Uma chance de ouro

Tábua de salvação para todos os males, as reformas voltam sempre à tona como imprescindíveis e urgentes todas as vezes em que os agentes públicos querem tirar o corpo fora da crise do momento.

Nos tropeços econômicos berra-se, e nada se faz, em prol de uma reforma tributária.

E sempre que estouram escândalos de corrupção, malversação de dinheiro público e ladroagem entre aqueles que deveriam ter um mínimo de compostura para representar o povo, repete-se o bordão da emergência de se fazer uma reforma política.

Diante da novela de horror exibida nos vídeos da corrupção explícita que se alastrou pelo Distrito Federal, a palavra de ordem não poderia ser outra: reforma política – a “responsável de plantão”, como bem disse a jornalista Dora Kramer em sua coluna, publicada no Estado de S. Paulo na última quinta-feira (3/12/2009).

Além de desculpa usada e esfarrapada, o uso irresponsável e oportunista da reforma política é de todo nefasto.

Acaba por desqualificá-la. Isso em um país que carece, e há tempos, de alterar as atuais regras, arcaicas e superadas.

Tudo, mas absolutamente tudo, condena o atual sistema.

Do peso desigual da proporcionalidade na Câmara dos Deputados – que ainda hoje segue os moldes definidos em 1977 pelo mago do regime militar, Golbery do Couto e Silva, no Pacote de Abril, pelo qual um único amapaense, acreano, rondoniense ou roraimense vale sabe lá quantos muitos paulistas, mineiros, fluminenses, baianos ou gaúchos – à excrescência dos senadores suplentes que representam estados da Federação sem terem recebido um voto sequer.

Dos critérios que possibilitam a formação de partidos políticos em cada esquina às absurdas coligações pós-eleitorais, não aprovadas previamente pelo eleitor.

E as mudanças na regência político-eleitoral não dependem de artifícios ou idéias mirabolantes como a de convocação de uma Assembléia Constituinte, como preconizou marotamente o presidente Lula, sob o argumento de que os políticos não têm interesse em votar qualquer alteração nas regras vigentes, pois por elas são beneficiados.

Aliás, para quem se arvora em dizer que tudo se resolve com uma reforma política, é no mínimo incongruente imaginar que um fórum constituinte eleito pelas atuais regras seria menos oportunista, corrupto ou servil quanto o Parlamento atual. Não passa de conversa para boi dormir.

A propalada reforma nem mesmo precisaria de novos projetos.

Há centenas deles criando teias de aranha no Congresso Nacional, vários com a amplitude e a profundidade necessárias para a correção de rumos.

Somam dezenas as propostas de diferentes aplicações do voto distrital – mecanismo que elimina as disputas fratricidas entre candidatos de um mesmo partido, permite maior proximidade com o eleitor e, consequentemente, maior fiscalização do eleito -, de fórmulas de financiamento dos pleitos, se público, privado ou misto, de regramentos para a publicidade eleitoral.

Em menor número, mas de igual ou maior importância, há propostas de adoção do voto facultativo, fundamento das democracias maduras, que estimula a real inclusão do cidadão na prática política, não raro limitada, nos países que ainda mantêm a obrigatoriedade, ao ato de votar.

Democracias emergentes buscam cotidianamente seu aperfeiçoamento.

É vergonhoso que o Brasil nem ao menos tente fazê-lo. Brinca com o sério ao fingir que discute questões de fundo e nem mesmo arranha o que verdadeiramente importa.

Se houvesse qualquer pretensão de se reformar alguma coisa, o Parlamento e o próprio presidente Lula endossariam a emenda popular que impede a candidatura dos fichas sujas – uma oportunidade fabulosa para demonstrar que são sinceros os desejos de inibir a ação de corruptos de carteirinha.

Ao presidente da Câmara Michel Temer caberia apenas colocar a proposta na pauta do dia, e ao presidente Lula bastaria estimular a sua confortável maioria para aprová-lo.

Para a tão emergente e necessária reforma política, seria um começo sensacional.

Pena que a probabilidade de eles aproveitarem esta chance de ouro seja quase a mesma de se achar um pote de ouro no fim do arco-íris.

O artigo acima foi escrito para o Blog do Noblat

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