A Venezuela ensaia um não

Alguma coisa está mudando na Venezuela. Ainda que a assembléia agonizante, formada só por deputados chavistas, tenha prestado ao proto-ditador o último serviço, concedendo-lhe plenos poderes para legislar por decreto durante 18 meses, as ruas das cidades, os campos e as universidades estão começando a demonstrar sinais de inquietação e impaciência diante do surto autoritário do coronel presidente e da precária situação da economia do país. 

Chávez continua alargando a golpes de arbítrio seu caminho para a ditadura, mas a Venezuela parece mais disposta a resistir e a dar um basta aos delírios autocráticos do coronel. Nesta semana, estudantes e agricultores foram às ruas para protestar contra o conjunto da obra de Chávez: os primeiros, contra a Lei da Educação Superior, que, segundo os próprios estudantes e os reitores das universidades públicas, destrói a autonomia universitária; os segundos, contra as sucessivas intervenções do governo nas propriedades agrícolas do estado de Lara, que agravam ainda mais a precária situação do abastecimento de alimentos no país.

Na safra de leis aprovadas a toque de caixa pelo parlamento chavista, está também a lei Resorte, que estabelece a “responsabilidade social” em rádio e TV (seu primeiro ato foi tirar do ar um programa popular chamado “Caso Cerrado”, exibido diariamente pelo canal Televen, onde se discutem pendências jurídicas entre pessoas, com a mediação de uma advogada) e uma lei que cria várias restrições ao uso da internet, entre as quais coisas surrealistas como a proibição da divulgação de informações “que criem ansiedade entre a população” ou que “ignorem as autoridades constituídas”, seja lá o que isso queira dizer.

Outra lei aprovada foi a chamada “Lei Anti-Talanquera”, que pune a dissidência dentro do partido do governo (dos 167 deputados que compõem a atual assembléia, todos dos partidos chavistas, 12 formaram uma dissidência que passou a funcionar como uma pequena oposição).

O fato é que na última eleição, a oposição, que decidira se ausentar nas eleições anteriores, deixando todas as cadeiras para os partidários de Chávez, conseguiu eleger 67 deputados e desfazer a maioria qualificada de 2/3, que permite ao governo a aprovação automática de todos os seus projetos, e criou um sério problema para o projeto de poder perpétuo que Chávez alimenta sem nenhum constrangimento.Como a nova assembléia assume no começo de janeiro, era preciso correr e aprovar todas as leis propostas por Chávez, inclusive a Lei Habilitante, que lhe permite governar por decreto durante 18 meses.

(Ressalte-se que Chávez, embora seu partido tenha obtido 46,5% dos votos contra 51,2% da oposição, conseguiu manter a maioria de cadeiras no Parlamento por causa das peculiaridades e complexidades da lei eleitoral venezuelana, que dá mais peso a distritos chavistas do que a outros.)

Já antes de assumir suas cadeiras, a voz da oposição se faz ouvir. As ruas também se fazem ouvir. A sociedade venezuelana parece despertar do torpor dos últimos anos, disposta a contestar a autocracia e a protestar contra a situação econômica da Venezuela, o único país da América Latina que cresceu negativamente (entre 3 a 4%) em 2010.

Daqui a dois anos Chavez tentará mais uma reeleição. E se desta vez a Venezuela disser não ? O ensaio já começou.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 24/12/2010.

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