Estão aparelhando até o Dunga

O futebol é uma caixinha de surpresas, mas a micropolítica, quando movida por interesses subalternos, pode ser uma caixinha de obviedades.

Vamos estabelecer, para começo de conversa, que o técnico Dunga não é um primor de simpatia, e que muita gente se irrita com as narrações impressionistas de Galvão Bueno, principalmente quando coloca a sua alma nas chuteiras de sua preferência – que podem ser as chuteiras da pátria em jogos da Seleção, ou as chuteiras dos times que preenchem mais casinhas do Ibope de audiência da Globo.

Uma rusga dividiu nesta semana o técnico da Seleção que está a caminho do hexa e a TV Globo, que lidera a audiência em todos os segmentos sociais e em todas as categorias de programas – o que atrai não só o olho gordo dos concorrentes, como o despeito político dos que não se conformam com a sua hegemonia, que classificam equivocadamente como “monopólio”.

E como foi que essa salada russa entre a malcriaçao de Dunga, uma campanha no Twitter contra Galvão Bueno e Tadeu Schmidt, que poderia parecer um embate de idiossincrasias entre os que gostam e os que não gostam do técnico da Seleção e os que gostam e os que não gostam das transmissões esportivas da Globo conseguiu ser transformada num fato político?

Procurem os incansáveis ativistas de sempre.

Procurem os sites, os blogs, os twitters dos que invejam a desenvoltura com que o tenente coronel Hugo Chavez trata os órgãos de imprensa dos quais não gosta. Foi aí que nasceu uma campanha “Um Dia Sem Globo”, que foi vendida como um desagravo ao valente técnico que não se rendeu à tirania global. Dunga virou, além de um gênio futebolistico de última hora, um herói da resistência. ”Um Dia sem Globo”, no recôndito do inconsciente coletivo deles, é o prenúncio de uma vida sem imprensa – ou de uma imprensa sob controle.

A campanha é tão inocente quanto os seus mentores. É fácil reconhecê-los. Deixam as suas impressões digitais por todo canto. Se fossem descontentes normais, fariam como fazem as pessoas normais: usam as opções disponíveis e escolhem o canal de sua preferência, o narrador de sua preferência, o comentarista de sua preferência, sem tentar transformar isso num ruidoso fato político.

Nada impede, como disse um twitteiro, que qualquer pessoa resolva ficar não um dia mas 10 anos sem ver Globo, uma vez que o aparelho de TV e os seus controles lhe pertencem, e através deles pode eliminar de sua vida o que não quer ver.

A leitura é óbvia: a campanha é desonesta intelectualmente e mal intencionada porque seu verdadeiro motivo – que é o de fazer bullying ideológico contra a imprensa independente – está disfarçada em defesa do pobre técnico perseguido pela emissora que, segundo a mitologia corrente nesses meios, trata mal o governo que tem uma aprovação nunca antes vista neste país.

Não se fale em livre concorrência ou livre direito de escolha entre essas pessoas, porque esse é o tipo de linguagem que eles se recusam a entender. Não concebem que as pessoas sejam capazes de discernir e escolher livremente o canal de TV que querem ver – ou escolher livremente qualquer outra coisa. Sempre pensam, antes, em algum tipo de coerção. Não concebem a vida sem controle, sem dirigismo, sem patrulha. Abominam o livre arbítrio, e como não sabem o que fazer com ele, querem abolir o dos outros.

Se você acha a Globo soberba, o Galvão um chato, não gosta de novelas, odeia o Jornal Nacional, mude para o canal que quiser, quando quiser, e não quando uma milícia ideológica mandar. A liberdade é sua, não a entregue a terceiros.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 25/6/2010

2 Comentários para “Estão aparelhando até o Dunga”

  1. O “Cala Boca Galvão” foi uma brincadeira com o mais popular narrador brasileiro. Ele mesmo levou na brincadeira.
    O “Cala Boca Tadeu Smith” foi completamente diferente. Ao negar entrevista exclusiva à rede Globo – se o grupo fosse dar entrevista a uma rede, teria de dar a todas – o técnico foi duramente criticado pelo apresentador.
    O “Cala Boca Tadeu Smith” foi uma defesa popular ao técnico, por pessoas que consideraram sua posição correta.
    Fazer uma leitura desse fato como “bullying ideologico contra a imprensa independente” soa completamente exagerado e meio que “teoria da conspiração”.
    Pelo menos é minha impressão dos fatos pelo que li na mídia.
    Gosto muito dos dois sites – 50 anos de textos e de filmes.

    Abraco,

    Rafael

  2. Caro Rafael:
    Sou o último a acreditar em teorias conspiratórias.Escrevi o que escrevi porque há evidências escandalosas de que a campanha Um Dia Sem a Globo foi manipulada politicamente pelos defensores do “controle social” da mídia. Galvão,Dunga e Tadeu Schmidt são os únicos inocentes nessa história.
    Um abraço
    Sandro Vaia

Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *