Menos Castro, mais Adam Smith

Quando estive em Havana, em 2008, para entrevistar Yoani Sanchez, conheci pequenos guerrilheiros da iniciativa privada que usavam a imaginação para levar pra casa alguns trocados a mais do que o parco salário mensal que o governo lhes pagava.

Num mundo cinzento de funcionários públicos que executam tarefas mecânicas só para cumprir tabela, o espírito empreendedor se manifestava através de pequenos truques, como a da camareira do hotel, que oferecia por 3 pesos a garrafa de água que na tabela valia 5, ou a lavadeira e passadeira que driblava a gerência do hotel e embolsava os 6 pesos pelo trabalho que ela mesmo fazia, num contrato direto e informal com o cliente: eu faço, você me paga.

Havia também o ex-professor de educação física que um dia foi apanhado tentando ir embora do País, perdeu o emprego, e vive de transportar passageiros clandestinamente com o seu oficialmente inexistente Morris 1952, um carro que ainda se locomove em acintoso desafio às leis da mecânica e da física; o esperto garoto brasileiro bolsista de Medicina, que ganhou uma vaga por conta da “cota dos movimentos sociais”, e que vendia legítimos havanos no hall do hotel para poder custear as suas férias no Brasil.

Lembrei desses pequenos personagens esta semana, quando o governo cubano anunciou que demitirá 500 mil funcionários do Estado para tentar dar um pouco de funcionalidade à economia do país. O modelo, como disse e desdisse sem desdizer o primeiro e original exemplar vivo de ditador aposentado, Fidel Castro, numa entrevista a uma revista liberal norte-americana, não funciona mais – se é que algum dia funcionou.

Os irmãos Castro parecem estar à procura de alguma espécie de réplica do modelo chinês, algo como um “socialismo de mercado”, para tentar sair da crise em que enfiaram a pequena ilha desde que eles mesmos construíram esse estranho paraíso de inércia, de desencanto e de acomodação em que ela foi se afundando nestes últimos 50 anos, principalmente depois da perda da sua alma mater ideológica e econômica, a falecida URSS.

Os cubanos chamam essa maneira de sobreviver de “vivir por la izquierda”, um jeito de escapar das regras e das proibições oficiais e das misérias e limitações institucionais de um modelo socialista esclerosado e paralisante.

Onde vão trabalhar os 500 mil demitidos? Vão criar coelhos, dirigir bicitáxis ou vender charutos nas esquinas? Se os velhos marxistas aposentassem seus revolucionários livros-textos e suas idéias caducas de engenharia social, e passassem a ler Adam Smith, talvez concluíssem que a solução está aí mesmo, à vista de todos, em cada um dos seus reprimidos pequenos empreendedores. Bastaria prestar atenção neste trecho de A Riqueza das Nações:

“O esforço natural de cada indivíduo para melhorar sua própria condição, quando se lhe permite ser exercitado com liberdade e segurança, é um princípio tão poderoso que ele é capaz, por si só, e sem qualquer assistência, não apenas conduzir a sociedade à riqueza e prosperidade, mas de sobrepujar uma centena de observações impertinentes com as quais a estupidez das leis humanas com tanta freqüência estorva sua operação”.

É tudo de que Cuba precisa: menos Castros, mais Adam Smith.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat

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