deve ser assim mesmo.

A última moda, aqui em casa, é jogar “rouba-o-monte”, como o menino diz. Jogam vovô e vovó, tia Dena e ele. Outro dia, quando Mônica entrou na partida, ele foi me chamar. O sexo masculino estava em desvantagem. “Vovô, não pode só um menino contra três meninas.”

Numa partida dessas, teve que ir ao banheiro. Eu esperaria que ele dissesse à mãe, que jogava: “Mamãe, preciso ir ao banheiro”, ou coisa assim. Mas D. César bradou: “Pára o jogo. Vou fazer xixi.” A caminho do banheiro, voltou-se: “Ninguém mexe no meu monte”.

No começo, fraudávamos o jogo para ele terminar com o monte. Aos poucos, fomos para o real. Numa dessas, tia Dena foi roubar-lhe o monte. Dena tinha um oito de ouros, e a carta de cima do monte era um oito de paus. César tentou se safar: “Minha carta é preta e a sua é vermelha. Não pode roubar”.

Quando viu que não colou, entregou o monte. É um menino meigo. É gostoso ver a confusão que faz com o nome do naipe da dama. “Peguei uma madame.”

Julho de 2010

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