É espantoso, chocante: o Supremo legitima a censura

Sei, sei, sei: tem aquele axioma que diz que decisão do Supremo não se discute, se cumpre. E há as tecnicalidades jurídicas. O advogado referiu-se à alínea C do parágrafo 4, mas esse assunto deveria ser tratado na alínea Z do parágrafo 7, então seu pedido não vale, está negado – e páf, bate-se o martelo.

Tem tudo isso, e eu não sou jurista, sequer bacharel em Direito pela Faculdade de São José do Pito Acesso – mas a decisão do Supremo Tribunal Federal de manter a censura ao jornal O Estado de S. Paulo é, no mínimo, espantosa, chocante.

A notícia:

“18h36, 10 de dezembro de 2009 O relator Cezar Peluso acaba de anunciar a manutenção da censura contra o Estadão. O STF extinguiu o processo por seis votos a três. Votaram contra o deferimento os ministros Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Eros Grau, Ellen Gracie, Ricardo Lewandowski e José Dias Toffoli. Pelo deferimento votaram Carlos Ayres Britto, Celso de Mello e Cármen Lúcia.”

“Para o ministro relator do processo, Cezar Peluso, a reclamação protocolada pelo jornal não preenche os requisitos formais para a análise.”

É espantoso, chocante. Para dizer o mínimo.

O Supremo é uma Corte também política.

Existe a Lei – a letra fria da Lei, as tecnicalidades, as picuinhas, os requisitos formais. Mas existe, também, a noção clara de Justiça – e me parece que a Justiça sempre deve ficar acima da letra fria da Lei. Me parece que ensinam isso nos cursos de Direito – até mesmo em São José do Pito Aceso.

Ainda mais numa Corte cujas decisões são também políticas, muitíssimo mais amplas que as questiúnculas específícas, tecnicistas.

Qual é o entendimento que passa para os 98% da população que sabem ler mas não são juristas? Que o Supremo, a maior Corte da Justiça brasileira, apóia a censura ao jornal O Estado de S. Paulo.

Que, entre o clã Sarney e a liberdade de imprensa, o Supremo optou por defender o clã Sarney.

Ué, mas não está na Constituição o direito à livre expressão? Não está lá que é proibida a censura à imprensa?

Como fica a cabeça do cidadão? Acho que, na cabeça do cidadão, o que fica é assim:

O Executivo pode fazer o que bem entende – lotear os cargos públicos e as estatais com seus apaniguados, e a competência que se dane, que venham os apagões, mas o Lobão é ministro porque é amigo do Sarney que agora é amigo do rei; fazer campanha eleitoral fora de hora; fazer o País ser representado numa conferência internacional que vai em boa parte definir o futuro do planeta pela candidata do rei, que não entende lhufas de ambiente, muito ao contrário; fazer a promoção deslavada de um filme feito para exaltar o culto à personalidade do rei, à la Stálin. Pode fazer o que bem entende – não há oposição mesmo.

O Legislativo é uma droga mesmo – é tudo corrupção, eles só defendem os seus próprios interesses, e o País e o povo que se danem.

E a Justiça – essa, que até há pouco era incensada até pelas poucas vozes que ousam se pronunciar contra o lulismo, os colunistas e editorialistas dos bons jornais, bem, essa apóia o clã Sarney e a censura ao jornal que denunciou falcatruas da família do cidadão incomum, diferente,  melhor que os outros.

E isso nem um mês depois de decidir que o terrorista italiano não deve ser extraditado, mas quem decide é o rei – ou seja, decidir decisão alguma.

Não é um bom recado à população, esse que o Supremo passa.

O Supremo joga a Justiça na vala comum em que já estavam Executivo e Legislativo.

O recado que fica para a população – quem, afinal, entende de tecnicalidades jurídicas? – é o seguinte: é tudo uma gigantesca droga, todos os três Poderes. O recado que o Supremo deu, em suma, é assim: a democracia é uma droga.

         Com o peso do saber jurídico

Escrevi os parágrafos acima assim que vi na internet a notícia do resultado da votação no STF, pouco depois que ela terminou, no início da noite da quinta, dia 10/12/2009. Escrevi de bate-pronto, sem pensar duas vezes, movido pela indignação. Ao longo da noite, vi que gente importante – Ricardo Noblat, Augusto Nunes – protestou contra a decisão do Supremo até com mais veemência do que eu, o que é uma maravilha.

O Estadão desta sexta, dia 11, trouxe um pequeno artigo de um magistrado – Walter Fanganiello Maierovitch, presidente do Instituto Giovanni Falcone, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo e professor de Direito – em que ele, com o peso de seu sabor jurídico, usa argumentos muito parecidos com os que usei ao espernear.

Vou transcrever o artigo:

Uma decisão da qual me envergonho

Walter Fanganiello Maierovitch

Quando em jogo a Liberdade de Imprensa – que assegura o desenvolvimento da vida democrática-, não se pode, numa Suprema Corte, adotar-se uma postura burocrática, como se estivéssemos ao tempo do direito sumular romano, em que a forma tinha mais importância do que o fundo.

Deixar de examinar o mérito da questão, a título da inadequação da via escolhida e quando de uma clareza solar a violação à liberdade de imprensa, coloca a nossa Suprema Corte entre as piores do planeta.

Afinal, nenhuma lesão a direito – e no caso era lesão a direito fundamental – pode ser excluída da apreciação do Judiciário. E o STF, pela maioria, deixou de examinar a lesão para se fixar em questão processual, de forma.

Quando se ouve, pela boca do ministro Eros Grau, que “aplicar a lei não é censura”, preocupa sobremaneira. Até um rábula de porta de cadeia sabe que se aplicada mal a lei pode gerar censura.

Depois do voto de Eros Grau, voltei a lembrar o grande Mario Quintana, que afirmou: “A Justiça é cega. Isso explica muita coisa.”

Em resumo. Houve censura. O STF, no entanto, preferiu entender que a roupagem, para se obter o seu reconhecimento, foi mal escolhida. Lamentável. E quando penso no segundo hábeas corpus concedido a Daniel Dantas, quando se rasgou a própria súmula e se pulou instâncias para atendê-lo, volto a pensar em Mario Quintana e acrescento: “me envergonho da decisão da mais alta Corte do meu país”.

2 Comentários para “É espantoso, chocante: o Supremo legitima a censura”

  1. Tio, parabéns pelo espaço… certamente um campo aberto para discussões do tipo diga o lhe der vontade. Até, claro, o Supremo aparecer.
    Mas, tio, não sou jurista, nem pretendo ser… e como você sabe sou um aprendiz de advogado, mas posso afirmar que sinto asco pelas cortes superiores. Os poucos resquícios de dignidade de tão poucos nem se encontram. No mais, tese de doutor – de regra conhecimento bancado pelo capital – se prestam – via de regra – a atender aos interesses da elite. Forte abraço, velho tio!!! Beto, Sabrina lindinha e Teodoro Cichon Vaz da Silva

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